A
expressão é utilizada pelo senhor Bispo do Porto para caraterizar a medida
governamental do encerramento de 311 escolas do primeiro ciclo decidida para o
próximo ano letivo.
Em declarações à agência Ecclesia, a 24 de junho, o prelado, responsável
por uma das dioceses mais atingidas pela decisão do Ministério da Educação e Ciência
(MEC), considerava
que esta decisão ministerial é uma solução baseada apenas na “tirania dos números” e
que revela a falta “de uma cultura de visão para o futuro”, ou seja, uma opção
verdadeiramente estratégica.
A título de
parêntesis, diga-se que a diocese do Porto é de facto aquela que sofre mais com
esta medida de régua e esquadro, embora o distrito de Viseu seja aquele em que
o número de escolas a encerrar seja o maior a nível dos distritos (57). Só que
o distrito de Viseu reparte-se grosso
modo por duas dioceses, Lamego e Viseu (embora abranja ainda freguesias da
diocese de Coimbra).
Sublinha o
senhor bispo que, mais do que “medidas tomadas por inércia” e, digo eu, a partir
epidermicamente da aritmética, é necessário encontrar soluções para “as causas”
que estão por detrás do fecho destas escolas – a inexistência de “ideias
criadoras de emprego”. E especifica o antístite que “não há escolas porque não
há crianças, mas isto acontece porque a montante não tem havido um projeto
impulsionador de uma transformação do país que leve as pessoas a fixarem-se com
motivações, com trabalho, com esperança, com sonhos”, com uma perspetiva de vida
integrada “no todo nacional”. E, sim, até ao chegarem a provecta idade, muitos dos
idosos são chamados pelos familiares, ocupados com a inflexibilidade do
trabalho, a passar o seu tempo de reforma na capital e arredores, sem os seus
amigos e a sua horta, porque lá/cá na terra não têm incentivos e amparo a uma
vida sem cuidado.
Ora o encerramento
escolas, como aliás o de diversos serviços de dimensão local, segundo o
hierarca portuense, vem reforçar a necessidade das populações em centrarem-se
“nos grandes espaços demográficos das cidades”, deixando os restantes
territórios cada vez mais “despovoados”. Assim, defende que a prioridade
deveria ser a de combater a “baixa da natalidade” e o “abandono das terras”.
Porém, a
tirania dos números, denunciada agora pelo bispo do Porto, pontificou na tomada
de medidas congéneres – também no setor da educação – transversal a diversos
governos da República, sobretudo desde 1988. Quem não se recorda, a coberto da
racionalização de meios, do encerramento de urgências hospitalares, de serviços
de atendimento permanente (SAP), maternidades e escolas (na governação de Sócrates)?
Depois, veio o espectro do encerramento dos serviços de finanças e de tribunais
(esta em nome do novo mapa judiciário, que reduz as comarcas e atribui secções
de competência genérica e/ou específica à maior parte das atuais comarcas ou
ainda secções de proximidade – para que efeito?). Sempre os números… a que se
junta a pressão da troika, que levou
à “extinção” de freguesias (tanta união desunida, forçada!). Mesmo o
agrupamento de escolas ou a agregação de agrupamentos (mega-agrupamentos) se
deixa condicionar pelos números, sob a capa de um projeto educativo de continuidade
desde os 6 aos 18 anos de idade (a maior parte desses projetos são decalcados
de matriz comum, com pequenas variantes). Depois, eufemisticamente enaltece-se
a gestão de proximidade!
O senhor
bispo do Porto, no âmbito das escolas, assinala outra circunstância não
despicienda: algo que é ainda mais difícil de entender porque surge “quase na
eminência do novo ano letivo”, ou seja, muitas famílias “nem estão preparadas”
para reorganizarem a sua vida. Na verdade, nem o Estado nem ninguém tem o
direito de jogar de pé para a mão com a organização da vida das pessoas e das
famílias. Só que a questão reveste outros contornos. A decisão de encerrar
escolas do primeiro ciclo ou a de agrupar escolas não é exclusivamente
governamental. Os autarcas não podem colocar-se à margem, porquanto:
– A definição
de política educativa municipal e o ordenamento da rede escolar cabe ao
conselho municipal de educação – a instância de deliberação na matéria – e de
composição bastante heterogénea. É óbvio que, se a educação não for uma real
prioridade municipal, este órgão, que na maior parte das situações assume uma
posição consultiva, poderá nem sequer reunir.
– Ademais,
foi no ano de 2006 que os diversos municípios elaboraram as denominadas cartas
educativas, que, baseadas na caraterização do respetivo município, passaram a
constituir uma peça integrante do Plano Diretor Municipal, sujeitas aos mesmos
mecanismos de revisão. Todos se lembram do afã que perpassou os municípios,
alegando uns e outros que se sentiram pressionados. É natural que o Ministério
da Educação (ME) tenha tomado iniciativas pressionantes, não conformado com a inércia
local, que leva a que muitas coisas não são para se fazerem, mas para se irem
fazendo.
– Mas as
cartas educativas foram elaboradas pelas câmaras municipais, sujeitas a debate
nos conselhos municipais de educação, discutidas e aprovadas nas assembleias municipais
e ratificadas pelos competentes departamentos governamentais. E definem as
bases da política educativa municipal, da distribuição de equipamentos
educativos (e respetiva construção, manutenção e beneficiação) e da rede
escolar. Muitas delas definem as condições em que uma escola deixará de
funcionar. No entanto, tanto o normativo legislativo como a carta preveem o
ajustamento anual da rede escolar.
+++
Assim,
não se compreendem situações como o mútuo alijamento de responsabilidades nesta
matéria e similares, o permanente sistema de teima suada entre edis e membros
do governo, as manifestações públicas que integrem autarcas, a aceitação de encerramento
de escolas ou outros estabelecimentos com a única exigência do envelope financeiro
para a autarquia, com o telefonema prévio ao presidente de então da ANMP ou com
argumentos acomodatícios não condicentes com a verdade dos factos em concreto. Recordo
o facto de crianças em idade tenra, que são transportadas diariamente durante
longo tempo, em distâncias desproporcionadas, sem o mínimo de conforto e sem as
condições apregoadas habitualmente (biblioteca, piscina e ginásio e até
melhores docentes, às vezes). E sobretudo são crianças retiradas demasiado cedo
da proximidade das famílias, que sofrem uma socialização intempestiva e não de
todo necessária. Ademais, já lá vai o tempo em que se tentou levar a cultura e
a educação a tudo quanto era sítio. Quem não se lembra da instalação dos “postos
escolares” nas localidades mais minúsculas e mais recônditas? Mas este, o nosso
é que é o tempo das proximidades…
Efetivamente
Dom António Francisco dos Santos tem razão em mais duas coisas: não pode, como
diz, e bem, ser só o Estado a decidir o encerramento das escolas sem ouvir
inclusivamente as instituições locais, que podiam proporcionar outras formas de
reposta; e o direito/dever dos pais à educação e mesmo a escolha de escola.
Todavia, não me parece que entidades privadas pudessem colmatar, de momento, as
necessidades de educação ao nível mais básico, sobretudo nas regiões do
interior, que é onde existem as unidades que vão encerrar ou que estão em vias
de encerramento.
O comunicado
ministerial dedicado ao “processo de reorganização da rede escolar para
2014/2015” refere que as crianças das 311 escolas em questão vão ser integradas
em “centros escolares ou outros estabelecimentos de ensino com melhores
condições”, o que não se afigura assegurado, segundo os autarcas mais
renitentes e outras forças sociais – poucas, devido ao alinhamento partidário
com o governo, sem oposição significativa. E o gabinete de Nuno Crato assegura
que, na base daquela dita estratégia, estiveram, entre outros pontos, a
intenção de “reduzir os riscos de abandono e insucesso escolares, mais elevados
em escolas com menores recursos e alunos” – o que é uma desculpa de mau pagador,
pois, quanto maior é o número de discentes e maior for a massificação, menor será
o acompanhamento individual.
Seria razoável
que, apesar de todos os inconvenientes, tivesse mesmo sido assegurada, durante
o processo, a salvaguarda de “questões como a distância para a escola de
destino e tempo de percurso, as condições da escola de acolhimento, o transporte
e as refeições”, ou que, nos casos em que não foi possível garantir essas
condições ou no caso de no ano imediato a população escolar viesse a ser
reposta, as atuais escolas tivessem sido mantidas em funcionamento sob o regime
de autorização excecional.
E proclama-se
aos quatro ventos a igualdade de oportunidades e a garantia da equidade! Eu,
para garantia da igualdade de oportunidades, preferiria a equanimidade e o
tratamento diferenciado do que é diferente, pela discriminação positiva, contra
a ditadura do figurino único e qualquer tirania, maxime a dos números.
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