sábado, 7 de junho de 2014

Padre Lucas Ribeiro Pedrinho

Soube do falecimento deste sacerdote, que perfez a idade de 95 anos no passado dia 18 de maio, por informação amiga, quando os canais institucionais, que os há e são vários, não detêm notícia atempadamente fornecida. A circunstância ocasiona-me a reflexão sobre o valor da ação das pessoas consideradas em si mesmas, independentemente do seu enquadramento ou não em moldes institucionais; e sobretudo em torno da personalidade que o mundo dos vivos, sobretudo o dos conterrâneos e dos amigos (incluo-me nestes), deverá continuar a lembrar.
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É bem razoável a asserção de um dos professores da Universidade do Minho, que foi seu reitor, proferida no Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa no dia 6 de novembro de 2007, de que os líderes devem ouvir as estruturas institucionais e igualmente as pessoas não integradas nas instituições. Muitas vezes, os organismos, que nós acreditamos não falharem, dada a sua eficiência e eficácia, pecam por omissão ou por informação demasiado tardia. Se o trabalho institucional prima pela eficiência decorrente da malha organizativa e a informação oficial se reveste da credibilidade oferecida pelo peso institucional, o trabalho das pessoas não enquadradas institucionalmente e a sua oportuna informação informal ganham pela espontaneidade, pela rapidez, pelo à vontade, pela afeição. E é o radioamador, o videoamador ou, agora, o circunstante de telemóvel ou similar que, por exemplo, alertam para o acidente e provocam a presença de equipas de socorro, agentes da autoridade e profissionais de reportagem. E salvam-se informalmente vidas e põem-se a salvo haveres quiçá de valor incalculável. Quantas vezes a burocracia institucional não mata pela espera que provoca, porque as vagas, os recursos e as disponibilidades estão demasiado dependentes do papel ou da autorização superior! Cumprem-se ordens, há regras a cumprir… e as pessoas, Senhor?
No entanto, não podemos esquecer que as instituições só funcionam porque têm afetas ao serviço as pessoas. E estas, apesar de serem naturalmente limitadas, dispõem do capital mais precioso que se deve estimar e de que se pode dispor, mas que fica tantas vezes à mercê de múltiplos fatores, como: a racionalidade; as regras; a vontade da chefia e o acatamento da orientação de quem dirige; as condições da progressão na carreira ou da promoção; a avaliação do desempenho, pautada por critérios de aplicação nem sempre incontroversa; o desgaste provocado pelo exercício; o cumprimento escrupuloso dos códigos de normas, que têm muito pouco de diciologia e de deontologia; o não reconhecimento do mérito ou seu entendimento desviante; e a degradação da qualidade do serviço, resultante da acomodação ou do conformismo. Isto, para não falar da inobservância dos deveres cívico-profissionais e até das influências indevidas. Não falo de “corrupção”, que não existe em Portugal.
Mas são as pessoas quem serve e conduz as instituições. E contra a inércia, a degradação, o servilismo e o conformismo vêm os antídotos: formação contínua, prevenção, inspeção, justiça e disciplina, limitação de mandato das chefias, avaliação em parâmetros eficazes e aceitáveis e, sobretudo, o respeito de cada um por cada um.
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 Todavia, o parêntesis que me permiti alongar, talvez inoportunamente, não pode ofuscar a personalidade do padre que, tanto em tempo de dificuldade como em momento de celebração festiva de efeméride atinente à sua pessoa e/ou à sua atividade, tinha uma intempestiva palavra de ordem que proferia e interiorizava: vamos continuar!
Quem sabe do seu percurso de vida, refere que terminou a sua formação para o sacerdócio com a idade de 23 anos, o que postulou a necessidade de um pedido à Santa Sé para a possibilidade da ordenação sacerdotal naquele ano.
A ordenação sacerdotal ocorreu no dia 26 de julho de 1942, na igreja paroquial de Vila da Ponte, por Dom Agostinho de Jesus e Sousa, até há pouco tempo bispo de Lamego e, no momento, bispo do Porto e administrador apostólico de Lamego. De lápide exposta no referido templo constam, naquela data: a ordenação presbiteral dos padres Lucas Ribeiro, Silveira, José Cardoso e Anselmo Freitas; a ordenação do diácono Mendes de Castro; e a ordenação do subdiácono António Ribeiro.
Alguém terá estranhado o facto de aquela igreja paroquial ter constituído cenário de uma celebração de ordenação sacerdotal, diaconal e subdiaconal. Ora, são pelo menos dois os elementos que julgo justificarem a opção do prelado de então: por um lado, um estilo de abertura e economia hoje recorrente (Porque não levar à periferia diocesana um evento de elevado significado, ao mesmo tempo que se lhe faz a visita pastoral?), com gestos parecidos noutros lugares do território diocesano como, por exemplo, a igreja paroquial de Castro Daire; por outro lado, o facto da coincidência de três fatores – o secretário pessoal do prelado, o cónego Mário Augusto de Almeida, ser natural daquela localidade, um dos ordinandos, o padre José Cardoso de Almeida, ser irmão do secretário do prelado e o bispo, sempre bem recebido em Vila da Ponte, estar de partida para a diocese do Porto.
Voltando à figura do padre Lucas, não posso deixar de na sua personalidade sublinhar alguns atributos como: uma cultura notável, secundada por fortes dotes oratórios; um inigualável realismo da vida prática; uma excecional sagacidade nas matérias que abordava; uma extraordinária habilidade na condução dos assuntos das organizações que liderava, com simpatia, sentido do dever e capacidade de mobilização de colaboradores; e a diversidade de atividades em que se envolveu.
Se nem sempre concordei com tudo o que ele expunha, tenho de confessar que era uma pessoa afável, leal à amizade, ótimo colaborador e recetivo à colaboração de todos e às sugestões de quem quer que fosse. A sua folha de iniciativas de espiritualidade paroquial é diversa e notável, bem como a construção, restauro, beneficiação de imóveis de culto e equipamentos de apoio (Caria, Carregal e Lamosa). Que o digam as paróquias de Vale de Figueira, em São João da Pesqueira, de Caria, em Moimenta da Beira, e de Carregal e de Lamosa, em Sernancelhe. Não se podem esquecer obras de vulto como o alindamento da ermida-miradouro da Senhora da Guia, a edificação das igrejas de Granja do Paiva (Caria) e de Aldeia de Santo Estêvão (Carregal), a modernização da igreja nova de Lamosa e recuperação da antiga.
Ao Padre Lucas se deve a criação e direção do Centro Social Paroquial de Lamosa, do Centro Social Paroquial de Caria e das primeiras diligências para a criação do Centro Social de Carregal, hoje também com a valência de Lar da Terceira Idade. Não tendo sido o fundador da Misericórdia Moimenta da Beira, foi seu provedor durante muitos anos e pontificou na construção, direção e posterior ampliação do Lar da Terceira Idade de Moimenta da Beira.
Mas este padre não se confinou à atividade paroquial. Também foi professor. Não só deu aulas no ensino privado e no público como, não sendo já de idade moça, concluiu uma licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra como fez os dois anos de profissionalização em exercício na Escola Preparatória de Castro Daire, após o que se tornou professor efetivo da Escola Preparatória de Moimenta da Beira (disciplinas de Português, História de Portugal e Estudos Sociais), onde cumpriu um mandato como Presidente do conselho diretivo, durante o qual logrou a construção da nova EB 2/3.
Fazia as suas pontes com o poder político, ao qual nunca serviu, para conseguir os benefícios devidos às comunidades que servia liderando, e com alguns vultos, como Aquilino Ribeiro com o qual trabalhou na defesa local dos baldios e a quem, como outros sacerdotes, forneceu a colaboração linguística e etnológica que enforma muita da obra literária aquiliniana.  
Como se pode inferir do exposto, sendo um homem ao mesmo tempo de firmeza de convicções e aberto às opiniões de outrem, nunca se amoldou à comodidade do saber adquirido ou da experiência acumulada. Sempre quis ir mais além, levado por uma forte tenacidade nem sempre ostentada. Tinha naturalmente as suas estimações, que ia moderando, e as suas aversões, que ia ultrapassando.
A sua diversidade de ocupações, aliada a um cuidado com a saúde, desembocou num considerável tempo de jubilação sacerdotal, durante o qual, enquanto lhe foi possível, ainda prestou serviço no regime de capelania às irmãs dominicanas contemplativas, no Mosteiro de Nossa Senhora da Eucaristia, em Lamego.
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Finalmente, em remoque às considerações iniciais, quero afirmar que o Padre Lucas encarnou a dupla perspetiva que me apraz registar: a institucional e a informal. Este sacerdote sempre articulou a obediência com a liberdade de atuação, o respeito pelas diretrizes com o contexto e a ousadia da crítica quando necessária e pertinente. Sem se posicionar como um “quebrarregras”, não se escravizava a detalhes normativos inúteis; sem ser um franco-atirador no discurso e na ação, não renunciava facilmente aos seus pontos de vista, aos seus objetivos, às suas opções e às suas metodologias.
Sem ser um exemplo a seguir indefetivelmente, foi um cidadão lutador. E o crente não pode esquecer que se trata de um Alter Christus, em virtude da ordenação sacerdotal, que lhe deu o foro da profecia, da santificação e do encaminhamento.

À comemoração do 70.º aniversário do Dia D, o da reversão do sentido da sorte da II Guerra (de cuja memória e crise de vida a ela subsequente este padre foi testemunha dramática), fica, para os seus amigos, associado o passamento deste batalhador da causa de Cristo em Terras do Demo.

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