A asserção é atribuída ao filósofo
norte-americano Herbert Marcuse. E o bispo do Porto citou-a como uma das pistas
de reflexão no 13.º Dia Diocesano da Família celebrado a 15 deste mês de junho no Pavilhão das Travessas, na
laboriosa cidade de São João da Madeira.
O povo, na sua sabedoria
milenar, sabe dizer que “quem anda sempre alcança” e a parte literal do
ex-libris do beirão escritor Aquilino Ribeiro escreve-se com o estribilho “alcança
quem não cansa”.
Por seu lado, a literatura bíblica
encara a vida do homem sobre a Terra, e consequentemente a do cristão, como a
do caminhante ou peregrino, como se pode ver pelo seguinte excerto, transcrito
meramente a título de exemplo:
“Caríssimos, exorto-vos
como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais,
que lutam contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos
gentios, para que, ainda naquilo em que eles vos caluniam agora como se fôreis malfeitores,
observando melhor as vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da sua
visitação.” (1Pe 2,11-12).
No entanto, muitas vezes, esquecendo
que a nossa caminhada aqui é de 70 a 80 anos (cf Sl 90,10) e depois, retornaremos à nossa Pátria na eternidade (cf 1Ts 4.17), fazemos de conta que este é o
território de nossa definitiva morada e entretemo-nos, esquecidos do futuro, na
exploração do outro ou na supina sujeição ao espezinhamento e à escravidão da
matéria, quiçá na ditadura do efémero.
Ora, apesar de muitas vezes o caminho
ter mais pedras e lama que estrada, todavia, o caminho faz-se caminhando e
caminha-se mais à vontade se a caminhada for coesa e solidária. E esta coesão e
esta solidariedade de caminhada encontram-se na família, rampa de lançamento
para o contrato social (a que a política assente nas economias centradas na idolatria
do dinheiro inflige tantos rasgões) e na Igreja, perita em humanidade e
companheira assídua dos homens e dos povos. Não é raro, por outro lado, o facto
de as vicissitudes da vida levarem a família, ou um dos membros em sua
representação, à peregrinação na rota migratória à procura de melhores dias. E a
Senhora Peregrina – protótipo, membro e Mãe da Igreja desde os tempos da
Palestina do Messias peregrino com os primeiros discípulos e discípulas – acompanha
os dramas do homem peregrino nos diversos pontos do orbe em que ele sofra ou
tenha a veleidade de cair em tentação.
Ora, Dom António Francisco dos Santos
(o Chiquinho, como era
tratado afetuosa e familiarmente pelos seus condiscípulos na diocese de origem), mencionando a asserção de Marcuse,
referenciada em epígrafe “a esperança, só
a merecem os que caminham”, assegurou:
“O ser humano e as
famílias cristãs não podem viver sem esperança. Só quem conhece a meta caminha
com firmeza, apesar dos obstáculos. Talvez seja essa a mensagem mais importante
deste Dia Diocesano da Família.”.
O prelado diocesano alia a caminhada
à virtude e à postura de esperança, caraterizadora da ação do homem e, em
especial, do cristão, mormente se enquadrado pela família e pela Igreja. Mas a
esperança não é cega, passiva ou ensimesmada. Ela implica o conhecimento da meta;
e a meta é o céu de Deus, preparado para o homem, desde o princípio do mundo (cf Mt 26,34). Implica o conhecimento do caminho;
e o caminho é Cristo (cf
Jo 14,6). Implica o conhecimento
dos apontadores do caminho. E nos apontadores do caminho contam-se: a grande Tradição,
de que emergem as Sagradas Escrituras, que apresenta as Escrituras, as faz ler,
proclamar e ouvir, as interpreta e completa “aqui e agora” (2Tm 3,10-16); a Virgem Maria, que mostra Jesus
ao mundo (Salve-rainha: “depois deste desterro, nos mostrai
Jesus”) e o
encaminha para Ele (por Maria a Jesus); e a força anímica e operativa da
Igreja, a cargo do Espírito Santo, que inspira, guia, impele (cf Jo 16,12-14; 1Co 12,1-13).
Porém, esperança implica atividade em
que se articulam a oração e contemplação com a busca do futuro, a inspiração no
centro de irradiação com a caminhada pelo mundo, mesmo que seja de “vale de
lágrimas”. Rezar sem esperança será papaguear; esperar sem rezar será
vacuidade. Caminhar sem esperança será andar ao sabor do vento; esperar sem
caminhar ou sem trabalhar será tentar a Deus.
E a esperança estão serviço do outro:
explicar aos outros as razões da nossa esperança (cf 1Pe 3,15); ir por todo o mundo e fazer discípulos
(cf Mt 28,19-20; Mc 16,15); fazer com que ninguém sinta necessidade
de nada (At 4,34).
Entretanto, não podemos esquecer que
o bispo do Porto confia às famílias uma certeza:
Aqueles que acreditam no
Evangelho vencem obstáculos e derrubam barreiras, porque falam a linguagem que
todos os homens e mulheres compreendem, que é a linguagem do amor, da doação,
da proximidade, do perdão, da misericórdia e das bem-aventuranças, ditas e
vividas nos espaços e âmbitos das famílias do nosso tempo.
É a certeza de que o amor, gerado ao longo
da vida, tudo vence e aproxima as pessoas numa linguagem que todos podem
utilizar e entender. É linguagem-ação que tem a sua fonte em Deus Uno e Trino,
na unidade de um só Deus e na comunidade das três pessoas e cujo espelho é o
homem criado à Sua imagem e semelhança: lucidez de inteligência, firmeza de
vontade, concriação do mundo e do ser humano, domínio sobre a terra, capacidade
de construir comunidade e de lhe imprimir coesão e solidariedade.
“Tem todo o sentido –
proclama o antístite da diocese portuense –, a partir do amor do Pai e do
mandato de Cristo, Seu Filho, dado aos seus discípulos e fortalecido pelos dons
do Espírito Santo, sabermos que na Igreja de hoje se cumpre com alegria a
saudação de Paulo aos Coríntios, hoje proclamada: Sede
alegres, trabalhai pela vossa perfeição, animai-vos uns aos outros, tende os
mesmos sentimentos, vivei em paz. E o Deus do amor e da paz estará convosco. A
graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo
estejam convosco (2 Co 13,11-13).”.
Ora, se esta caminhada solidária em
famílias e em Igreja nos faz “entrar no mistério do amor de Deus, a dialogar
com Deus, como fez Moisés no Sinai e como fez Nicodemos com Jesus”, não
deixa de consistir no hoje de 2014 uma séria interpelação às famílias este
segmento homilético:
“É ainda ao
Coração de Deus que recorro, com particular afeto, ao lembrar as famílias que
vivem momentos difíceis, seja pelas ruturas do amor e da fidelidade, seja pelas
provações trazidas pela doença, pela falta de trabalho, pelas incertezas e
medos diante do futuro”.
Finalmente, este Dia Diocesano da Família
fica marcado pelo pregão episcopal, que vale a pena meditar, a partir do dia litúrgico
da solenidade da Santíssima Trindade:
“Não procuramos outra voz
para as famílias da nossa Diocese senão esta de dizermos a todas as pessoas,
homens e mulheres, jovens e crianças, idosos ou doentes, sem ninguém excluir
nem a ninguém esquecer que Deus, uno e trino, que neste dia da Santíssima
Trindade celebramos, os ama com amor fiel e santo”.
Que a Dom António nunca doa a voz na
explicitação profética da legibilidade da doutrina e na sua função de salmista da
misericórdia divina, mas também na de testemunha dos dramas da família hodierna
e desta sociedade tão martirizada pelos poderes, a quem há de ser restituída a
esperança.
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