terça-feira, 17 de junho de 2014

Sophia de Mello Breyner Andresen – In memoriam

Como se pode ler no JN on line, de 17 de junho, inserida no “Porto de Encontro”, ciclo de conversas com escritores que a Porto Editora vem promovendo, haverá no próximo dia 25 de junho pelas 21 horas e 30 minutos, na Casa da Música, na cidade do Porto, uma sessão de homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen. O evento enquadra-se nas comemorações do décimo aniversário da morte da autora e poeta (Sophia preferia a designação de poeta à de poetisa), que ocorrerá a 2 de julho – data em que serão festivamente trasladados os seus restos mortais para o Panteão Nacional.
O referido tributo materializa-se com uma conversa em que participarão Maria Andresen, Miguel Sousa Tavares, Teresa Andresen, Carlos Mendes de Sousa, Rui Moreira e Luís Miguel Cintra. Em articulação com o aludido colóquio, estão previstas atuações artísticas diversas, designadamente exibição do Balleteatro Escola Profissional, leitura de poemas por Luís Miguel Cintra, Luísa Cruz, Dora Rodrigues e João Paulo Sousa, e interpretação ao piano de alguns dos compositores favoritos de Sophia, no encerramento da sessão, por António Victorino de Almeida.
A edição deste notável evento do “Porto de Encontro” dedicada a Sophia marca o final da terceira temporada deste ciclo. Desde novembro de 2011 foram já destacadas obras de quase 30 autores, entre os quais Mário de Carvalho, Valter Hugo Mãe, Manuel António Pina, Gonçalo M. Tavares, Miguel Miranda e Dulce Maria.
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Sophia de Mello Breyner Andresen, a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da Língua Portuguesa, o Prémio Camões, em 1999, nasceu na cidade do Porto, a invicta, a 6 de novembro de 1919, e faleceu na cidade de Lisboa, a capital, a 2 de julho de 2004. Uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX e que transpôs a fronteira para o século XXI, a Sophia, de origem dinamarquesa pelo lado paterno, era filha de João Henrique Andresen e de Maria Amélia de Mello Breyner.
Jan Heinrich Andresen, seu bisavô, desembarcado num determinado dia no Porto, nunca mais abandonou a região e o filho João Henrique (avô da escritora) comprou, em 1895, a Quinta do Campo Alegre, transformada mais tarde no “Jardim Botânico do Porto”. Por seu turno, a mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, era filha do conde de Mafra, médico e amigo do rei Dom Carlos, e neta do conde Henrique de Burnay, um dos homens mais ricos da época.
Nada e criada na velha aristocracia, foi educada no quadro dos valores tradicionais da moral cristã e veio, por consequência, a ser dirigente de movimentos universitários católicos quando frequentava Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no lapso de tempo de 1936 a 1939, curso que não chegou a concluir. Foi colaboradora da revista Cadernos de Poesia, onde travou conhecimento e construiu amizade com autores influentes e reconhecidos, como: Ruy Cinatti e Jorge de Sena. Com o tempo tornou-se uma das figuras mais representativas do grupo sociopolítico de tendência política liberal, denunciando o regime salazarista e os seus sequazes, embora do lado do apoio ao movimento monárquico. Neste contexto de contestação ao regime monolítico e opressor do Estado Novo, a sua “Cantata da Paz” ganhou foros de cidadania e identificava, qual lema de atuação, o grupo dos catódicos progressistas. E muitos em muitos lugares entoaram e reentoaram o estribilho “Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos ignorar!”
Em 1946, casou com o jornalista, advogado e político Francisco Sousa Tavares, que chegou a ser Ministro da Qualidade de Vida, e foi mãe de cinco filhos: uma professora no âmbito das Letras, um jornalista e escritor em ascensão, um pintor e ceramista e uma terapeuta ocupacional (que ficou com o nome da mãe). Terão sido estes membros da sua considerável prole quem a levou a escrever contos para a infância e para a adolescência.
Marcou a sua vida a viva memória, sobretudo de índole visual, das casas e seus equipamentos, que guarda desde a infância e juventude e que tenta presentificar na vida e na obra.
Para lá da literatura infanto-juvenil, a que já se fez referência, Sophia Andresen, que foi deputada à Assembleia Constituinte, distingue-se pela poesia, a que ela atribui o múnus de valor transformador fundamental e a que se habituou logo em criança quando a sua ama Laura lhe ensinou “A Nau Catrineta”. A sua produção corresponde a ciclos específicos, com a culminação da atividade da escrita durante a noite, porque, segundo confessa, precisa “daquela concentração especial que se vai criando pela noite fora.” (cf Entrevista a Eduardo do Prado Coelho, in ICALP REVISTA, n.º 6, 1986, 60-62). Sublinha a vivência noturna em vários poemas como: “Noite”, “O luar”, “O jardim e a noite”, “Noite de Abril”, “Ó noite”… Para ela, a poesia acontece, não se encomenda. Chega a afirmar que pensava que “os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos imanentes (…). É difícil descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma parte que se passa na zona onde eu não vejo.” (Sophia de Mello Breyner, in rev. Crítica, 1972).
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Elencam-se, a seguir, alguns dos tópicos mais relevantes da sua produção literária, que não esgotam, de modo algum, o que poderia dizer-se da poetisa escritora.
Constituem-se como espaço virtual de referência para a autora a infância e a juventude em belos poemas, como: “O jardim e a casa” e “Casa Branca”, em Poesia, 1944; e “Casa”, em Geografia, 1967.
Também a sua obra literária fica profundamente marcada pelo assíduo contacto com a natureza. É a natureza o cenário de liberdade, beleza, perfeição e mistério, largamente referenciado na sua obra, quer pelas alusões à terra (árvores, pássaros, luar…), quer pelas referências ao mar (praia, conchas, ondas…). Não há de ser estranho o facto da sua comunhão com o mar e os pinheiros de então na praia da Granja, onde o pai alocou uma casa de férias e veraneio. Assim, no quadro da natureza, o mar é assumido como um dos conceitos-chave na criação literária de Sophia: “Desde a orla do mar/ Onde tudo começou intacto no primeiro dia de mim” (SMB Andersen, in “Dual”). A força inspiradora do mar – com a sua beleza, a sua serenidade, os seus mitos e, ainda, como símbolo da dinâmica da vida – emerge nitidamente em poemas, como: “Homens à beira-mar” ou “Mulheres à beira-mar”; “Mar” em Poesia, 1944; “Inicial” em Dual, 1972; “Praia” em No Tempo dividido; e “Açores” em O Nome das Coisas, 1977.
Um outro elemento estruturante da literatura andresiana é a cidade, que se espraia à vontade em peças literárias, como: “Há Cidades Acesas”, em Poesia, 1944; “Cidade” em Livro Sexto, 1962; e “Fúrias”, em Ilhas, 1989. A cidade, de que a poetisa tem funda  alargada experiência, apresenta-se aqui como um espaço negativo, conotado com o mundo frio, artificial, hostil e desumanizado, ao invés do espaço idílico, edénico e seguro da natureza.
Não pode, no entanto, ser olvidada a componente clássica da obra de Sophia. Uma notável admiradora do classicismo no século XX não poderia furtar-se à sua influência e deixar de lhe prestar o tributo devido. Assim, nos seus poemas, aparecem recorrentemente palavras grafadas à antiga, como Eurydice, Delphos, Amphora (a modo de quem não se submete à ortografia de 1911 nem à de 1945); e são temas abordados a arte e tradição próprias da civilização grega. Vejam-se, a este respeito, espécimes, como: “Soneto de Eurydice”, em No Tempo Dividido, 1954; “Ressurgiremos”, em Livro Sexto, 1962; “Crepúsculo dos Deuses”, em Geografia, 1967; “Os Gregos”, em Dual, 1972; e “O Rei de Ítaca” e “Exílio”, em O Nome das Coisas, 1977.
Porém, o tópico eminentemente distintivo da produção de Sophia é o tempo: o dividido e o absoluto, em flagrante contraste e até oposição. O primeiro é tempo da solidão, medo e mentira, ao passo que o tempo absoluto é eterno – unindo a vida, é o tempo dos valores éticos e morais. Vejam-se, a título de exemplo, os poemas: “O Tempo Dividido”, em No Tempo Dividido, 1954; e “Este é o Tempo”, em Mar Novo, 1958. De acordo com Eduardo Prado Coelho (cf “Sophia, a Lírica e a Lógica” in Colóquio, n.º 57, 1981), “o tempo dividido é o tempo do exílio da casa, associado com a cidade, porque a cidade é também feita pelo torcer de tempo, pela degradação”.
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De modo geral, o universo temático da escritora, que é muito vasto, pode ser condensado nos seguintes itens: a tomada de consciência do tempo em que vivemos; a busca da justiça, do equilíbrio, da harmonia e a exigência do moral; a memória da infância e da juventude; um idealismo e individualismo de nível psicológico; o tema da casa; o amor; a natureza e, em especial o mar, como espaço referencial e eufórico para qualquer ser humano; a vida, em oposição à morte; os valores da antiguidade clássica, designadamente o naturalismo helénico (o culto da natureza, o nu humano…), que devem inspirar as atitudes do presente e do futuro; o humanismo cristão, com muito do seu altruísmo e filantropia; a separação; a crença em valores messiânicos, incluindo o sebastianismo à maneira de Vieira e de Pessoa; e, sobretudo o poeta como pastor do absoluto e a poesia como fator e fautor de transformação da sociedade.
A temática elencada é bem servida por um estilo e uma linguagem em que se distinguem como principais marcas: o valor sacral da palavra, a expressão precisa e vigorosa, o apelo constante ao visualismo clarificador, a riqueza dos símbolos, a audácia das alegorias,  o calor das sinestesias e o ritmo evocador de uma dimensão celebrativa e ritual. É clara a relação profunda da palavra com a ideia e com o sentimento, bem como com a realidade das coisas, mesmo quando lhe atribui caráter simbólico. É nítida a sintonia luminosa entre o mundo interior do intelecto e o mundo exterior da realidade e da palavra proferida ou confiada ao papel, qual secretário de confidências ou porta-voz de mensagens a propalar Urbi et Orbi, em devido tempo.

Como coroa dos prémios e condecorações com que foi galardoada em vida, agora, a 2 de julho próximo, o seu corpo, que jaz no Cemitério de Carnide, irá para o Panteão Nacional, por decisão unânime da Assembleia da República de homenagear a poetisa com honras de Panteão. 

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