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A divergência entre a lei e a prática –
Trata-se
de “valores sociais eminentes”, consagrados como direitos fundamentais pela Constituição
da República Portuguesa (CRP), no seu art.º 68.º, que estabelece que “os pais e
as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível
ação em relação aos filhos” (vd n.º 1). Importa, além disso, asserir que estes
valores assumidos constitucionalmente na parte I do texto constitucional, no
âmbito dos direitos e deveres fundamentais, particularmente no Título III, que
explicita o quadro dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, e particularmente
no seu capítulo II, que explana os direitos e deveres sociais.
A
CRP não se cinge, nesta matéria, ao reconhecimento do direito dos pais ao
auxílio da sociedade e do Estado, mas, ao assumir a maternidade e a paternidade
como “valores sociais eminentes” (vd n.º 2), reconhece-as como garantias
institucionais, o que implica a sua proteção enquanto valores constitucionais
sociais objetivos. Por outro lado, o preceito constitucional releva a igualdade
do pai e da mãe no atinente tanto à função fundacional que estabelece o “quefazer
da filiação” (maternidade e paternidade) como às tarefas relacionadas com o
cuidado para com os filhos, independentemente da natureza do vínculo conjugal (ou
da sua não existência) entre a mãe e o pai (vd art.º 36.º /3.4.5). Tal estatuto
de igualdade tem de ser entendido como resultado da aplicação em espécie, ou corolário,
do princípio da igualdade entre homem e mulher (vd art.º 13.º/2) e, em especial,
dos cônjuges (vd art.º 36.º/3) e/ou dos progenitores (vd art.º 36.º/4.5).
Ao
direito dos pais à proteção da sociedade e do Estado corresponde o
dever/obrigação do Estado na ajuda aos pais na sua realização pessoal e no desempenho
do seu insubstituível mister (vd art.º 67.º/1.2), bem como o de “promover,
através da concertação das várias políticas setoriais, a conciliação da
atividade profissional com a vida familiar” (vd art.º 67.º/2 h). Porém, também os pais ficam com o
ónus de não prescindir da referida proteção do Estado, antes pelo contrário, de
a suscitar e reivindicar ativamente e com razoabilidade. Por outro lado, cabe
às estruturas sociais a obrigação de cooperar com o Estado e com as famílias no
apoio ao seu dever irrenunciável de sustentação e educação dos filhos, através
da criação e disponibilização de creches e de outros equipamentos sociais (vd
art.º 67.º/2), bem como da flexibilização das relações de trabalho (vd art.º
59.º/1b) e ainda da efetivação do direito
à educação e ensino (vd art.º 73.º/2 e art.os 74.º e 75.º) e dos
direitos à saúde (vd art.º 65.º) e à segurança social (vd art.º 63.º).
O
direito e dever da maternidade e da paternidade, protegidos constitucionalmente,
abrangem os deveres atinentes à educação e à manutenção dos filhos (vd art.º
68.º/1 e art.º 36.º/3 e 5).
Entretanto,
em articulação com a igualdade de direitos e deveres dos dois progenitores em
relação aos filhos, a CRP enuncia um direito especial relativo à mulher, que
não é incompatível com o princípio da igualdade, mas decorrente da
especificidade da condição da mulher: “as
mulheres têm direito a especial proteção durante a gravidez e após o parto,
tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período
adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias” (vd art.º
68.º/3).
A
norma ora transcrita representa uma concretização da obrigação constitucional
estabelecida no art.º 59.º/2c no âmbito da especial
proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto. Surgindo
quer no âmbito das funções da maternidade (direito específico da mãe) e da paternidade
(art.º 68.º), quer no dos direitos laborais (em especial da trabalhadora, art.º
59.º), a norma integra o regime dos direitos liberdades e garantias enunciados
no Título II da CRP e aos direitos fundamentais de natureza análoga (vd art.º
17.º).
Na
sequência do estipulado constitucionalmente – “a lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de
trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as
necessidades do agregado familiar” (vd art.º 68.º/4) – o legislador
ordinário não descura a sua obrigação legislativa, talvez nem sempre “de acordo com os autênticos interesses da
criança e as reais necessidades do agregado familiar”.
***
Além
de tudo o mais, o legislador ordinário encara, como consequência da opção do
legislador constitucional e em síntese, a determinação de que as mulheres trabalhadoras têm direito a um período de
dispensa de trabalho, antes e depois do parto, sem perda da retribuição e de
quaisquer regalias. Este direito é apresentado
pela nossa lei em duas dimensões: a dimensão de jus laborale, ou seja, a justificação
para faltar ao trabalho durante esse período de tempo; e a dimensão de
segurança social, ou seja, o direito a um rendimento substitutivo, na figura de
subsídio(s). E agrupa habitualmente a maternidade e a paternidade em torno do
conceito de parentalidade. Sendo assim, há o exercício do direito e cumprimento
do dever por parte do pai e da mãe em razão da igualdade fundamental e da
especificidade de papéis. No entanto, a lei estabelece a repartição do
exercício deste direito e cumprimento do dever, por virtude das conveniências profissionais,
da saúde da mãe e/ou do acordo da parte dos progenitores.
A proteção na parentalidade aplicável aos trabalhadores que
exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de
trabalho em funções públicas, vem estatuída na legislação laboral,
concretamente nos art.os 33.º a 65.º do Código do Trabalho – revisto
pela Lei n.º 7/2009,
de 12 de fevereiro – que substituem as disposições correspondentes do Regime do
Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), por força do disposto no
art.º 22.º da Lei n.º 59/2008,
de 11 de setembro, que o aprovou. A proteção social/segurança social na modalidade
de maternidade, paternidade e adoção – parentalidade – é definida pelo DL n.º 89/2009,
de 9 de abril, para os trabalhadores beneficiários do regime de proteção social
convergente (RPSC), e pelo DL n.º 91/2009,
de 9 de abril, para os trabalhadores beneficiários do regime geral de segurança
social (RGSS).
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Já
se dizia, meio em surdina, que muitos dos empregadores ou quem as suas vezes
faz, ao arrepio da CRP e da lei laboral, impediam ou dificultavam a admissão ao
trabalho de raparigas ou mulheres que não deem garantias de não opção pela
maternidade. Também se falava em atropelos ao estipulado constitucionalmente e
legalmente sobre proteção social da maternidade e da paternidade, com o
silêncio ou a insuficiente tomada de posição reivindicativa da parte dos
interessados, com receio de represálias consubstanciadas na perda do emprego ou
sua precarização, na não renovação de contrato ou na criação de desconforto
no posto de trabalho, com a inibição ou dificultação da progressão e promoção.
O
líder do grupo do trabalho encarregado do estudo de lançamento de programas de incentivo
à maternidade resolveu dar voz a manifestações em concreto do sobredito
atropelo aos direitos fundamentais das trabalhadoras, denunciando situações em
que o potencial empregador exige da parte da candidata ao emprego a declaração
compromissiva de não engravidar no lapso de tempo estipulado pelo empregador.
Em
resposta a tal denúncia, segundo o que se lê no Público, de 20 de junho, o ministro do Trabalho, Pedro Mota Soares,
declarou “intolerável” e “ilegal” que empresas queiram obrigar trabalhadoras a
não engravidar e disse que deu ordem aos serviços inspetivos para atuar com
vista à penalização das empresas prevaricadoras essas empresas, a começar pela
entrada em contacto com a aludida personalidade, que está na posse das
informações pertinentes.
“A
situação que foi relatada é uma situação gravíssima, é uma situação ilegal, é
uma situação que mais do que ser ilegal é intolerável e o Governo não pode
pactuar com empresas que querem obrigar trabalhadoras portuguesas a não
engravidar durante um período de tempo” – afirmou Mota Soares no Parlamento durante
uma interpelação ao Governo do BE sobre precariedade do emprego.
O
ministro respondia assim à coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) Catarina Martins,
que se referira a esta situação na intervenção de abertura do debate, referindo
que na quarta-feira, dia 18, “o país acordou chocado com as declarações de um
responsável, nomeado pelo Governo, a garantir que há empresas que proíbem as suas
funcionárias de engravidar”.
Mas
a coordenadora do BE entende, com a força assertiva que se lhe reconhece, que
“não basta ao Governo apelar à denúncia por parte das vítimas, mais a mais
quando são as suas políticas que destruíram os direitos mais básicos e abrem a
porta à lei da selva”. É necessária a melhoria legislativa e a promoção da eficiência
e eficácia da fiscalização e da justiça.
E,
no desfile da crítica, a oposição escalpelizou a precariedade, que julga ser fruto
natural das opções do Governo, com a deputada socialista Inês de Medeiros a
afirmar que “não há um único estudo que demonstre que diminuir direitos aumenta
as potencialidades da economia” e com a correligionária Sónia Fertuzinhos a
abonar a crítica com o caso concreto de uma desempregada de longa duração,
convertida em desempregada de curta duração através da frequência de formações
breves do instituto de emprego e formação profissional (IEFP).
Por
seu turno, Jorge Machado, deputado do PCP, acusou o executivo de promover “direta
e indiretamente a precariedade no setor público e privado, num processo de
substituição de trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos”. E a
camarada de bancada Paula Santos acusou o Governo do recurso a “contratos de emprego
e inserção para suprir necessidades permanentes”, gerando a precariedade “na
saúde, na educação, nas autarquias”.
Também
Mariana Mortágua, deputada do BE, fez desfilar “relatos verídicos” de
precários, em call centers, restaurantes, empresas de turismo e outros
setores, “que fazem contratos ao dia, à semana, ao mês, para preencher vagas que
são permanentes”, pedindo uma resposta para as 435 mil pessoas abaixo dos 34
anos que não trabalham nem estudam (“a geração nem-nem”, como refere o Papa
Francisco), gente sem perspetivas de futuro, sem emprego nem subsídio de
desemprego porque nunca teve emprego. E José Luís Ferreira, de Os Verdes, responsabilizou o executivo
pela “generalização da precariedade”, que “duplicou em 2013” na administração pública,
passando “de 11 mil para 27 mil” trabalhadores naquelas condições.
A
deputada do PSD Andreia Neto contenta-se com descida da taxa de desemprego “há
mais de um ano e meio”. E o ministro informou que a frequência de ações de formação
“não afeta a contagem do tempo de desemprego”.
Enfim,
boa CRP, legislação não boa, mas tolerável (com a recente recusa da maioria parlamentar
de projetos de melhoria): mas prática distante da Lei e da Grei. Até
quando? Porquê?
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