Passa, neste ano de 2014, o 70.º aniversário
do designado por Dia D, que mais não é que o dos momentos do desembarque da
Normandia no quadro da invasão e subsequente batalha nesta região francesa. Tratou-se
de uma ação das tropas aliadas conhecida por Operação Overlod e Operação
Neptuno, no penúltimo ano da Segunda Guerra Mundial, que visava libertar a
França do domínio Nazi, que nela se exercia desde o ano de 1940. Esta megaoperação
foi secundada pelas operações de engodo – sob os nomes de código: Operação Glimmer e Operação Tributável – para distrair as forças alemãs e as levar a
deslocar-se para alhures.
A ação de desembarque teve o seu
início na noite de 5 para 6 de junho: no Canal da Mancha movimentava-se uma
vasta armada, constituída por 2727 navios mercantes, que levavam a reboque 2500
lanchas de desembarque, e 700 navios de guerra. Esta megaoperação decorreu em duas
fases. A primeira, com a duração de 20 minutos, aconteceu quando faltavam cinco
minutos para a meia-noite, com o começo da travessia por várias centenas de
soldados de infantaria britânicos em planadores e consequente captura de duas
pontes no flanco leste da zona de desembarque. A segunda começou ao alvorecer
do dia 6 de junho, com a descida de 18000 paraquedistas britânicos e americanos.
E às 6 horas e 30 minutos, desembarcavam a primeiras tropas – tropas americanas
com tanques anfíbios, que desembarcaram debaixo de fogo. Menos de uma hora
depois, desembarcaram tropas britânicas e canadianas. Apesar de Hitler haver
ordenado a Rommel que empurrasse os neoinvasores “para dentro do mar” até à meia-noite,
a essa hora já estariam em terra 155000 soldados aliados, a que se vieram
juntar muitos elementos das forças militares da Resistência Francesa, que
vinham sabotando pontes e linhas férreas.
As tropas desembarcadas distribuíram-se
ao longo de um trecho de 80 quilómetros na costa normanda e organizaram-se em
cinco setores: Utah, Omaha, Golg, Juno e Sword. Considerada a maior batalha anfíbia de todos os tempos, envolveu o desembarque de cerca
de duas centenas de milhares de militares aliados e a cooperação das respetivas
marinhas mercante e de guerra. O transporte de militares e material foi
efetuado a partir do Reino Unido por
inúmeros aviões e navios, e foram colocados ao serviço da estratégia definida
desembarques de assalto, suporte aéreo, interdição naval do Canal Inglês e fogo
naval e de apoio – uma retaguarda de milhares e milhares de homens e uma enorme
multiplicidade de meios.
Entre os mais de 150 mil soldados que
chegaram por mar ou por ar às costas francesas a 6 de junho de 1944 (e cujo
número foi aumentando em conformidade com a evolução da guerra), encontrava-se
o paraquedista Ernest Stringer, ferido no joelho por tiros de metralhadora
antes de chegar à Pegasus Bridge.
A batalha foi longa (O
objetivo de libertação da França só foi conseguido em 25 de agosto!) e capitalizou,
para os dois lados em beligerância, largos milhares de vítimas, a maior parte
delas mortais, mas foi um dos fatores determinantes da inversão da sorte da
Guerra, que até ali parecia estar a favor das forças do Eixo.
(cf Gilbert, M. História do Século XX –Ed D. Quixote, 2009;
Carrel, P. Invasão 44- Editora Flamboyant, 1965)
***
Sete décadas depois, organizaram-se
em França cerimónias de homenagem às vítimas dos bombardeamentos, atos de
recolhimento nos cemitérios de todas as nações que perderam homens em solo
francês e discurso de alguns dos líderes mundiais. As cerimónias dos 70 anos do
desembarque na Normandia ficaram marcadas pela emoção em torno dos sobreviventes
do Dia D, ali presentes.
À meia-noite de 5 para 6 de junho de
2014, os céus da Normandia foram iluminados por fogos-de-artifício, tal como os
bombardeamentos aliados os iluminaram na noite de 5 para 6 de junho de 1944, iniciando
a libertação da Europa do domínio nazi e, mais tarde, o fim da II Guerra
Mundial. E os heróis do Dia D voltaram neste
dia à Normandia de uniforme e medalhas ao peito, para as comemorações dos 70
anos do desembarque aliado na costa francesa.
O Presidente francês, François
Hollande, recebeu um a um os representantes dos 19 países convidados para a
cerimónia internacional organizada na praia de Ouistreham, a mais oriental de
todas aquelas em que se deram as ações de desembarque.
Antes de um espetáculo de 45 minutos
a evocar os acontecimentos do Dia D, Hollande homenageou as “testemunhas vivas
do que aconteceu aqui em 1944” e evocou “todas as vítimas do nazismo”,
inclusive “as vítimas alemãs”. “Obrigado, por terdes estado aqui no verão de
1944!”, disse Hollande aos milhares de antigos combatentes do Dia D presentes,
alguns dos quais tinham sido cumprimentados por Barack Obama e pela Rainha
Isabel II.
Estes dois Chefes de Estado tinham
almoçado no castelo de Bénouville, símbolo da Resistência francesa contra os
nazis, na companhia de outros seus homólogos – refeição que deu azo a vários
encontros diplomáticos e ao esperado aperto de mão entre os presidentes russo, Vladimir
Putin, e ucraniano, Petro Porochenko.
***
Coube
efetivamente ao anfitrião a formulação das palavras de homenagem aos heróis e
às vítimas dos dois lados (na Guerra todos perdem indubitavelmente), ditadas
pelo sentido de justiça para com aqueles que derramaram o sangue por aquilo que
entendiam ser causa justa, quiçá patriótica, mas também para avivar a memória
dos circunstantes e do mundo inteiro. A História não pode ser apagada e os
factos devem levar os homens à reflexão, ao menos para que tenham o juízo
discernente que outrora não houve e enveredem por caminhos de coexistência e
convivência como semelhantes e não como inimigos.
Entretanto,
é de refletir nas palavras que a Comunicação Social respigou dos considerados (talvez
mal) líderes do Mundo e da Europa, respetivamente Obama e Merkel.
Barack
Obama, declarou que as praias da Normandia foram, em 1944, “a ponte para a
democracia” e que a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial “proporcionou
a segurança e o bem-estar” para o futuro.
A serem
verdadeiras as suas palavras, ninguém poderia dizer que os países da Europa de Leste
não viveram em democracia até 1991. Então, há que perguntar para que efeito se
construiu o muro de Berlim, porque se limitavam as informações sobre o regime
soviético ou como se justificam os tanques soviéticos na Hungria e na
Checoslováquia? Depois, será de perguntar ao líder do mundo que raio de
segurança é a americana, que tudo perscruta e induziu as ditaduras sul-americanas.
Que segurança, que democracia? Como é que a dita ponte para a democracia não
encontrou argumentos contra a perpetuação das ditaduras ibéricas? Mais:
desgraçado de um mundo ou de um país, se para instaurar um regime democrático
precisa de destruir milhares e milhares de vítimas!
Por seu turno,
a chanceler alemã, Angela Merkel, ao evocar a questão da Ucrânia, escreveu no
diário regional francês Ouest-France:
“As passadas semanas
mostram-nos que os antigos e perigosos esquemas de pensamento não estão banidos
dos livros de história. A paz e a liberdade podem ser postas em causa
rapidamente, como demonstra o conflito na Ucrânia. É grande a preocupação de se
ver novos fossos e linhas de partilha.”.
E adianta:
“Faço votos (...) de que
asseguremos as nossas convicções e os nossos valores comuns. Pois estas
convicções e estes valores unem-nos na Europa, são inconciliáveis com a guerra,
a violência e os preconceitos. Possa o 6 de junho incentivar-nos a manter o
nosso compromisso lado a lado pelo sucesso da Europa, uma Europa em que reina a
primazia do direito e não a lei do mais forte.”.
É óbvio que a chanceler tem razão no
seu reto discurso: a União Europeia, que visa a paz, assente no desenvolvimento
e na solidariedade, com o rumo que está a percorrer, assombrada do perigo da
eurodúvida ou da tentação antieuropeia (com movimentos crescentes de xenofobia e
contra a circulação de pessoas, bens e trabalho), não constitui vacina válida
contra conflitos e mesmo contra o espectro da guerra.
Porém, onde estava a Europa quando se
cavaram novos fossos e se desenharam novas linhas de partilha? Em vez do apoio
ao derrube de instituições democráticas, a Europa deveria ter oferecido a diplomacia,
não? Em vez das sanções, não haveria que reforçar as negociações?
Por outro lado, os votos de Merkel por
uma Europa em que reine “a primazia do direito e não a lei do mais forte”,
tiremo-nos de distrações, cheiram a ironia, passados que estão três anos de
exploração dos países do Sul em termos de austeridade sobre austeridade, a pagar
o “erro” de terem seguido as linhas de orientação das entidades que deveriam
estar a zelar o progresso da Europa, representadas por Merkel e Sarkozy.
Precisamos urgentemente da conversão
de Merkel e de seus seguidores portugueses!
***
Também, segundo a agência Ecclesia, o Papa Francisco assinalou,
com uma mensagem, o 70.º aniversário do desembarque na Normandia, evocando
todos os soldados que morreram em combate. Trata-se de um texto enviado através
do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, ao arcebispo de
Paris, cardeal Andrè Vingt-Trois, a D. Jean Claude Boulanger, bispo de
Bayeus-Lisieux e a todas as pessoas que se reúnem para as comemorações deste
evento que ocasionou a reviravolta no rumo da II Guerra Mundial.
O texto refere expressamente que “o
Papa Francisco presta homenagem aos soldados que partiram das suas próprias
terras para desembarcarem nas praias da Normandia, com o objetivo de lutar
contra a barbárie nazi, libertando assim a França ocupada”. E não deixa de evocar
os soldados alemães “envolvidos neste drama”, bem como “todas as vítimas desta
guerra”.
Mas importa que se tirem
consequências da memória da Guerra:
“É oportuno
que as gerações do presente expressem o seu pleno reconhecimento a todos os que
fizeram um sacrifício tão forte. É por meio da transmissão da memória e
mediante a educação das novas gerações no respeito de todos os homens criados à
imagem e semelhança de Deus, que é possível levar em consideração, na
esperança, um futuro melhor”.
O Papa deixa dois importantes recados:
“a exclusão de Deus da vida das pessoas e da sociedade provoca mortes e
sofrimentos”; e “as nações europeias podem encontrar no Evangelho de Cristo,
Príncipe da Paz, a raiz da sua história e a fonte de inspiração para
estabelecer relações cada vez mais fraternas e solidárias”.
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