segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Supremo Tribunal de Israel revoga lei que lhe diminuía a supervisão

Compete ao Supremo Tribunal (ST) de Israel supervisionar decisões do governo, mas tal competência foi-lhe retirada por lei aprovada, em julho, pelo Knesset (Parlamento), limitando a competência de supervisão judicial sobre o governo de coligação (direita e extrema-direita).
Porém, a 1 de janeiro de 2024, o ST anulou legislação aprovada no Knesset, que limitava a supervisão judicial do governo. Está em causa a lei da razoabilidade, anulada pelo Knesset e agora recuperada pelo ST, que possibilita que este bloqueie as decisões do governo que considere irracionais ou implausíveis.
Contestado por muitos, nas ruas de Israel, porque não fez do regresso dos reféns levados pelo Hamas uma prioridade, e, por outros, pelo objetivo de eliminação o Hamas e, consequentemente os Palestinianos, contra tudo e contra todos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu averbou, desta vez, uma pesada derrota política.
A deliberação em causa do ST foi adotada por oito votos, que votam a favor da revogação da lei, enquanto sete votaram pela sua manutenção. A divisão dos 15 juízes que compõem este órgão judicial revela o caráter polémico tanto da lei, como da decisão do Supremo.
Reagindo, o ministro da Justiça, Yariv Levin, o arquiteto da reforma judicial, acusou os juízes de “tomar nas suas mãos todas as autoridades que, numa democracia, estão divididas entre os três ramos do governo”. Acrescentou que a decisão “não nos deterá” e que o governo “continuará a agir com moderação e responsabilidade”, durante a guerra.
A ampla e controversa reforma judicial que quer empreender o governo de Netanyahu, o mais extremista da História de Israel, desencadeou manifestações de protesto de centenas de milhares de pessoas, no ano de 2023, como se verá a seguir.
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Efetivamente, o Knesset aprovou, a 24 de julho, uma parte essencial da reforma judicial proposta pelo governo de Benjamin Netanyahu, apesar dos protestos de vários quadrantes políticos e sociais. A votação ocorreu após uma sessão turbulenta, em que os deputados da oposição gritaram “Vergonha!”, antes de abandonarem a sala, com a proposta do governo a ser aprovada com 64 votos a favor e nenhum contra.
A reforma determinava mudanças radicais que aumentam os poderes do governo na área judicial, limitando a capacidade de o ST contestar decisões parlamentares e alterando a forma como os juízes são selecionados. Netanyahu e os parceiros de governo sustentavam que as mudanças são necessárias e sempre deram sinais de que não alterariam a sua postura, apesar dos protestos.
Os manifestantes – que representam vários setores da sociedade – olham para a reforma como uma tomada de poder alimentada por ambições pessoais de Netanyahu, que está a ser julgado num processo judicial por corrupção.
O ministro da Justiça Yariv Levin disse que o Knesset deu “o primeiro passo num importante processo histórico” de revisão do sistema judicial.
Depois, surgiram mais protestos nas ruas, com o Movimento para um Governo de Qualidade – influente grupo da sociedade civil – a anunciar que iria contestar a reforma junto do ST. “Ninguém pode prever a extensão dos danos e convulsões sociais que se seguirão à aprovação da legislação”, disse o grupo, em comunicado.
No dia 23 de julho, o presidente israelita, Isaac Herzog, apresentou uma proposta para tentar um acordo sobre a reforma judicial, que previa um adiamento de 15 meses, uma iniciativa à qual aderiu o líder da oposição, Yair Lapid.
A proposta de Herzog propunha a paralisação do processo de aprovação da reforma judicial, durante um período de 15 meses, segundo explicou Lapid e noticiou o jornal “The Jerusalem Post”. Contudo, o Knesset decidiu ignorar esta tentativa de mediação no conflito, avançando com a aprovação de um diploma que continuou a suscitar protestos populares e em vários setores judiciais, militares e civis.
Aumentando mais a pressão sobre Netanyahu, milhares de reservistas militares declararam a recusa em servir sob um governo que toma medidas que põem o país no caminho da ditadura.
Em termos políticos, antes da votação, Yair Lapid declarou a sua contestação em termos claros. “Estamos a caminhar para o desastre”, referiu.
A votação aconteceu poucas horas depois de Netanyahu ter recebido alta do hospital, onde tinha uma operação cardíaca marcada, numa hospitalização, para colocar pacemaker, o que acrescentou mais dramatismo à sessão parlamentar. Porém, enquanto os deputados discutiam no Knesset, dezenas de milhares de pessoas concentravam-se em comícios a favor e contra o plano.
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Na sequência do que foi referido, é de especificar que, a 22 de julho, o grupo de oposição israelita Irmãos de Armas anunciou que mais 10 mil reservistas deixariam de prestar serviço voluntário em protesto contra a reforma judicial promovida pelo primeiro-ministro.
Segundo o jornal “The Times of Israel”, o anúncio foi feito pelo grupo da oposição Irmãos de Armas em conferência de imprensa realizada nos arredores de Telavive.
A maioria dos israelitas que completam o serviço militar nacional obrigatório é obrigada a participar do serviço de reserva, mas é comum que aqueles que serviram em unidades especiais, incluindo pilotos, se ofereçam para continuar, desempenhando as mesmas funções que tinham quando estavam na reserva. Os 10 mil militares juntaram-se aos 1.100 reservistas da Força Aérea de Israel, entre os quais 400 pilotos, que anunciaram, por carta, a suspensão do serviço voluntário.
Os militares protestavam contra a intenção do governo de avançar, unilateralmente, com a reforma do sistema judiciário, que reforça os poderes do sistema político, a nível do executivo.
Ao mesmo tempo, mais de 200 mil pessoas manifestaram-se nas principais cidades israelitas, para exigir que o primeiro-ministro suspendesse a tramitação da polémica reforma judicial.
Cerca de 85 mil pessoas reuniram-se em frente ao Knesset, após uma marcha de quatro dias de Telavive, de acordo com dados publicados pelo “The Times of Israel” e preparados pela Crowd Solutions.
O primeiro-ministro reuniu-se com os deputados da coligação e reiterou a posição anterior: se não fosse alcançado acordo consensual com a oposição, no dia 24, iria ser aprovada a primeira lei de reforma judicial conforme o previsto, o que limita a capacidade dos tribunais para restringir, questionar e impugnar as iniciativas e decisões do poder executivo, segundo o Canal 12.
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A 19 de julho, centenas de israelitas participaram numa marcha, iniciada, na véspera, na estrada entre Telavive e Jerusalém, sede Knesset, onde tencionavam estar, no dia 22, protestar contra a reforma do sistema judicial proposta pelo governo. “Perante o avanço da reforma, é altura de dar um golpe decisivo. Vai demorar vários dias. Precisamos de vocês, juntem-se a nós”, dizia Shikma Bressler, organizadora do movimento de protesto, num vídeo divulgado publicamente.
A marcha de 70 quilómetros começou no dia 18, à noite, após mais um dia de manifestações que juntou milhares de israelitas para protestar contra o projeto de reforma apresentado pelo governo de direita e extrema-direita, que consideram uma ameaça à democracia. “Vamos montar tendas à volta do Knesset”, dizia à AFP o deputado Moshe Radman, 38 anos, trabalhador na área da alta tecnologia, um dos manifestantes que se comprometeu a chegar no dia 22, à noite, ao Knesset, acrescentando estar esperançoso de que o governo “ouça a nação e acabe com a destruição”.
O Knesset já tinha votado, em primeira leitura, uma medida de reforma que anula a possibilidade de o poder judicial se pronunciar sobre a “razoabilidade” das decisões governamentais. E a Comissão Parlamentar de Justiça israelita iria submeter essa medida à apreciação dos deputados para uma segunda e terceira leituras.
Em janeiro, a cláusula de razoabilidade obrigou Netanyahu a demitir o número dois do governo, Arie Dery, condenado por fraude fiscal, na sequência da intervenção do ST.
A reforma defendida pelo governo, um dos mais à direita da história de Israel, tem como objetivo aumentar o poder dos representantes eleitos, em detrimento do poder judicial.
O governo considera que é necessária para assegurar um melhor equilíbrio de poderes, mas os seus críticos veem-na como ameaça à democracia e às suas garantias institucionais.
O anúncio do projeto, em janeiro de 2023, desencadeou um dos maiores movimentos de protesto da História de Israel, mobilizando, semanalmente, dezenas de milhares de manifestantes.
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Entretanto, a procuradora-geral de Israel, Gali Baharav-Miara, defendeu, perante o ST, a revogação da lei, aprovada pelo Knesset, em março, que impede Benjamin Netanyahu, de ser declarado incapaz de exercer o cargo. “Houve um uso indevido da autoridade do Knesset para melhorar a situação pessoal do primeiro-ministro e permitir que atue desafiando a decisão do tribunal”, argumentou Baharav-Miara em texto enviado ao ST e reportado pelos meios de comunicação social locais.
O Movimento para um Governo de Qualidade, organização não-governamental israelita pró-democracia que interpôs um recurso contra a lei, sustentou a posição de Baharav-Miara.
“Hoje, a procuradora-geral recordou a todos, mais uma vez, que o Estado de direito também rege o governo e que, num país democrático, existem controlos e equilíbrios entre os poderes”, declarou o presidente do movimento, Eliad Shraga, em comunicado.
O Knesset, onde o governo detém maioria, aprovou, a 23 de março de 2023, uma lei que protege Netanyahu de ser destituído ou declarado incapaz de exercer as funções do seu cargo, apesar de enfrentar um julgamento por três acusações de fraude, suborno e quebra de confiança.
Para a oposição, a legislação foi “feita à medida para proteger Netanyahu.
A lei é parte da reforma que Netanyahu e parceiros ultraortodoxos e ultranacionalistas fizeram passar no Knesset, para reforçar os poderes do executivo ante o judicial, apesar de ter provocado um protesto histórico e uma polarização no país. Pela lei da destituição, só a maioria de três quartos dos ministros, seguida de ratificação por igual percentagem de deputados (ao menos, 90 em 120), pode obrigar o primeiro-ministro a tirar licença temporária, por saúde mental ou física.
Netanyahu não pode envolver-se em legislação que afete o sistema judicial, não promovendo nem votando as leis que compõem a reforma judicial.
Em fevereiro, Baharav-Miara já tinha avisado Netanyahu de que não podia participar na reforma judicial proposta pelo governo que lidera, devido ao conflito de interesses que representa.
A reforma judicial visou dar ao governo controlo total sobre a nomeação de juízes, incluindo os do ST, o que pode ter impacto direto em eventual recurso do veredicto do julgamento em curso. Além disso, inclui a controversa cláusula de anulação, que permite ao governo anular as decisões do ST e proteger as leis do controlo da sua constitucionalidade pelo tribunal, anulando a doutrina da razoabilidade, que permite ao ST rever e anular decisões ou nomeações governamentais que julgue não razoáveis. A aprovação da medida podia abrir caminho para o líder do partido ultraortodoxo Shas, Aryeh Deri, regressar como ministro do Interior e da Saúde, depois de afastado pelo ST, por ter acumulado várias condenações por corrupção e aceitado um acordo judicial que o impede de ocupar cargos públicos.
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Parece que Benjamin Netanyahu é o homem com mais poder que o moderno Estado de Israel alguma vez teve. Por isso, conduz a guerra atual al libitum e, até há pouco, secundado pela generalidade do poder político internacional. Um perigo!

2014.01.01 – Louro de Carvalho


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