segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Debate, crítica e aposta na inovação

 
Decorreu, entre os dias 25 e 26 de janeiro, no “Super Bock Arena” – Pavilhão Rosa Mota, no Porto, o XXIII Congresso Nacional da Ordem dos Engenheiros (OE), sob o tema “Engenharia para o Desenvolvimento”. O evento contou com a participação de figuras determinantes e de destaque no panorama nacional e internacional que refletiram, através de debates técnicos, sobre temáticas conexas com a habitação, o futuro da mobilidade, as políticas de educação e qualificação, as políticas de energia e a transição digital, entre outras.
Os membros da OE e congressistas foram convidados a apresentar, previamente, um e-Poster que refletisse sobre um ou mais dos seguintes tópicos, a abordar no Congresso:
- O papel da Engenharia para o Desenvolvimento;
- Soluções Sustentáveis para o Futuro da Europa;
- A Intervenção da Engenharia nas Políticas de Habitação;
- O Futuro da Mobilidade;
- A Europa e a Indústria 5.0;
- Engenharia e Cidades;
- Educação, Qualificação e Profissão;
- Energia e Sustentabilidade;
- Transformação Digital;
 - Agricultura, Florestas e Alimentação – Uma só saúde;
- A Indústria e a criação de valor;
- Ciência e Inovação;
- Novas Gerações e Engenharia;
- Geopolítica e Reindustrialização.
Analisados, aprovados e selecionados pela Comissão Executiva do Congresso, os e-Posters apresentados foram disponibilizados a todos os participantes, através de uma exposição eletrónica no local do evento, assim como no livro de resumos do Congresso. E o(s) autor(es) dos e-Posters selecionados tiveram o ensejo de apresentar, presencialmente, as suas temáticas aos congressistas,  tendo sido possível visualizar o e-Poster no local e interagir com o(s) respetivo(s) autor(es).
Após dois dias de trabalhos, em que foram debatidos e passados em revista alguns dos temas que maiores desafios colocam, na atualidade, à engenharia e aos seus profissionais, o vice-presidente nacional apresentou as conclusões provisórias do Congresso.
É óbvio que não vou transcrever o teor do folheto de oito páginas, mas sublinho a conclusão geral: “Planeamento estratégico, decisão e execução são fatores de competitividade e desenvolvimento.”
A temática é pertinente toda ela, mas permito-me destacar a área da Habitação, dada a crise nacional e internacional que a atravessa. A este respeito, o Congresso concluiu pela criação de quatro tipos diferentes de qualidade de habitação indexados a diferentes níveis, para permitir rendas e valores de venda acessíveis, pela aposta na oferta pública, pela promover das condições do investimento no arrendamento, na reabilitação e na requalificação dos edifícios devolutos do Estado e dos municípios. Criticou a elevada burocratização do setor e propôs a simplificação ponderada do licenciamento urbano e a harmonização dos Planos Diretores Municipais (PDM) e dos regulamentos municipais. E assinalou as crescentes dúvidas da parte do promotor / investidor imobiliário, ante a nova legislação, que deve ser revista.
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À margem do Congresso, Carlos Tavares, líder da Stellantis, um dos maiores grupos automóveis do Mundo, que integra marcas como a Peugeot, a Citroën, a Opel, a Fiat ou a Alfa Romeo, em entrevista ao Diário de Notícias, declarou que a Europa está a “impor venda de veículos elétricos que a classe média não pode comprar”. O crítico da regulamentação para a transição elétrica, que interveio no Congresso, no âmbito da mobilidade, advertindo que “a mobilidade acessível para todos pode estar em vias de se perder”, alerta para “os riscos da concorrência chinesa e da guerra de preços”, que podem levar a um “banho de sangue social”, obrigando à consolidação do setor.
Também a transição para a mobilidade elétrica, na Europa, não acautela a necessidade de uma “mobilidade limpa, segura e acessível, para a classe média”, e pondo em risco um dos pilares da democracia: a liberdade de movimentos para todos. 
O homem forte da Stellantis criticou “a demagogia e o dogmatismo” – dois dos “principais problemas na Europa” – na implementação da eletrificação como via única, sem se olhar aos custos no desenvolvimento da tecnologia e na comercialização e à acessibilidade por parte das classes média e baixa. Até apelidou o dogmatismo de “doença do mundo ocidental, sobretudo da Europa”, por não olhar aos custos necessários para concretizar uma mobilidade mais limpa.   
O dogmatismo está totalmente desligado da vida das pessoas, o que, na ótica de Carlos Tavares, “não é aceitável numa União Europeia [UE], que é uma união de países democráticos”. “Não se pode decidir que as pessoas vão perder a sua liberdade de movimentos, simplesmente porque se decidiu que não está alinhado com a estratégia de acabar com o veículo térmico. Posso acabar com o veículo térmico e estou a acabar com ele. Simplesmente, o custo para a sociedade desta transformação e o benefício ambiental que isto vai trazer tem um rendimento péssimo”, vincou.
Com o investimento previsto de 50 mil milhões de euros nas tecnologias de eletrificação e de software, Tavares sustenta que a regulamentação tem de ser duradoura e pensada de forma lógica, a fim de “beneficiar os cidadãos” e de “criar condições para a subsistência dos construtores”.  
Considerando que a solução pragmática é simples, aponta duas dimensões da realidade: a primeira é a idade média dos veículos em circulação; a segunda é a chegada dos Chineses.
Em Portugal, a idade média dos veículos em circulação é de 14 anos e, na Europa, é de 12. Exemplificando com um carro atual de segmento B, como o Peugeot 208 ou o Opel Corsa, diz que, se se comparar a emissão de dióxido de carbono (CO2) desses carros com os, de há 15 anos, do mesmo segmento, verifica-se que as emissões foram reduzidas em um terço. Por isso, se se tirar do mercado um carro com 15 ou 20 anos e se criar um subsídio para um mild hybrid, a emissão de CO2 passará de 300 para 100 gramas. E pode-se fazer isso a um custo muito razoável para o Estado e de preço para os clientes. As classes médias podem pagar, desde que o carro custe menos de 20 mil euros.
Porém, a solução esbarra no dogmatismo dos que não querem ouvir falar de veículos térmicos. Quer-se impor a venda de veículos elétricos que, no mesmo segmento, custam entre 35 e 40 mil euros. E, como a classe média não pode comprar, “não há volume, não há impacto e não se trata do problema do planeta”, aponta o CEO da Stellantis.
Em segunda dimensão, para Tavares, vem a chegada dos Chineses, com “valor e qualidade, fazendo o seu trabalho”, e com a vantagem de o custo ser “cerca de 30% inferior à saída da fábrica”, em comparação com opções similares de marcas europeias.
Os Chineses podem vender veículos elétricos ao preço dos veículos térmicos europeus, porque têm a vantagem de custos 30% inferiores. Se venderem os elétricos ao preço dos modelos com motor de combustão – o que não fizeram, até ao momento, por não quererem ser acusados de “criar um banho de sangue social”, mas podem fazê-lo a qualquer momento –, os construtores europeus só podem “vender carros com prejuízo ou perder quota de mercado”, o que é “a mesma coisa”. Perdendo quota de mercado, a base de negócio é mais restrita, pelo que tem de se redimensionar a empresa e cria-se um problema social, pois, vendendo carros ao preço dos Chineses, com custos de produção superiores, vende-se com prejuízo. Daí emerge a reestruturação e cria-se um problema social.
Diz o CEO da Stellantis que os governantes estão a esbarrar nesta realidade que vem denunciando, já há sete anos (e não é o único a fazê-lo), mas a denúncia não tem ido acolhida.
Discordando de “qualquer ideia de protecionismo por parte da Europa”, sustenta que se isso acontecer, agravará “o preço dos automóveis fabricados na Europa para os Europeus, criando uma espiral inflacionista”, o que agravará o problema da mobilidade para as classes médias.
Há ainda outra razão pela qual não é favorável ao protecionismo, que explica assim, recordando que há o risco de represálias comerciais da parte da China: “De qualquer maneira, tenho de combater os Chineses. Se não for na Europa, é em África, se não é em África, é na América Latina... Portanto, eu vou combater os chineses de frente, não tenho outra escolha, porque sou uma empresa global, pelo que estou pouco interessado num protecionismo europeu.” 
Carlos Tavares mantém-se atento aos potenciais movimentos de mudança política na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA), com eleições em 2024 e onde o argumento da “perda de liberdade de movimentos por imposição” tem sido utilizado “como ‘arma’ de discursos populistas que podem desincentivar a adoção dos elétricos e mudar o caminho até aqui percorrido”. 
É um risco que pode vir a ser determinante para a solidez dos construtores europeus, residindo, agora, o desafio da rentabilidade dos construtores no equilíbrio entre os investimentos necessários para responder à transição energética, “imposta pelos governantes”, e a potencial guerra de preços, que surgirá como séria ameaça à existência dos fabricantes. 
Face a tal cenário, Tavares coloca a hipótese de se assistir, na próxima década, a um panorama “darwiniano” em que só os mais bem adaptados resistem, donde pode resultar o dito “banho de sangue”, que poderá passar pelo movimento de consolidação entre marcas, com as mais vulneráveis a sujeitar-se a “uma consolidação por empresas mais fortes que se tenham preparado melhor para encaixar esse impacto”. Assim, regressarão as fusões em grande escala, que podem enfrentar barreiras legais pelas normas de antitrust.
Todavia, para os funcionários da fábrica de Mangualde, que arrancará, neste ano, com a produção dos seus primeiros elétricos, reserva elogios e agradecimentos, vincando que “o seu desempenho e espírito de inovação a colocam entre as melhores, a nível mundial”.
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Não obstante, não se pode olvidar nem desvalorizar a magnitude de temas tratados pelos congressistas, como: novos paradigmas para o ciclo urbano da água; rumo certo para o equilíbrio carbónico da energia; engenharia e cidades; educação e qualificação profissional; energia e sustentabilidade; ciência e inovação; transformação digital; agricultura, florestas, alimentação e saúde; indústria e criação de valor; geopolítica e reindustrialização (em prol de uma indústria inteligente, catalisada pela transformação digital eficiente, em termos produtivos, e neutra, em carbono); e aposta nas novas gerações de engenheiros.
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Apesar de considerar que as conclusões vêm em excesso, o que lhes pode retirar exequibilidade, não resisto a transcrever os parâmetros abordados no quadro do subtema “Europa e a indústria 5.0”: “(i) a ambição europeia de conseguir uma maior autonomia energética; (ii) a importância da legislação europeia para conseguir alcançar as metas da neutralidade carbónica; (iii) a consciencialização de que os desafios representam dificuldades concretas em satisfazer os objetivos; (iv) a importância de ter estabilidade e confiança entre os agentes económicos e sociais.”
Os dados estão lançados. Continue o debate que influencie os decisores políticos, as academias, os centros de investigação e os agentes económicos. Haja obra!  

2023.01.29 – Louro de Carvalho

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