terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Chefe de Estado espera que 2024 seja, finalmente, de maior esperança

 

A mensagem de Ano Novo do Presidente da República (PR) foi contida, mas suficientemente clara no objetivo de, ante os traços descritivos que deixou do país e da sua envolvente, apelar à mudança, a conseguir pela participação maciça no alto eleitoral de 10 de março.

O chefe de Estado fala de outras eleições, designadamente, as da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, e as do Parlamento Europeu (PE), tal como aponta as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA). Porém, embora seja, desde 1974, o povo quem mais ordena, no subtexto presidencial, é possível ler o desejo de que a sua família política fique instalada em S. Bento, o que é compreensível, mas pouco legítimo num discurso do PR.

Há um ano, apontou que “2022 não foi a viragem esperada” e “seria imperdoável desbaratar 2023”. Podia ter dito o mesmo, em relação a 2023 e 2024. Aliás, esse é o desafio que tentou deixar aos Portugueses, neste ano eleitoral.

O Presidente, apesar de contido na mensagem, condicionada pelo contexto de campanha eleitoral que se vive no país, não disfarçou um balanço frustrado e um apelo à mudança.

“Há um ano disse-vos que 2023 podia ser decisivo. E foi. […] 2024, afinal, é ainda mais decisivo e todos desejamos que possa ser diferente”, afirmou, vincando que se espera “que 2024 possa ser, finalmente, de maior esperança”.

Estiveram presentes as críticas ao que falhou na maioria absoluta socialista: “Sem acesso à habitação, à saúde, à educação, à solidariedade social”, a qualidade da democracia “não é sustentável”. E, no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, o PR, ao invés de outros da sua família política, reconhece que as contas certas “são essenciais”, mas juntamente com o emprego, as exportações e o crescimento económico. Porém, adverte que “o que se espera e exige nos próximos 50 anos é muito mais do que o que se conseguiu” até aqui. E o começo, frisou, “é hoje, é já, é agora”. Não há, pois, tempo a perder.

O apelo ao voto de mudança percorreu toda a mensagem e o desafio foi lançado: “Devemos estar atentos e motivados a votar”, nas várias eleições no horizonte, sejam as legislativas, sejam as europeias ou as regionais, nos Açores.

A mensagem passou em revista o contexto internacional desafiante, com as guerras em território europeu e no Médio Oriente, com a Europa submersa em “egoísmos e fechamentos” e com as eleições nos EUA, que determinarão “como vai ser o tempo imediato no Mundo”.

Porém, o teor essencial da mensagem foi para dentro, deixando claro que não bastam as contas certas nem as políticas sociais dos últimos anos, que cumprem as promessas de abril de 74.

São essenciais “contas certas, maior crescimento e emprego, qualificação das pessoas, investimento e exportações”, mas “crescimento sem justiça social, sem redução da pobreza e das desigualdades entre pessoas e territórios não é sustentável”. E o “efetivo acesso à saúde, à educação, à habitação, à solidariedade social” é peça-chave da justiça social e do crescimento.

A demissão do primeiro-ministro (PM) e o contexto sui generis que levou à atual crise política não foram ignorados, com o PR a afirmar que “a administração pública e a Justiça podem fazer a diferença”. E a demissão de Costa permitiu defender a discutível decisão de levar o país a votos. “Depois da legítima decisão pessoal do primeiro-ministro de cessar funções, […] devemos estar todos atentos e motivados para eleições”, afirmou, lembrando que “a democracia nunca tem medo de dar a palavra ao povo”.

Reconhecendo que a hipótese de um xadrez partidário mais fragmentado não anuncia soluções de governação fáceis, o PR não ignorou que “2023 acabou com mais desafios e mais difíceis do que aqueles com que havia começado”. Porém, escudou-se no ponto axial do regime democrático: “2024 irá ser, largamente, aquilo que os votantes, em democracia, quiserem.”

Caberá ao PR decidir o jogo mediante as soluções que saírem do voto, mas há uma campanha eleitoral que só agora começa e umas eleições de desfecho imprevisível. Marcelo Rebelo de Sousa deixou o balanço angustiado da maioria absoluta que cedo terá ficado “requentada” e que, ao fim de dois anos, caiu por motivos extragovernativos. Com o governo demitido, reforça a exigência: é preciso fazer “muito mais”. E, se em 2023 concluiu que 2022 não tinha sido “o ano da viragem esperada”, agora sustentou que 2023 foi ano politicamente falhado. Não sei se com total razão.

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Os partidos com assento parlamentar reagiram de imediato .

“No plano nacional, a decisão de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas, pelo Presidente da República, reforçou o clima de incerteza e prejudicou a confiança num percurso de expectativas económicas seguras que estavam a ser alcançados”, afirmou Carlos César, presidente do Partido Socialista (PS), para quem a resposta de um PS “rejuvenescido é oferecer a segurança, tranquilidade e a estabilidade necessárias”.

Carlos César pediu aos Portugueses que emprestem a confiança para, com Pedro Nuno Santos como PM, se consolidarem “os sucessos alcançados, corrigir os erros cometidos e avançar-se mais depressa e com mais firmeza, seja na saúde, na educação, na habitação e noutros setores”. “Só uma grande votação no PS garante a retoma da estabilidade política”, segundo diz.

Margarida Balseiro Lopes, vice-presidente do Partido Social Democrata (PSD), considerou que o realismo de Marcelo Rebelo de Sousa “contrasta com o tom do discurso do governo”.

Quando o PR “diz que são os mais pobres aqueles que mais sofrem, é a realidade”, disse, vincando: “Gostaríamos muito que houvesse, independentemente das divergências com o governo, este realismo nas análises e nos discursos que o governo vai fazendo.”

O chefe de Estado emitiu uma “mensagem de exigência”, mas também “de esperança” e o PSD está “a construir uma alternativa” para que os “enormes” desafios agora identificados.

André Ventura, líder do Chega, considerou “clara” e “coerente” a mensagem do Presidente, dado o contexto pré-eleitoral. Para o Chega, o PR deixou também “um apelo muito forte”, ao dizer que, “se nada muda, é porque os Portugueses “não querem, não saem de casa para votar”.Num país que tem altos níveis de abstenção, em que, muitas vezes, os Portugueses se esquecem ou não querem participar no ato democrático, Marcelo lembrou que o país é o que nós quisermos”, apontou André Ventura, sublinhando que, apesar de ter colocado nas mãos dos portugueses a responsabilidade pelo futuro do país, o Presidente, alertou para o facto de haver assuntos que, se não forem tratados, prejudicarão “a qualidade da democracia”, dando como exemplo o combate à corrupção, a saúde e o desenvolvimento económico.

“Nos 50 anos do 25 de Abril, é uma mensagem que é importante sublinhar. O país será o que nós quisermos, mas há vários temas que têm de ser lidados, de forma clara, pelos políticos ou Portugal inteiro ficará a perder”, disse o presidente do Chega.

A Iniciativa Liberal (IL) defendeu que o Executivo que sair das eleições de março terá de “fazer mais”. Rui Rocha afirmou que o “ponto fundamental” da mensagem presidencial é que “é preciso fazer mais”, em 2024. E, para isso, “não podem ser os mesmos que estiveram até agora a fazer, porque não tem sido suficiente”, declarou, acrescentando que “só vale a pena mudar de governo para mudar o país, porque, se for para ser igual, vai ser mais do mesmo e isso já não é suficiente para Portugal e para os Portugueses”. Depois, manifestou “esperança e confiança para os jovens, que têm tido uma vida difícil com salários baixos e uma crise na habitação”. “É possível fazer mais, podemos começar a resolver a crise da habitação com mais oferta, mais construção, baixando os impostos, simplificando procedimentos, considerou, destacando os problemas no “acesso à Saúde, defendendo que é preciso “permitir que o utente escolha o cuidado que quer, sem pagar mais por isso, seja no privado, no social ou no Estado”.

João Oliveira, do Partido Comunista Português (PCP), considerou que a mensagem do Presidente elenca os “problemas que o país atravessa”, afirmando que é preciso mudar de políticas. De acordo com o também cabeça de lista do partido às eleições para o PE, em junho, faltou dizer que “é preciso mudar de políticas” para garantir o cumprimento da Constituição”. Para tanto, é preciso consagrar o aumento dos salários e das pensões, o acesso aos cuidados de saúde e o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o acesso à habitação e a valorização da escola pública. “É dessa a política alternativa que o país precisa, que encontra na Constituição uma referência para a sua concretização [….] Estar na mão dos Portugueses para criarem as condições para que ela seja concretizada, mas ter também uma responsabilidade grande da parte do Presidente da República, que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição”, frisou, pensando nas eleições de 10 março como “um momento de clarificação e oportunidade”. “As eleições não mudam tudo, mas podem criar condições para que as coisas mudem.”

O Bloco de Esquerda (BE) acompanha a mensagem presidencial, sobretudo no apelo ao voto e à participação nas próximas eleições, em que o partido espera “uma grande viragem na política portuguesa”. “Acompanhamos a mensagem do Presidente da República, o apelo ao voto, o apelo à responsabilidade e sobretudo a necessidade de uma grande viragem na política portuguesa. Esperemos que 10 de março seja exatamente essa etapa”, disse Luís Fazenda.

Sobre os alertas presidenciais para o crescimento económico “sem justiça social”, o bloquista disse que essa é “a análise da política portuguesa” que o BE faz “desde há anos”. “As contas certas não podem ser um fetiche, ser endeusadas ao extremo de impedir o investimento público e impedir a capacidade de regeneração, de organização e de funcionamento de serviços públicos essenciais na democracia, como a saúde, como a educação, vários segmentos da solidariedade social, como uma política pública de habitação.”

O porta-voz do Livre considera a mensagem do PR “muito igual” à de outros líderes políticos na quadra natalícia, alertando que 2023 deixa Portugal ante “uma situação de uma grande indecisão”.

O PR terá dito várias vezes ‘ficou claro’. “Quando um político sente muita necessidade de dizer ‘ficou claro’, é porque estamos a atravessar um dos momentos de maior incerteza em que nada, ao contrário do que foi dito, ficou claro. O ano de 2023 deixa-nos perante uma situação de uma grande indecisão”, disse Rui Tavares, vincando que é preciso que as forças partidárias tenham uma palavra, nas eleições de 10 de março.

Para Rui Tavares, o discurso do chefe de Estado “foi muito igual ao discurso dos outros líderes políticos que falaram durante esta quadra natalícia e das festas”. “Um discurso feito de esperança e de uma expectativa em que se retira a capacidade de ação às pessoas. Nós não estamos aqui só para esperar, nós estamos aqui para fazer. E, neste ano, as pessoas têm oportunidade de dar resposta. Eu estou cansado de ver as pessoas de braços caídos como se, com eleições à frente, não tivessem capacidade de dar uma orientação ao que o país deve ser no futuro.”

Inês Sousa Real vê, nas palavras do PR, a preocupação com a pobreza e com os mais jovens e a necessidade de um desenvolvimento económico que permita dar resposta aos problemas do país, mas destacou as “muitas questões que continuam a ficar de fora”. Para o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), é preciso garantir a força para podermos retomar as causas e colocar as causas no centro político da nossa atividade, para que Portugal possa ter, como pano de fundo, um maior combate à violência doméstica, que não desapareceu e não esteve presente nas palavras do PR.

A “crise habitacional”, com mais de 10 mil pessoas em situação de sem-abrigo, é outras das omissões na mensagem do chefe de Estado apontada por Sousa Real que defendeu que a erradicação da pobreza tem de ser “um desiderato” do país, tal como o acesso à habitação. “Numa altura em que estamos tão perto dos 50 anos do 25 de Abril, o chamado 1.º direito não pode ser um direito que fica reiteradamente para trás.” E Inês Sousa Real lamentou que o combate às alterações climáticas tenha ficado fora “da retórica” do PR.

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A mensagem tem uma só leitura política, mas gera, séria ou hipocritamente, vários propósitos políticos em contramão ao atual estado das coisas. Quem terá razão? Não queria mudar para pior!

2024.01.02 – Louro de Carvalho

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