quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

É dramática a situação da falta de água no Alentejo e no Algarve

 
As alterações climáticas – materializadas no aumento do aquecimento global, na subida do nível de vida dos oceanos e nos incêndios florestais, bem como no aumento da frequência e da intensidade do excesso de pluviosidade (com vendavais, desabamentos e inundações) e na situação cada vez mais prolongada de seca, severa e até extrema – têm produzido os seus efeitos em Portugal. Neste sentido, a par do que tem acontecido um pouco por todo o país, ressalta a falta de água no Algarve e no Alentejo.
No Alentejo, está em funcionamento a barragem do Alqueva, no Baixo Alentejo, e foi lançado o concurso e assinado um contrato adicional de reforço de verbas para a barragem do Pisão, no Alto Alentejo – o que é deveras insuficiente. Está, porém, mais atrasada a solução para o Algarve, onde se gasta muita água no consumo doméstico, na indústria (sobretudo turística, designadamente o golfe) e na agricultura. 
Neste contexto e no seguimento da sua 18.ª reunião, a Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca (CPPMAES), face a esta situação crítica, a 18 de janeiro, determinou as seguintes medidas de redução para o Algarve:
No consumo urbano, na região, em 15%, face ao ano anterior. 
No abastecimento agrícola, o total de 25% no consumo, de que 50% incidirá no volume titulado para rega no perímetro hidroagrícola do Sotavento (a redução na captação superficial será compensada pela reativação de furos em zonas em que os aquíferos não estejam em situação crítica e pela água para reutilização); cerca de 40% incidirá no volume utilizado para rega a partir da albufeira do Funcho, face à campanha de rega homóloga; e cerca de 15% incidirá na captação de água subterrânea para rega. 
No turismo, 15%, do consumo nos empreendimentos; e 15%, da captação de água subterrânea.
Além destas, estão em curso as seguintes medidas estruturais: a construção da dessalinizadora de Albufeira, com capacidade para tratar 16 hectómetros cúbicos por ano (16 hm3/ano) e que pode atingir 24 hm3/ano, em segunda fase, atualmente em procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA); o aumento das afluências à barragem de Odeleite, através da captação do Pomarão, que vai trazer mais 30 hm3, atualmente em procedimento de AIA; o aumento da capacidade útil da barragem de Odelouca, através da descida do nível de captação, atualmente em curso; o reforço da interligação do sistema de abastecimento público do Barlavento/Sotavento, atualmente em curso;  o aumento da disponibilização de água para reutilização para a rega de campos de golfe e agrícola; a redução de perdas no setor urbano; e a redução de perdas no setor agrícola nos perímetros hidroagrícolas.
E, no atinente ao Alentejo, foi adjudicada a ligação a Alqueva da barragem do Monte da Rocha.
P***
Na situação de seca, o Algarve tem menos água para todos os setores, mas há uns que têm mais cortes do que outros e as decisões não agradam a todos. Estão suspensas licenças para novos projetos agrícolas de regadio, mas não para novos empreendimentos turísticos, o que deixa indignado Macário Correia, presidente da Associação de Beneficiários do Plano do Rega do Sotavento, pois regamos “os jardins dos hotéis, mas não há água para regar os pomares”, quando a agricultura do Algarve “produz alimentos para exportação e para os portugueses”.
António Pina, presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), contrapondo que os consumos não têm a mesma proporção, teme que tais decisões possam ter “um crash do imobiliário”. A agricultura consome 61% da água, quando o turismo e os campos de golfe, juntos, ficam com 26% e o abastecimento urbano (doméstico e industrial) com 13%.
André Gomes, presidente da Associação do Turismo do Algarve, defende que há espaço de crescimento para oferta sustentável, mas que devem os municípios definir se pode haver mais empreendimentos. E aduz que o setor “já cortou 40% nos consumos, em 2023, e vai adotar medidas para reduzir mais 15%, em 2024, com torneiras eficientes, com redução da rega de jardins e do uso de água da rede para as piscinas e utilizando água reutilizada para limpezas.
Contudo, dos 36 campos de golfe existentes, apenas quatro são regados com água reutilizada de esgotos, mas outros 12 devem adotar esse sistema, até 2030, duplicando o uso de água para reutilização, nestes relvados, de cerca de 2 hm3 para 8 hm3.
Entre as  medidas decididas, consta a criação do selo de eficiência hídrica, a atribuir pela Agência para a Energia – ADENE aos empreendimentos turísticos candidatos. O objetivo é classificá-los, considerando o que fazem, por exemplo, em aproveitamento de águas da chuva, em utilização de água do mar nas piscinas ou na reutilização de águas residuais para limpeza ou para rega.
Para verificar o cumprimento da decisão da Comissão da Seca, foram criados grupos de trabalho para acompanhar cada setor e haverá um portal online com toda a informação sobre os usos e cortes de recursos hídricos no Algarve. Com efeito, as medidas apresentadas pelos ministros do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, e da Agricultura, Maria do Céu Antunes, para enfrentar a escassez hídrica, confirmam novos cortes de água para todos os setores.
Os setores doméstico e turístico têm de reduzir os consumos em 15%, sob pena de terem a torneira fechada. Na agricultura, as restrições são, em média, de 25%. Porém, as contas não são lineares, dizendo alguns que se mantém o corte de 70%, no Sotavento”. Haverá cortes de 50%, no volume de captação na barragem de Odeleite, para rega, no perímetro hidroagrícola do Sotavento, de 40%, no da albufeira do Funcho, e de 100%, na barragem da Bravura (Barlavento), que está a 8% da sua capacidade. Acresce a redução da captação de água subterrânea, para rega, em 15%. E, para salvar as plantas, a redução de águas superficiais será compensada pela reativação de furos em zonas onde os aquíferos não estão em situação crítica e pela água para reutilização. A maior parte da água provinda de aquíferos será usada para regar laranjais e outras culturas.
Espera-se a reabilitação de furos que não têm qualidade para abastecimento humano, mas que dão para a agricultura. E, para ajudar os agricultores em dificuldades, o Ministério da Agricultura anunciou a abertura de um aviso no Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (PDR2020) para apoio aos agricultores algarvios, para captação subterrânea, com a autorização da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). E “o aprofundamento do debate e análise de possíveis medidas compensatórias” passa por uma resolução do Conselho de Ministros (CM). Com efeito, a maior parte das medidas do pacote da Comissão Interministerial da Seca tem de ser aprovada a nível municipal ou em CM, entre as quais os apoios para os diferentes setores.
Foram precisas duas semanas para se chegar ao que Duarte Cordeiro denomina de “exercício cuidadoso que vai permitir chegar ao fim do ano com água para garantir o abastecimento público”. E Macário Correia diz que se chegou a este ponto, devido a inoperância de uma década.
Em 2023, as seis albufeiras algarvias perderam 90 hm3 de água e estão a 25% da sua capacidade, quando, há um ano, estavam a 45%. Às torneiras dos 16 municípios chegaram 75 hm3 de água (40% para o setor turístico), em 2023, e chegarão, em 2024, menos cerca de 11 hm3/ano. Este volume equivale a pouco menos do que se perde na rede pública urbana de distribuição (15 hm3). Isto é, segundo dados a entidade reguladora – ERSAR, em 2022, perde-se da rede pública 21% da água captada, tratada e distribuída pelos sistemas, valor próximo do que se pretende produzir, inicialmente, na dessalinizadora projetada para fornecer água a parte da população.
Inicialmente, esta fábrica de água a partir do mar deverá “produzir 16 hm3 de água por ano, tendo capacidade para, na segunda fase, chegar a 24 hm3/ano”, indica o Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC). Arranca, até final de janeiro, o concurso público da empreitada, que estará concluída, em 2026, e entrará em funcionamento, até 2027. Entretanto e embora não haja decisão sobre a AIA, o processo de expropriação, a cargo da empresa Águas de Portugal, está em curso. “Nos termos do Código dos Contratos Públicos [CCP] é exigido ao dono de obra estar na posse administrativa dos terrenos a expropriar aquando da data da celebração do contrato”, diz o MAAC, para quem o objetivo é dar maior resiliência ao abastecimento público na região.
As perdas na rede pública revoltam alguns que, acusando as câmaras municipais e o governo de não terem feito o seu trabalho e investido os milhões disponibilizados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sustentam que se perde muito menos na rede de abastecimento agrícola. Este setor consome 60% da água disponibilizada na região (135 hm3, dos quais um quarto provém de albufeiras) e tem perdas de 8%, no Sotavento e 25%, no Barlavento.
O Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, gerido pela AMAL, dispõe de 43,9 milhões de euros do PRR para a requalificação das redes de abastecimento de água. O MAAC refere que “já foram aprovadas candidaturas de 21 milhões de euros, dos quais estão executados ou e execução nove milhões de euros”. Espera executar o restante, até 2026, e “reabilitar 125 km de rede de abastecimento de água”. Porém, estes investimentos só reduzem perdas em 2 hm3. Quanto ao marcar passo das intervenções, argumenta que “o PRR só foi disponibilizado em 2023 e que o governo pede rapidez, mas dificulta a contratação pública”. No caso de Olhão, município a que António Pina preside, garante que já conseguiram baixar as perdas de 30% para 19%.
O corte de 15% na água distribuída no conjunto dos municípios “é para ser cumprido”, garante, esclarecendo que, em Olhão, reduziram em 20% os consumos, em 2023, diminuindo a rega de jardins e a pressão nas torneiras, e se continuará este caminho. “As câmaras que não cumprirem terão efetiva redução do abastecimento em alta e o fecho da torneira, além de tarifas mais altas.
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Entretanto, o proprietário de dois prédios rústicos em Albufeira, que a dona da obra dessalinizadora quer expropriar, não deixa o terreno e não aceita o valor da expropriação. Assim, prestes a chegar a data em que é suposto abrir o concurso para a empreitada da dessalinizadora, a empresa não tem na sua posse todos os prédios implementará esta fábrica de água do mar.
O MAAC anunciou que o concurso “será aberto até final de janeiro”, mesmo sem haver data para a emissão da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), que pode (ou não) dar luz verde. E, questionado sobre esta situação, com a contestação à expropriação de terras, aduz que foram acautelados os efeitos que resultarem da AIA e que o processo de expropriação em curso acautelará os direitos e os interesses dos expropriados, sendo que, nos termos do CCP, só se exige ao dono de obra estar na posse administrativa dos terrenos a expropriar, aquando da data da celebração do contrato”. Para já, está a avançar para a abertura do concurso.
Os dois prédios em causa (um rústico e outro misto) somam 12 hectares (ha), sitos na freguesia de Albufeira e Olhos de Água, a três quilómetros da praia da Falésia. Foram adquiridos, em 2005, por 1,7 milhões de euros, segundo o contrato de permuta. São um edifício de dois pisos com logradouro, uma construção rural e áreas de cultura arvense e de alfarrobeiras, amendoeiras, oliveiras centenárias e pomares de citrinos. A Águas do Algarve pretende expropriar os dois prédios, que totalizam 125 mil metros quadrados (12 ha) para construir os equipamentos e as infraestruturas a realizar no quadro do PRR. E invoca a utilidade pública do projeto e a urgência da expropriação pela qual ofereceu 634.022,50 euros. O valor não foi aceite, pois a perita que esteve no terreno avaliou-o em 1,2 milhões de euros”.
Há fortes críticas de ambientalistas pelo impacto ambiental da dessalinizadora e pelo seu custo. Para a dessalinizadora, estão previstos 45 milhões de euros e, para reduzir as perdas de água na rede, estão previstos 43,9 milhões de euros, incluídos nos 240 milhões de euros disponibilizados pelo PRR para o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve. Contudo, “estes investimentos só permitem reduzir as perdas em 2 hm3, o equivalente a 15% das atuais perdas reais do sistema”, lembra uma ambientalista da Zero, que não percebe “como se quer abrir o concurso para a empreitada e expropriar terrenos sem a DIA aprovada”.
Porém, Dantas Rodrigues, especialista em direito administrativo, sustenta que o correto, segundo a lei, seria aprovar a DIA e, depois, expropriar e abrir o concurso, mas que sucede, como agora, sempre que há urgência em utilizar verbas europeias e se invoca interesse público superior.
Em termos ambientalistas, também se levantam questões de segurança da arriba e da afetação de habitats que devem ser protegidos. Todavia, a APA diz que “o procedimento de AIA está em curso” e que, só “após a emissão da respetiva DIA, será possível dar nota do sentido da decisão e, se favorável, quais as condições estabelecidas para minimizar os impactos identificados”.
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É certo que os cortes são sempre desagradáveis, mas são necessários, por vezes, pelo que deverão sempre ser transitórios. Também qualquer empreendimento tem custos elevados, sobretudo se for novidade, e os efeitos serão limitados, inicialmente. Assim, a dessalinizadora será dispendiosa, terá vantagens limitadas, a princípio, produzirá impacto ambiental e pode colocar em risco a segurança da arriba. Contudo, em nome da mitigação da seca e da imprescindibilidade da água, impõe-se que se utilizem todos os recursos possíveis e que as equipas técnico-científicas tudo façam para minimizar ou até anular os efeitos negativos dos empreendimentos necessários.

2024.01.23 – Louro de Carvalho

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