terça-feira, 9 de janeiro de 2024

TGV tem luz verde (de curta metragem) do Parlamento para avançar

 

A Assembleia da República (AR) aprovou, a 9 de janeiro, o Projeto de Resolução n.º 967/XV, do Partido Socialista (PS), que recomenda ao governo que “tome todos os passos necessários ao lançamento do concurso para o primeiro troço da Linha de Alta-Velocidade (LAV) Porto – Lisboa, antes do final do prazo para as candidaturas ao CEF [Connecting Europe Facility] (30 de Janeiro)” e que “prossiga com o trabalho necessário ao lançamento dos concursos seguintes […], de forma a manter viável a conclusão deste projeto dentro dos prazos que foram anunciados”.

O PS apontou os 30 anos de atraso na decisão das LAV, apelando ao avanço do concurso para a linha de comboio de alta velocidade (TGV, na sigla francesa de “train de grande vitesse”) entre o Porto e Lisboa. “São 30 anos de atraso, em relação em Espanha, para decidir a Alta Velocidade ou mais de 50 anos, para decidir o novo aeroporto de Lisboa. Continuamos sem avançar, fruto de uma cultura política, especialmente da nossa direita, onde decidir é um problema, certamente na esperança de que o mercado resolva tudo”, disse Hugo Costa, abrindo as hostilidades no debate solicitado pelo partido, sobre “Novas ligações ferroviárias”.

Todavia, o Partido Social Democrata (PSD) e o Chega responsabilizam o governo pela demora e pela indecisão. “Ao fim de oito anos de governo, o PS não quer falar do passado, não quer falar do presente, só quer falar do futuro, numa reencarnação do ‘agora é que vai ser’. O PS vem ao Parlamento pedir aos grupos parlamentares que ajudem a PS a instar o governo a governar“, afirmou Paulo Rios Oliveira, do PSD, referindo-se ao projeto que o partido votou favoravelmente, mas criticando o lançamento, à última hora, do concurso para o primeiro troço da LAV, entre Porto e Oiã (Aveiro), julgado essencial para o sucesso da candidatura a fundos europeus. “Não será isto a forma mais confessada de dizer que não trabalharam, foram incompetentes e não fizeram o trabalho de casa?”, questionou. “Votaremos a favor de Portugal e não do PS, porque não conhecemos e não acompanhamos as peças técnicas e do concurso”, disse.

Sobre os 30 anos de governo do PS, o deputado do Chega Filipe Melo, mostrou uma capa do jornal Público, de 1999, sendo António Guterres primeiro-ministro (PM), com a notícia de que o TGV ligaria o Porto a Lisboa em 1h15, em 2015. “Seguiu-se José Sócrates, depois António Costa, com um intervalo pelo meio do PSD. Foram vários anos de governos socialistas. A responsabilidade é inteiramente do PS”, acusou. Porém, Hugo Costa atirou responsabilidades aos governos do PSD, dizendo que Guterres projetou o TGV, Durão Barroso enviou-o para o lixo e Sócrates reapresentou o projeto do TGV, que Passos Coelho enviou para o lixo.

Bruno Dias, do PCP, disparou aos dois partidos. “São cúmplices na destruição da ferrovia em Portugal”, disse, acrescentando não ser por falta de apoio da AR que esta e outras infraestruturas vão derrapando no tempo com a decisão sempre discutida na véspera das eleições e adiada, depois.

E Rui Rocha, da Iniciativa Liberal (IL), que também votou favoravelmente a resolução, vincou o atraso, face ao resto da Europa, e atirou aos dois maiores partidos. “É caso para dizer que, ao longo das últimas décadas, o PS arrastou os pés, também nesta matéria. Entre um PS, que arrasta os pés, e um PSD, que hesita, a IL avança para este projeto com confiança”, afirmou.

O governo avançará com o concurso público internacional para o primeiro troço da LAV entre Porto e Oiã (Aveiro), orçado em 1.950 milhões de euros, pois considera o concurso essencial para Portugal garantir 729 milhões de euros em fundos europeus do Mecanismo Interligar a Europa (MIE), para a primeira fase do projeto, que tem o custo global de 3.550 milhões de euros e inclui a ligação entre Oiã e Soure. O concurso da LAV Porto – Lisboa prevê três parcerias público-privadas (PPP) para diferentes troços da linha. O contrato de concessão durará 30 anos, cinco para a construção e 25 para a gestão operacional.

O debate foi invadido por uma questão lateral, visando a direita o secretário-geral e deputado do PS, que esteve na bancada. “O PS não quer nem pode falar de saúde, de educação, de justiça, de pobreza, de serviços públicos. O PS quer, ao menos, falar de Pedro Nuno Santos. O problema do ex-ministro e futuro deputado é que ele tem um passado que o persegue. Onde ele toca estraga”, afirmou Rios Oliveira, apontando, como exemplos a crise na habitação, o despacho para o novo aeroporto, revogado pelo PM, e a sua demissão, na sequência da indemnização a Alexandra Reis, ex-administradora executiva da TAP. “Não serviu para ministro, mas querem que sirva para primeiro-ministro”, atirou. E o Chega lembrou o pedido de desculpas “embaraçado” do ex-ministro, no despacho do novo aeroporto.

Coube a José Carlos Barbosa fazer a defesa do secretário-geral do PS: “Aquilo que sabemos hoje é que, se há ministro que, no pós-25 de abril, apostou na ferrovia foi Pedro Nuno Santos.”

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O PM demissionário assinalou o dia histórico da aprovação do lançamento do projeto de alta velocidade ferroviária, anunciou a proximidade do concurso e saudou a maturidade democrática do processo. “Hoje é um dia histórico, para a mobilidade e para o transporte público”, disse, em Vila Nova de Gaia (distrito do Porto), referindo-se à votação favorável, pela AR, de projetos de resolução do PS que recomendam ao governo o avanço do projeto de alta velocidade ferroviária. 

Falando nas Caves Ferreira, onde assistiu à assinatura da consignação da empreitada da Linha Rubi do Metro do Porto ao consórcio FCC, ACA e Contratas y Ventas, por 379,5 milhões de euros, vincou: “É um momento que deve ser aplaudido, porque revela enorme maturidade democrática, e que é particularmente importante, para um país onde as obras públicas são obsessivamente discutidas e obsessivamente adiadas.” Para o PM, num momento de grande agitação política, a AR ser capaz de uma esmagadora maioria votar a favor e dizer que “abram lá o concurso”, é muito importante e “deve encher, todos os democratas, com muito orgulho”.

A abertura do concurso, até 18 de janeiro, garante o acesso a 729 milhões de euros que estão, segundo Costa, reservados, em Bruxelas, exclusivamente para a obra, “poupando-nos a ter de concorrer, nos anos seguintes, com todos os outros países”, sendo o investimento “estrutural para a descarbonização da mobilidade, para encurtar as distâncias entre as duas áreas metropolitanas, para substituir muitas das viagens que hoje se fazem de avião ou por automóvel”.

Numa posição escrita enviada à Lusa, assinada pelo vice-presidente do PSD Miguel Pinto Luz, o PSD anunciou o voto favorável ao concurso da LAV Porto – Lisboa, porque “nunca será um entrave” ao desenvolvimento, mas remete responsabilidades da solução para o PS e sustenta que “o país já perdeu demasiado tempo e esta seria a segunda candidatura falhada por incompetência e impreparação do governo português, liderado pelo PS”. “O voto é a favor de Portugal. Quanto ao resto, cada partido que assuma as suas responsabilidades e que não enganem mais os Portugueses. Porque o governo não tem, nem merece, crédito neste assunto”, criticou.

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Em causa está o lançamento do concurso para o troço Porto – Oiã (Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro) da LAV Porto – Lisboa, que ligará as duas cidades numa hora e 15 minutos, com paragens em Gaia, Aveiro, Coimbra e Leiria.

O custo estimado da sua primeira fase é de 3.550 milhões de euros, montante 20% mais alto do que os 2.950 milhões apontados na apresentação pública do projeto, em setembro de 2022.

Os cálculos apontam para o custo de 1.950 milhões, para o troço entre o Porto e Oiã (Aveiro), cujo concurso público o governo quer lançar até 18 de janeiro. Em setembro, o orçamento era de 1.650 milhões, mudança para a qual concorre a elevada inflação sentida nos materiais de construção. O custo do troço entre Oiã e Soure subiu de 1.300 para 1.600 milhões de euros. E o orçamento total sobe para 3.550 milhões. Um quinto poderá ser pago com fundos europeus do MIE, se o Executivo avançar com a candidatura até 30 de janeiro. Dos 729 milhões de euros a que Portugal concorre, 480 milhões destinam-se ao primeiro troço e 249 milhões ao segundo. O projeto será ainda financiado por empréstimos junto do sistema financeiro, da parte do vencedor da concessão, do financiamento de 625 milhões já negociado com o Banco Europeu de Investimento (BEI) e de pagamentos antecipados pelo Estado.

Em comentário na SIC, Luís Marques Mendes acusou, a 7 de janeiro, o governo de falta de transparência, em relação ao TGV, questionando se o projeto envolve uma PPP, se esta inclui só a construção ou também a exploração da linha, se esta será do Estado ou dos privados e qual o investimento. Porém, a apresentação do projeto, em 2022, já referia o modelo de concessão para a conceção, construção, manutenção e financiamento da linha. As três PPP terão um período de concessão de 30 anos, cinco para a construção e 25 para a gestão da linha. E pode avançar uma quarta PPP, para a última fase, mas o modelo ainda não está definido. 

Findo o contrato de concessão, a linha reverterá para o Estado. A concessionária garantirá a operacionalidade da linha e será remunerada em função da disponibilidade do serviço. A exploração será aberta a todos os operadores, ficando a gestão da circulação e alocação da capacidade na esfera do Estado, pela Infraestruturas de Portugal (IP). Fora das PPP ficam projetos complementares e a sinalização e telecomunicações, que serão atribuídos em empreitadas.

A separação em várias PPP permite criar contratos de dimensão razoável e ajustada à capacidade do mercado, garantindo a capacidade e a atratividade do setor privado e assegurando a forte competitividade, aspeto de fulcral importância na criação de valor para o Estado. E permite gerir o esforço financeiro do Estado e maximizar os benefícios para os utilizadores do sistema, de modo a antecipar os benefícios da LAV, iniciando a utilização dos troços, à medida que sejam concluídos. A conclusão da 1.ª fase encurtará a viagem entre Lisboa e Porto de 2h49 para 1h59.

Para garantir a luz verde da Comissão Europeia aos 729 milhões em fundos, o governo tem de lançar, previamente, o concurso público internacional, o que ocorrerá até 18 de janeiro. E o lançamento carece de resolução do Conselho de Ministros a aprovar a despesa. Será a segunda vez que Portugal se candidata a estes fundos europeus para o TGV. Da primeira, o projeto não teve luz verde da Comissão Europeia por atraso, em termos de maturidade.

O governo de gestão quis o apoio do PSD para o lançamento do concurso. Porém, o partido demarca-se do projeto, acompanhando a necessidade de reforçar a LAV Lisboa-Porto, em solução técnica, jurídica e de financiamento da exclusiva responsabilidade do PS, o que não pressupõe adesão às peças do concurso nem às soluções técnicas ou de financiamento das PPP.

O projeto da LAV que revolucionará a mobilidade nacional, lançado sendo Pedro Nuno Santos era ministro das Infraestruturas, prevê três fases. A primeira inclui dois troços, Porto – Aveiro (Oiã) e Aveiro – Soure; a segunda liga Soure ao Carregado; e a última, o Carregado a Lisboa. O calendário aponta que o troço Porto – Aveiro entre em funcionamento em 2030. O projeto inclui a modernização ou construção de estações ferroviárias em Campanhã, Vila Nova de Gaia, Aveiro, Coimbra, Leiria e Oriente.

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A decisão da Comissão Europeia sobre o MIE, a que o governo submeterá um troço do TGV, será conhecida em julho, com as propostas a terem de ser apresentadas até 30 de janeiro.

A Comissão convidou para a apresentação de propostas, a 26 de setembro, com prazo até 30 de janeiro, e previu decisão para julho. “Os projetos de infraestruturas financiados no âmbito do presente convite melhorarão a segurança e a interoperabilidade da rede de transportes da UE”, argumentava Bruxelas, acrescentando que as candidaturas podiam ser apresentadas por “um ou mais Estados-membros” ou por “organizações internacionais ou organismos públicos ou privados estabelecidos num Estado-membro da UE”, com o acordo do país em causa e em áreas como a ferrovia ou a resiliência das infraestruturas.

O PM disse que nem os países ricos aceitariam perder 750 milhões de euros, mas frisou que as obras públicas devem ter consenso de dois terços da AR e que o Plano Nacional de Investimentos, que definiu os investimentos mais relevantes, incluindo a construção de uma LAV entre Lisboa, Porto, Braga e Vigo, foi aprovado por “quase três quartos” dos deputados.

Entretanto, o governo já deu passos para avançar com o TGV, nomeadamente o congelamento de terrenos para facilitar os primeiros troços, garantindo que “naquele corredor não se podem fazer operações urbanizáveis, sem parecer prévio da IP, para não tornar mais cara a execução da obra”, como vincou Frederico Francisco, secretário de Estado das Infraestruturas.

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Será a partir de agora que Portugal terá ligação de TGV com o resto da Europa.

Porém, 30 anos, nos tempos de hoje, são muito tempo. Para quando a ligação a Madrid, pelo Centro e pelo Sul do nosso país? É que estamos a falar da ligação Porto – Lisboa e Porto – Vigo. Madrid continuará longínqua e o país continuará a ser a ilha ferroviária da Europa Ocidental, sobretudo se mantivermos a bitola ibérica. Somos a Inglaterra incorporada no continente europeu.  

2024.01.09 – Louro de Carvalho

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