segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Centenas de navios desistem da rota pelo Suez

 

Desde 19 de novembro de 2023, os Houthis, aliados do Hamas e considerados peões do Irão no xadrez do Médio Oriente, alegando ter em vista parar a agressão de Telavive, lançaram 27 ataques com drones e mísseis contra navios comerciais, em retaliação pela guerra de Israel contra o Hamas, em Gaza, tendo como alvo navios com ligação a Israel.

Em resposta concertada, na madrugada de 12 de janeiro, forças norte-americanas e britânicas bombardearam vários locais usados pelos Houthis no Iémen, usando mísseis Tomahawk e jatos de combate lançados por navios de guerra e submarinos.

O comando da Força Aérea dos Estados Unidos da América (EUA) no Médio Oriente diz ter atingido mais de 60 alvos em 16 locais, incluindo “bases de comando e controlo, depósitos de munições, sistemas de lançamento, instalações de produção e sistemas de radar de defesa aérea”.

Segundo o canal de televisão Houthi Al-Massirah, os bombardeamentos atingiram Sanaa, capital do Iémen, e outras cidades controladas pelos rebeldes, como Hodeida e Saada.

Os EUA, o Reino Unido e outros oito países justificaram os ataques com a necessidade de proteger a liberdade de navegação no Mar Vermelho, após as ofensivas dos rebeldes.

Em declaração conjunta, os países signatários (EUA, Reino Unido, Austrália, Bahrein, Canadá, Países Baixos, Dinamarca, Alemanha, Nova Zelândia e Coreia do Sul), vincaram que o objetivo continua a ser “reduzir as tensões e restaurar a estabilidade no Mar Vermelho”. “Não hesitaremos em defender vidas e proteger o livre fluxo do comércio numa das rotas marítimas mais críticas do Mundo, face às ameaças contínuas. As ações de hoje demonstram um compromisso comum com a liberdade de navegação, o comércio internacional e a defesa da vida dos marinheiros face a ataques ilegais e injustificáveis”, garantiram.

Como referiu agência de notícias espanhola Efe, os rebeldes tinham assegurado, no dia 11, que qualquer ataque das forças americanas no Iémen desencadearia resposta militar feroz. E, em retaliação, os Houthis lançaram mísseis de cruzeiro e balísticos contra navios de guerra norte-americanos e britânicos no mar Vermelho.

Este ataque militar coordenado ocorreu uma semana depois de a Casa Branca e de vários parceiros terem emitido um aviso final aos Houthis para cessarem os ataques, sob pena de enfrentarem potencial ação militar. E o aviso parece ter tido um impacto de curta duração, já que os ataques pararam durante vários dias. Porém, no dia 9, os insurgentes dispararam a sua maior vaga de drones e mísseis no Mar Vermelho, com navios norte-americanos e britânicos e caças norte-americanos a responderem e a abaterem 18 drones, dois mísseis de cruzeiro e um míssil antinavio.

Face a estes ataques e retaliações no Mar Vermelho, as principais companhias marítimas continuam a ajustar as rotas para evitar transitar por este trajeto, pelo qual transita quase 15% do comércio marítimo global, incluindo 8% do comércio mundial de cereais, 12% do comércio petrolífero e 8% do comércio mundial de gás natural liquefeito.

Mais de 20 nações já participam numa missão marítima liderada pelos EUA para aumentar a proteção dos navios no Mar Vermelho.

Assim, a diplomacia saudita recordou que a liberdade de navegação é exigência internacional, porque a sua ausência ou a sua limitação prejudicam “os interesses do Mundo inteiro”.

O Irão advertiu que estes “ataques arbitrários” podem agravar a instabilidade no Médio Oriente: “Não terão outro resultado senão alimentar a insegurança e a instabilidade na região”, disse Naser Kanani, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, dizendo tratar-se de “clara violação da soberania e integridade territorial do Iémen e de violação do direito internacional”.

O Hamas condenou “veementemente a agressão flagrante dos EUA e do Reino Unido ao Iémen”: “Consideramo-los responsáveis pelas repercussões na segurança regional”. Sami Abu Zuhri, um dos dirigentes do grupo, descreveu os bombardeamentos como “provocação a toda a nação, que indica a decisão de expandir a área de conflito para fora de Gaza”.

O Hezbollah, movimento libanês xiita pró-iraniano, acusou os EUA de serem “parceiros de pleno direito” nos “massacres” cometidos por Israel, em Gaza e na Cisjordânia, e vincou a solidariedade com os rebeldes do Iémen. “Esta agressão não os enfraquecerá, mas aumentará a sua força, determinação e coragem para enfrentá-los, defender-se e continuar o seu caminho em apoio ao povo palestiniano”, assegurou a milícia.

A Arábia Saudita, um dos principais aliados dos EUA no Médio Oriente, apelou à necessidade de “contenção e de evitar a escalada” das tensões. O Ministério dos Negócios Estrangeiros saudita disse que “acompanha com grande preocupação as operações militares que ocorrem na região do Mar Vermelho e os ataques aéreos contra vários locais da República do Iémen”.

A China mostrou-se “preocupada com a escalada das tensões no Mar Vermelho”. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Mao Ning, instou “as partes envolvidas a manterem a calma e a exercerem contenção, a fim de evitar que o conflito se alastre” no Médio Oriente.

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zajarova, salientou que os bombardeamentos “são um novo exemplo da distorção das resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) da parte dos anglo-saxões e do seu total desrespeito pelo direito internacional”. Em mensagem publicada no Telegram, acusou Washington e Londres de agirem “em nome de uma escalada na região para alcançar os seus objetivos destrutivos”.

A França anunciou que apoia a ação militar contra os Houthis, sublinhando o apoio à resolução do Conselho de Segurança da ONU que autoriza a resposta aos ataques no Mar Vermelho. Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês reiterou a “condenação aos ataques perpetrados pelos Houthis no Mar Vermelho contra navios comerciais” com os quais assumem “responsabilidade extremamente forte na escalada regional”.

E o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, acusou os EUA e o Reino Unido de responderem de forma desproporcional. “Estão a usar a mesma força desproporcional contra os Palestinianos. E os britânicos estão a seguir os passos dos EUA. Estão a tentar criar um banho de sangue no Mar Vermelho”, declarou, após a oração do dia 12, sexta-feira.

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Os ataques houtis nas águas do Mar Vermelho, desde a sua primeira operação, em novembro, já provocaram o desvio daquela rota de 524 navios mercantes, 25% da capacidade global de transporte de contentores, segundo o balanço da Flexport, no seu blogue, a 12 de janeiro.

A rota pelo Mar Vermelho e pelo Canal do Suez envolve 12% do comércio marítimo mundial e 30% do tráfego global de contentores. Porém, no final de 2023, o desvio da rota pelo estreito do Bab-el-Mandeb e pelo canal do Suez somava 300 navios e representava 18% da capacidade global. Em apenas duas semanas, a situação de reorientação da rota agravou-se em 75%.

A região, envolta numa onda de ataques houthis, é patrulhada por navios de guerra da coligação internacional de 10 países (Operação Guardiões da Prosperidade), que diz proteger a rota comercial, e registou um ataque militar massivo a alvos houthis, no Iémen, desde 12 de janeiro, liderado pelos EUA e o Reino Unido. Porém, a autoridade que gere o Canal do Suez desmentiu, oficialmente, que tenha havido suspensão da navegação nos dois sentidos, apesar de o risco do sul do Mar Vermelho se transformar numa zona de guerra.

Os analistas do comércio internacional chamam a atenção para o recrudescimento da pirataria somali no Corno de África e para a primeira operação de pirataria no Golfo de Omã, com um navio mercante grego desviado para o Irão.

O efeito colateral desta reorientação das rotas que vêm da Ásia para o Mediterrâneo foi o disparo do custo dos contentores nas duas principais rotas de Xangai para Roterdão, nos Países Baixos, e para Génova, em Itália. De 21 de dezembro de 2023 a 11 de janeiro deste ano, os custos subiram 164% e 166%, respetivamente. Um contentor de 40 pés já custa mais 2.700 dólares, no percurso para Roterdão, e mais 3.257, na rota para Génova, segundo o índice Drewry, a 11 de janeiro. A reorientação da rota obriga a viagem muito maior pelo Cabo, na África do Sul, caminho marítimo da Europa para o Índico criado por Vasco da Gama, no final do século XV.

As duas rotas chinesas para a Europa são, agora, mais caras do que o transporte de contentores de Xangai para Nova Iorque pelo Pacífico. O custo do contentor, para Roterdão, alcançou 4.406 dólares e, para Génova, está acima de 5.200 dólares. Na rota de Xangai para Nova Iorque, o custo está em 4.170 dólares. No final de 2023, a rota de Xangai para Nova Iorque registava o preço por contentor superior a três mil dólares, devido aos problemas no canal do Panamá, fustigado pela seca. O preço de Xangai para a Europa era inferior a dois mil dólares por contentor.

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O movimento houthi ou Ansarallah (Apoiantes de Deus) é um dos lados da guerra civil iemenita. Surgiu na década de 1990, quando o líder, Hussein al-Houthi, lançou a “Juventude Crente”, movimento de revivalismo religioso de uma subsecção secular do Islão xiita, o Zaidismo.

Os Zaidis governaram o Iémen durante séculos, mas foram marginalizados pelo regime sunita, após a guerra civil de 1962. O movimento foi fundado para representar os Zaidis e para resistir ao sunismo radical, em particular às ideias wahhabitas da Arábia Saudita. E foi apoiado por Ali Abdullah Saleh, primeiro presidente do Iémen, após a unificação do Iémen do Norte e do Iémen do Sul, em 1990. Porém, à medida que a sua popularidade crescia e a retórica antigovernamental se acentuava, os Houthis tornaram-se uma ameaça para Saleh.

As coisas chegaram ao auge em 2003, quando Saleh apoiou a invasão do Iraque pelos EUA, a que muitos Iemenitas se opuseram. Para al-Houthi, a fratura foi uma oportunidade. Aproveitando a indignação pública, organizou manifestações em massa. Após meses de desordem, Saleh emitiu um mandado de captura. Al-Houthi foi morto, em setembro de 2004, pelas forças iemenitas, mas o movimento continuou vivo. A ala militar Houthi cresceu com mais combatentes a aderir à causa. Encorajados pelos primeiros protestos da primavera árabe, em 2011, assumiram o controlo da província de Saada, no Norte do país, e apelaram ao fim do regime de Saleh.

Em 2011, Saleh entregou o poder ao seu vice-presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, mas este governo não era mais popular. Os Houthis voltaram a atacar em 2014, passando a controlar partes de Sanaa, antes de invadirem o palácio presidencial no início de 2015. Hadi fugiu para a Arábia Saudita, que, a seu pedido, lançou a guerra contra os Houthis, em março de 2015. O cessar-fogo, assinado em 2022, caducou ao fim de seis meses, mas as partes beligerantes não voltaram ao conflito em grande escala.

Os Houthis são apoiados pelo Irão (são o “Eixo de Resistência”), que começou a aumentar a ajuda ao grupo em 2014, com a guerra civil e a intensificação da rivalidade com a Arábia Saudita.

Receia-se que os ataques dos drones e mísseis Houthi contra navios comerciais, que ocorrem quase diariamente, desde 9 de dezembro, causem enorme choque na economia mundial – aumentando tempo de viagem e preços de seguros e de produtos petrolíferos –, e façam alastrar o conflito em toda a região. A ONU afirma que a guerra no Iémen se transformou na pior crise humanitária do Mundo. Cerca de um quarto de milhão de pessoas morreu durante o conflito.

Após o cessar-fogo, os Houthis consolidaram o controlo sobre a maior parte do Norte do Iémen. Querem acordar com os Sauditas o fim da guerra e a consolidação do seu papel de governantes.

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Eis uma aliança anti-israelita e antiocidental de milícias apoiadas pela República Islâmica. O conflito está para durar. E o Mundo todo sente insegurança e sofre.

2024.01.15 – Louro de Carvalho

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