sábado, 20 de janeiro de 2024

Projeto “Limpar Portugal” e o “Let’s Do It World”

O primeiro nada tem a ver com o slogan programático (nada moderado, antes agressivo) de um partido político no terreno, em Portugal, alinhado com forças políticas da direita não convencional europeia e mundial que pouco interesse têm na democracia, assemelhando-se, antes, a regimes totalitários de cariz xenófobo, racista e pseudonacionalista. Mas tem assento parlamentar.
Na recente convenção do Chega, foi proclamado o propósito de “limpar Portugal” de todos os erros das políticas em curso, com relevo para o ataque à corrupção. Até se fez um minuto de silêncio pelas vítimas (mortais) da corrupção.
Nada de novo, porquanto, já a 30 de maio de 2021, no discurso de encerramento do III Congresso Nacional, o líder prometia limpar Portugal, ou seja, chamaria “à responsabilidade” a esquerda e a extrema-esquerda, “pelo que fizeram” ao país, e os políticos que o roubaram “até ao tutano”.
Apontando ao Partido Socialista (PS) e a António Costa, André Ventura afirmava que “isto de destruir um país em pandemia com o suposto objetivo de controlar a pandemia” teria de “ser levado à responsabilidade”. E, ao invés do que disse ter acontecido com os governos de Passos Coelho, não queria ser “fofinho” ou “limpa-lençóis”, mas “chamar à responsabilidade a esquerda e a extrema-esquerda pelo que fizeram”, que foi empobrecer o país, “destruir emprego e o tecido empresarial” ou deixar “pensionistas na miséria, com 150 euros por mês”.
Depois de puxar pela força partidária que lidera, disse querer “muito, muito, muito limpar este país”: “Está tão destruído que envergonharia os nossos avós e os nossos pais.”
É natural que muita gente vá na onda e acredite que a corrupção e outros erros de gestão parlamentar, governativa, municipal e empresarial vão acabar, com a mudança de titulares de cargos políticos. Porém, as experiências do passado fazem pensar que a baixa generalizada de impostos e da taxa social, bem como o aumento dos salários e das pensões, a que acrescerá a regeneração dos serviços públicos (Saúde, Educação, Segurança Pública, Proteção social, etc.) assemelham-se a um leilão de promessas sem sustentabilidade nas contas públicas.  
A grande limpeza de Portugal fez-se na década de 1985-1995, com o advento dos fundos europeus – parece que são, na ótica de alguns, uma das principais causas do atraso económico e social português, a par do ouro do Brasil (bons do ponto de vista da finanças públicas, mas contraindicados economicamente) – que levaram à destruição da agricultura, da marinha pesqueira, da marinha mercante, da grande pecuária, à privatização da banca, crescente privatização das grandes empresas do Estado, a minimização da ferrovia, a eliminação da Lisnave e da Setenave, em prol do país de floresta, que arde, e de turismo, a oscilar conforme a conjuntura.
A limpeza indesejável continuou e teve o auge no tempo da troika, de que muita gente tem saudades, esquecendo-se de que nos caluniaram, dizendo que “tínhamos estado a viver acima das nossas possibilidades”, impondo-nos a teoria da inevitabilidade, sob o signo da TINA (“There Is No Alternative – “Não há alternativa”). E, agora, estamos com freguesias sem escola, sem banco, sem correio, sem outros serviços públicos; temos um Interior quase desertificado, o Alentejo e zonas do Algarve sem água e, em tempos de novas tecnologias, há inúmeros aglomerados populacionais só com uma máquina multibanco a mais de 10 quilómetros e com muitos residentes marcados pela iliteracia digital, a ter de utilizar cheques caríssimos, de pagar táxi para levantar dinheiro e a ser-lhes debitada uma taxa pela manutenção de conta à ordem.  
Ainda, a talho de foice, recordo-me de um dirigente distrital de determinado partido que se propôs ir a uma determinada câmara municipal, alegadamente, varrer o lixo. A coisa correu-lhe mal e só não correu pior, porque os seus amigos o protegeram
Não queremos que se façam determinadas limpezas, nem que alguém sofra por causa delas. Porém, é de anotar que há coisas que não se dizem nem se pensam. Querer limpar Portugal, em termos políticos, como o anunciado, é tão insultuoso como dizer que o país ou a TAP está numa bandalheira por culta deste governo. Ofende o eleitorado e é mimo viperino para os acusados.                
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Todavia, Portugal, tal como o resto do Mundo, precisa de limpeza, mas ecológica. Há demasiadas lixeiras a céu aberto, inúmeros entulhos nas florestas, praias sujas, rios e lagos poluídos, solos e subsolos contaminados (herbicidas, pesticidas, inseticidas), ares pesados, muitas poeiras, edificações degradadas, excesso de veículos automóveis e transporte público insuficiente, ruído excessivo, incêndios florestais, agricultura intensiva e de monocultura e, sobretudo, muita pressa.    
Ora, com base no relatório de um projeto desenvolvido, em 2008, na Estónia, um grupo de portugueses resolveu agir e propor, a nível nacional, uma iniciativa que consistia em “limpar a floresta num só dia”. Assim nasceu o Projeto “Limpar Portugal” (PLP), movimento cívico de pessoas em regime de voluntariado, que conta já com mais de 23 mil cidadãos registados.
O projeto tem como principal objetivo a promoção de uma educação para o ambiente, através da realização de uma megarrecolha de resíduos depositados ilegalmente em espaços públicos, com particular destaque para a remoção das pequenas “lixeiras” que vão surgindo nas áreas florestais portuguesas. Pauta-se pela necessidade de sensibilizar as pessoas para a preservação do ambiente e pela importância do exercício de uma cidadania criativa, crítica e participativa, envolvendo o maior número de voluntários e parceiros. A primeira iniciativa de grande envergadura foi a realização de uma grande ação de limpeza, a 20 de março de 2010, tendo juntado, nesse dia, cerca de 100 mil voluntários
O PLP é um movimento de cidadãos que tinha, inicialmente, por objetivo a limpeza das lixeiras ilegais existentes na floresta portuguesa, a 20 de março de 2010, e promover, através do sucesso desta iniciativa, uma sensibilização para fomentar comportamentos ambientalmente sustentáveis.
Foi lançado por Nuno Mendes, Paulo Pimentel Torres e Rui Marinho, que se inspiraram no projeto “Let’s Do IT 2008”, que juntou 50mil voluntários, no dia 3 de maio de 2008, na Estónia, para removerem 10 mil toneladas de lixo. Tratou-se de uma das maiores manifestações de cidadania dos últimos anos, em Portugal, conseguindo mobilizar a sociedade e contando com a participação do Presidente da Republica Aníbal Cavaco Silva e da ministra do Ambiente Dulce Pássaro.
As linhas orientadoras do PLP, que foram definidas na primeira reunião nacional, a 31 de julho de 2009, são: tem como objetivo limpar as lixeiras ilegais existentes no espaço florestal de Portugal, a 20 de março de 2010; é um movimento cívico de pessoas em regime de voluntariado; não aceita doações em dinheiro; aceita e agradece doações de bens e de serviços que possam contribuir para a prossecução do objetivo (por exemplo, luvas, sacos de lixo, disponibilização de transportes e/ou máquinas de remoção, etc.); como única contrapartida, permitirá a todas as pessoas e instituições que contribuam para o objetivo, a utilização do logotipo do PLP na sua comunicação institucional, com a indicação de “Apoia o Projeto Limpar Portugal”; funciona com uma coordenação nacional e com as coordenações regionais (distritais e concelhias) que forem necessárias; fica vinculado pelas decisões tomadas em reuniões presenciais, a realizar, pelo menos, uma vez por mês, em locais a designar, abertas a todos os seus membros.
O PLP usa como rede social principal a plataforma Ning. Em novembro de 2009, a rede contava com 14 mil membros inscritos (334 grupos, praticamente um por concelho), com alguns grupos para coordenações distritais e grupos de interesse especial (por exemplo, escuteiros e escolas).
O trabalho a fazer antes do dia 20 de março de 2010 consistiu em criar estruturas de coordenação a nível concelhio; divulgar a iniciativa entre os conhecimentos de cada um, para que as pessoas se registassem na rede social; fomentar protocolos com todo o tipo de entidades que pudessem ajudar; mapear e classificar as lixeiras existentes em todo o país.
O registo e mapeamento de resíduos tiveram início a 11 de novembro de 2009 e foram feitos através da plataforma 3rdBlock.net, com o apoio da Universidade de Aveiro.
A preocupação da limpeza nunca mais parou, antes foi assumida pela maior parte das autarquias das escolas e estendeu-se a todo o Mundo, vindo a instituir-se o 16 de setembro como o Dia Mundial da Limpeza, a cargo do movimento “Let’s Do It”, que já envolveu, desde 2011, mais de 70 milhões de pessoas de todo o Mundo para participar em limpezas ambientais e para enfrentar a crise global do lixo, tão preocupante como a das alterações climáticas (e do aquecimento global).  
A primeira celebração do Mundial do Dia da Limpeza aconteceu em 2018. Participaram mais de 17 milhões de voluntários, em 157 países. Uniram-se pessoas de todas as idades, para limpar os espaços públicos, como ruas, praças, parques, praias e manguezais.
Manguezal, mangal ou mangue) é um ecossistema costeiro de transição – solo pobre em oxigénio, húmido, lodoso e salino – entre os biomas terrestre e marinho, com grande quantidade de matéria orgânica em decomposição).
Em 2021, estavam cadastrados 50 milhões de voluntários, mobilizando as ações em mais de 180 países. Essas mobilizações coletivas, além de fazerem a diferença real nos locais escolhidos, também chamam a atenção, favorecem a reflexão e a reeducação das atitudes quotidianas.
Em 2019, a organização foi reestruturada, e o Dia Mundial da Limpeza passou a ser realizado pela Let’s Do It World, que, em 2023, anunciando os melhores resultados em quatro anos – 19,1 milhões de participantes limparam em 198 países e territórios, incluindo 90% dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) – agradecia a todos os voluntários, equipas, líderes nacionais, parceiros globais e todos os que contribuíram para o grande sucesso. “Conseguimos juntos!”
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Enfim, não precisamos de qualquer limpeza política de feição xenófoba, étnica, corográfica, sexual, religiosa, nem de qualquer outra modalidade de exclusão. Precisamos, sim, da mobilização de todos para as grandes causas, nomeadamente para a limpeza ecológica.

2024.01.20 – Louro de Carvalho


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