segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A Ucrânia: entre o caminho de lutar ou o de desaparecer?

 

Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano, a 14 de janeiro, em declarações à margem de uma reunião preparatória do Fórum de Davos, afirmou que o seu país está entre o caminho de lutar ou o de desaparecer, rejeitando a possibilidade de um cessar-fogo com Moscovo, pois, alegadamente, “os Russos não querem a paz”. E advertiu que não vencer não é opção para a Ucrânia, porque isso seria equivalente a desaparecer.

“Hoje aqui falamos de ordem mundial e de justiça”, referiu, em mensagem divulgada no canal Telegram, em que evidenciou as consequências dos recentes ataques massivos de mísseis da Rússia contra cidades ucranianas e alertou que o simples cessar-fogo não terminaria a guerra, mas só daria pausa a Moscovo para reforçar as suas forças, uma vez que só aspira à dominação.

“Definitivamente, não é o caminho para a paz. Os russos não querem a paz. Querem a dominação. Portanto, a escolha é simples: ou perdemos e desaparecemos, ou vencemos e continuamos a viver. E estamos a lutar”, disse Yermak citado pela agência ucraniana Ukrinform.

O chefe de gabinete de Volodymyr Olexandrovytch Zelensky frisou que, nestes quase dois anos de guerra, as forças ucranianas libertaram mais de 50% do território ocupado pela Rússia e, com pequenas capacidades navais próprias, destruíram um quinto do potencial da frota de Moscovo do Mar Negro Russo. “Se o direito internacional e a integridade territorial da Ucrânia não forem restaurados, qualquer agressor, em qualquer parte do Mundo, poderá apoderar-se, amanhã, de um pedaço de qualquer país e realizar eleições falsas”, vincou, sustentando que o único caminho de paz a seguir é o que leve à garantia da preservação da sobrevivência, da integridade, da soberania e do desenvolvimento da Ucrânia.

Efetivamente, a guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, mas não teve significativos avanços no teatro de operações, nos últimos meses, mantendo os dois beligerantes irredutibilidade de posições territoriais e aversão a cedências negociais.

As últimas semanas foram marcadas por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra as cidades e infraestruturas ucranianas, enquanto as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia ilegalmente anexada em 2014.

A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, a fim de, alegadamente, proteger as minorias separatistas pró-russas no Leste e desnazificar o país, independente desde 1991, após a desagregação da União Soviética, e que tem vindo a afastar-se do espaço de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.

Andriy Yermak referiu que a reunião em Davos, abordará cinco dos 10 pontos da fórmula de paz de Volodymyr Zelensky, “incluindo a retirada das tropas russas, a restauração da justiça, a segurança ambiental, a prevenção da recorrência da guerra e a confirmação do fim da guerra”.

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Com a guerra num impasse (segundo os observadores), com o enfraquecimento da atenção e do apoio internacional e com o inverno a agravar as condições de vida, a situação é grave.

Na frente militar, a situação é preocupante. Apesar de conquistas táticas, a contraofensiva esperada não se concretizou. Ao invés, Valerii Zaluzhnyi, comandante-chefe das forças armadas ucranianas fala em impasse; a opinião pública acusa esgotamento emergente; a comunidade mundial está indiferente, os pacotes de ajuda parados, o transporte por camiões bloqueado; e mísseis russos atacam as infraestruturas energéticas.

Politicamente, a situação é periclitante. A opinião dominante mistura chauvinismo linguístico e neoliberalismo desenfreado. O efeito “todos pela bandeira” diminui, mas persiste: o presidente, o exército e os voluntários gozam de alto nível de confiança; e a maioria da população não quer eleições, baseada nos custos, nas limitações da lei marcial, na falta de segurança e na incapacidade de votar parte significativa dos Ucranianos.

Porém, a adesão à causa da guerra é diferente. No início, cidadãos de todos os estratos sociais faziam fila em frente dos centros de recrutamento, mas já não é assim. O grande instrumento de recrutamento militar é a mobilização, com todos os seus problemas. De facto, para que as pessoas arrisquem as suas vidas, têm de ter a certeza de que isso é justo e de que elas ou as famílias serão protegidas, se acontecer alguma desgraça. E é preciso oferecer-lhes a possibilidade de participarem na definição do futuro do país.

Estar ao lado da Ucrânia (ou contra) nem sempre é apelativo. Responsáveis públicos utilizam o medo e incrementam o ódio; lobistas corporativos sonham com a destruição de todo o social; aspirantes a neofeudais anseiam manter a fronteiras fechadas, para os servos não escaparem; xenófobos da classe média apelam à privação do direito de voto dos residentes nos territórios ocupados; e o próprio Zelenski apoiou inequivocamente a potência ocupante de Israel, como se esquecesse que o seu país está a sofrer com as pretensões pseudo-históricas do vizinho.

Entretanto, os agricultores de Kherson cultivam o solo cheio de minas; os condutores de comboios de Kiev entregam abastecimentos vitais em comboios em mau estado; enfermeiras mal pagas de Lviv cuidam de doentes e de feridos; os mineiros de língua russa de Kryvyi Rih lutam para proteger a terra natal; os trabalhadores da construção civil de Mykolaiv limpam os escombros perigosos para construir de novo, mas lutam para alimentar as famílias.

Apesar de o apoio internacional político e militar estar em falência (não se esperava que a guerra durasse tanto), há inúmeras iniciativas de apoio cívico à Ucrânia, tal como as críticas aos países que dão apoio militar e logístico a uma guerra que alguns dizem de procuração.  

Não se duvida da dependência da Ucrânia do apoio externo. Ninguém quer que os seus impostos acabem em conta bancária suíça, em vez de servirem os necessitados. Por isso, é lógico exercer pressão para incluir cláusulas sociais nas condições de ajuda e nos contratos públicos e denunciar as práticas desleais. Assim, a ajuda à reconstrução futura deve ser acompanhada de emprego verde e protegido, de salário digno, de controlo sindical, de responsabilidade do empregador e de ambiente de trabalho saudável e seguro.

A dívida externa ultrapassa os 93 mil milhões de dólares. Ao longo dos anos, a contração de empréstimos foi saída fácil para os governos evitarem questionar o status quo e interferirem com os oligarcas. Os empréstimos recentes têm requisitos rigorosos para contrariar a captura do Estado. Mas o montante da dívida pendente é pretexto para justificar a austeridade e reproduz a dependência, sendo financiada a reconstrução por novos empréstimos. O que se ganha gasta-se no reembolso. É de questionar se é justo as pessoas das terras devastadas pagarem por decisões erradas da classe dominante. E é de recordar a principal lição do sucesso do Plano Marshall: os países devastados pela guerra precisam de subsídios, não de empréstimos.

Também é dedafio a resolução do desafio demográfico, após a guerra, e a reintegração do Donbass e da Crimeia. Não são as fronteiras fechadas, não é a propaganda, mas salários decentes, habitação acessível e segurança social que podem convencer as pessoas a ficar ou a regressar. Não é a moralização arrogante, os testes de idoneidade ou os campos de reeducação, mas o respeito mútuo, o reconhecimento da dignidade humana e a responsabilidade partilhada pela reconstrução que permitem a reconciliação.

Há muito tempo que os Ucranianos estão desiludidos com os governantes e, muitas vezes, não têm qualquer influência sobre eles. Por isso, não é de admirar que haja uma maior confiança no envolvimento internacional. Os movimentos populares de todo o Mundo acumularam enorme experiência política que pode ser partilhada. Contudo, o dito Ocidente, que decretou sanções económicas a Russos e à Rússia e, em nome do direito à defesa e dos valores personalistas ocidentais, apoiou a Ucrânia, incondicionalmente, com armas, com formação militar e com combatentes, parece estar a desistir. A convicção esvaziou-se e a coerência instalou-se.   

O direito de se defender não tem sentido sem meios de luta. Por isso, entram em contradição os que, agora, recusam o fornecimento de armas, o que significa ameaça à sobrevivência da Ucrânia como país. E é de não esquecer que disponibilidade e utilização de armas são diferentes. Assim, ainda que a guerra termine na mesa de negociações, ter armas não deixará a Ucrânia à mercê da Rússia, nem a Ucrânia ficará indefesa, se Putin violar as tréguas.

Atualmente, não há condições prévias para solução rápida. O exército russo não controla totalmente nenhuma das regiões que ocupou, com exceção da Crimeia. Porém, todas são mencionadas na Constituição russa como parte inalienável da Rússia. Também a Ucrânia está vinculada pela Constituição. Curvar-se traz o risco de sérios problemas internos. E, se nenhuma força prevalecer, haverá o risco de conflito prolongado, com mais destruição e menos esperança de recuperação. O melhor debate seria o da segurança de vidas civis, a integração de refugiados e a redução das consequências para o Mundo, por exemplo, estabelecer zonas desmilitarizadas da Organização das Nações Unidas (ONU) nas centrais nucleares.

A melhor garantia de paz será a Rússia democrática. Embora o imperialismo russo seja mais fraco do que os seus rivais, desafiar a hegemonia dos Estados Unidos da América (EUA) não o torna mais progressista, nem mal menor para os que vivem ao seu lado. Mesmo antes da viragem da Rússia para o expansionismo, a vida na Ucrânia era marcada pela sua constante interferência na vida política e económica, pela sua luta pelo domínio cultural e pela sua projeção de poder militar, nomeadamente através da instalação de bases militares na Crimeia.

A esperança sempre foi a de que forçar a Rússia a retirar desencadeasse uma mudança interna. É por isso que a Ucrânia continua a luta, o que tem custos: acima de tudo, o número de mortos e de feridos. A questão é saber por quanto tempo a sociedade ucraniana pode suportar tal sacrifício e quais serão as consequências.

As partes podem decidir explorar a possibilidade de armistício. Mas é de ter em conta que a Ucrânia é um Estado mais fraco, devastado pela guerra e com graves problemas demográficos. O maior receio em relação a um cessar-fogo é acabar esquecida. É por isso que os Ucranianos querem aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), como dissuasão e como garantia de paz. Com efeito, se a legitimidade das “esferas de influência” for reconhecida, os Estados mais pequenos terão de aderir a um dos blocos; se as potências nucleares puderem ditar a sua vontade, ninguém escolherá o desarmamento; se a dependência dos combustíveis fósseis permitir que autocratas façam chantagem com o Mundo, pouco ficará da democracia; se a Ucrânia cair, nada impede patrões criminosos e redes mafiosas do país de se aproveitarem de milhões de pessoas traumatizadas e despossuídas; enfim, se acontecer o pior, será mais um prego no caixão da paz global, contribuindo para a crescente instabilidade.

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Entretanto, o presidente ucraniano afirmou, a 14 de janeiro, que espera chegar a acordos bilaterais de segurança com outros países, à semelhança do que foi assinado, no dia 12, com o Reino Unido, que visa o compromisso de outros Estados a ajudar rapidamente a Ucrânia, se esta voltar a ser atacada pela Rússia, após o fim da guerra em curso.  

Por outro lado, como avançou, no dia 13, no comunicado diário sobre a guerra, o Ministério da Defesa russo, as Forças Armadas russas lançaram, na frente de combate, ataque combinado com mísseis navais e aéreos, incluindo mísseis hipersónicos Kinzhal, e drones contra alvos da indústria militar ucraniana. De acordo com a tutela, os alvos eram “fábricas de produção de projéteis de 155, 152 e 125 milímetros, pólvora e drones”, tendo sido atingidos todos os alvos.

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A guerra continua e ninguém ouve o Papa clamar: “A guerra é crime contra a Humanidade!”

2024.01.14 – Louro de Carvalho

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