quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Mole enorme de polícias descontentes encheu a capital

 

O descontentamento nas forças de segurança era óbvio, mas em surdina. A falta de condições de trabalho, o mau estado das instalações e das viaturas, a magreza salarial eram – e são – as aflições dos elementos da Guarda Nacional Republicana (GNR), da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Mas a gota de água, para o ostensivo patenteamento do protesto, foi o aumento do subsídio de risco aos elementos da Polícia Judiciária (PJ), com retroação ao início de 2023, recentemente decretado pelo governo, superando, em muito, o das outras polícias, cuja missão de risco não é menor, segundo alegam.

Por isso, a 24 de janeiro, culminando três semanas de protesto, mais de 13 mil polícias marcharam em Lisboa, para exigir suplemento de missão igual para todas as forças de segurança, reivindicação em que têm o expresso apoio do Presidente da República (PR), a “compreensão” (não a análise jurídica: é “uma questão de remuneração” que “tem que ser revista e analisada”) da bastonária da Ordem dos Advogados (OA) e, obviamente, a “ajuda” dos comentadores da praça e dos partidos da oposição. Neste aspeto, pararam as greves dos médicos e dos professores, à espera das decisões do governo que resultar das eleições de 10 de março, mas, graças a uma medida discriminatória em prol de uma das polícias, sem ter em conta similar necessidade das outras, as forças de segurança alertaram o país. Mais um espinho para o governo de gestão!          

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Esquadras da PSP fechadas, postos da GNR sem patrulhas, detenções em queda e o rotundo não às propostas do Ministério da Administração Interna (MAI). As forças de segurança não abdicam de suplemento de risco igual ao da PJ, juntaram forças e prometeram a maior manifestação de polícias que o país já viu. Alguns polícias solicitaram a folga para estarem no protesto. Ensaiou-se a coreografia, foram aprontados os adereços e contratados os autocarros. Preparam roupa escura, que exibiram, e assumiram, provisoriamente, o silêncio como grito da reivindicação.

Entretanto, em plena preparação do protesto, os polícias receberam, com estupefação, a proposta do MAI que “só exaltou os ânimos”. Como noticiou o Diário de Notícias, em cima da mesa está a atribuição do suplemento de risco na ordem dos 600 euros, que custa ao Estado cerca de 154 milhões de euros, a negociar “após as eleições”. Porém, os polícias querem um valor equiparado ao suplemento da PJ, que subiu para os 1070 euros mensais. Sem isso, “não há motivos para desmobilizar, antes pelo contrário, dá uma maior força às reivindicações”, defende Bruno Pereira, dirigente da plataforma de sindicatos das forças de segurança.

As contas dos sindicatos apontam para uma despesa de 400 milhões de euros, muito superiores às contas do MAI. “A nossa luta é por um subsídio de risco de 1070 euros, não pela soma de subsídios que, tal como a PJ, já recebemos”, explicou o dirigente sindical.

Segundo o MAI, a sua proposta “visa unificar todos os suplementos a serem pagos em 14 meses”. Assim, os 600 euros resultam da fusão dos diversos suplementos que PSP e GNR recebem, como as remunerações pela condição militar, patrulhamento, risco, penosidade ou fardamento. Porém, Bruno Pereira lembra que, na PJ, há outros subsídios não englobados no suplemento de risco. O oficial não esconde o espanto com a proposta do MAI, “que chega, após semanas de protestos, sem um incidente”. E a “desilusão deu novo alento aos protestos”, que mobilizaram os oficiais e agentes de todo o país.

Houve indicações para “vestir de preto ou de cor escura, pelo menos a parte de cima”, como houve recomendações aos muitos que levaram tenda e saco-cama, com grande impacto visual, pela incerteza, quanto ao tempo que poderiam ficar no Parlamento.

Os autocarros, com um custo que “ultrapassa os 800 euros cada um, foram fretados e pagos pelos sindicatos”, informou um intendente da PSP. Os sócios dos sindicatos não pagaram transporte e os não sindicalizados contribuíram com valores entre cinco a dez euros.

Em toda a viagem houve elementos a garantir a segurança para que não houvesse excessos.  

À chegada ao Quartel do Carmo, em Lisboa, havia elementos identificados com coletes refletores para garantir o protesto ordeiro. Do Quartel do Carmo ao Parlamento, a manifestação foi encabeçada pelos dirigentes sindicais, “todos vestidos de preto, em silêncio e de forma ordeira”, como prometeram. No Parlamento foi criado “um corredor de cinco metros de largura, entre as grades e os primeiros polícias”. A norte, alguns elementos garantiam “desfilar de bandeira nacional erguida”. E o líder da plataforma de sindicatos reconhecia poderem existir excessos, mas houve elementos a postos, para retirar os manifestantes que quisessem causar tumulto.

Para segurança (as redes sociais falavam na hipótese de infiltrados), houve forças da Unidade Especial de Polícia, destacadas para o Parlamento, e militares da GNR, a reforçar o Quartel do Carmo. Também o Ministro da Administração Interna teve a segurança policial reforçada.

O comando da PSP destacou “o profissionalismo dos polícias” e lembrou que os protestos têm decorrido com “integridade e civismo, não adotando comportamentos que coloquem em causa a boa imagem da instituição”. Contudo, o comando da PSP assumia alguns receios, mas esclarecia que não aconteceria qualquer policiamento que pudesse implicar alteração de ordem pública.

O comando nacional da GNR, que não tem competência de policiamento na área da manifestação, garantia que, nas “imediações do Quartel do Carmo, seriam tomadas apenas as medidas de segurança consideradas necessárias. Também na corporação, o comando assumia “os valores e os princípios que pautam a condição militar, com a convicção de que todos saberão estar à altura das suas responsabilidades, agindo em escrupuloso respeito da Lei e preservando o bem maior, que é a liberdade e a segurança de Portugal e dos portugueses”. “O que aconteceu em 2013 não se vai repetir, cairia muito mal qualquer confronto entre polícias, sabemos que há reforço de segurança à retaguarda, mas este será um protesto pacífico”, assumia um capitão da GNR.

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Milhares de polícias reuniram-se no Largo do Carmo, em Lisboa, provindos de vários sítios do país, em autocarros. O largo enchia cada vez mais. Impávidas, no Quartel do Carmo, as sentinelas, sisudas, colaboraram no canto do hino nacional, “de sorriso envergonhado”. “Ordem, não pode haver percalço, para garantir a igualdade de suplemento”, gritou um sindicalista. Um oficial acenou, concordou e pediu: “Que não haja excessos ou tentativa de subir a escadaria.”

Aos 60 autocarros saídos de todo o país, a quem veio em carrinhas e automóveis particulares e aos que voaram das ilhas juntaram se os agentes do comando de Lisboa, o maior do país. A marcha até ao Parlamento começou. Polícias, militares, oficiais, agentes, chefes e sargentos. E gritaram. “Estamos juntos. Ao Parlamento!”

Alinhados, a pé. Na frente, as motos da PSP abriram caminho e polícias fardados acompanharam os protestos (Polícias policiam polícias!). Imperou a simpatia e o trabalho dos repórteres foi facilitado. Em passo mastigado, com três carros-patrulha na frente da longa coluna, escutaram-se lamentos. Alguns grupos contavam os problemas do serviço.

Uma hora depois, a coluna da manifestação estava no Largo Sousa Macedo, muitos metros à frente, as motas policiais cortavam ruas, o Parlamento ainda longe. Rodeados por 50 delegados sindicais, identificados com um colete fluorescente, continuaram a marcha por entre apitos, o hino nacional e muitas queixas. O líder da plataforma de sindicatos protestou contra o “tratamento desigual, quando as grandes polícias nacionais não viram o acompanhamento de compensação, para uma profissão especial, de desgaste rápido”.

Com a cobertura da imprensa internacional, já na escadaria do Parlamento, a certeza de que os polícias recusarão o referido estudo do MAI, que tem de ser sustentado, pois há suplementos que nem todos os polícias recebem”, Bruno Pereira lembrou que “subsídios de turno e piquete só ganha os faz, pelo que é preciso descortinar os números e ter em conta a lei geral do trabalho que impõe uma matriz horária com um subsídio de turno, que varia entre 15 a 25%.

Com vários comissários a acompanhar os protestos, o Largo das Cortes ficou lotado. No topo das escadarias, veículos da Unidade Especial de Polícia, visíveis, por detrás das grades. Entre os manifestantes, “elementos dos Serviços de Informação e Segurança”, anotou um oficial da GNR.

Um chefe da PSP lembrou que “os jovens não querem ingressar, outros saíram após o curso, voltaram a estudar”.

Às 19h50, os últimos elementos da manifestação chegaram ao Parlamento. Ali, houve conversas, atenção à eventual subida das escadas, cuidado em retirar elementos da barreira de cinco metros que defende o acesso ao edifício. E os delegados sindicais travaram uma escaramuça com dez elementos que tentaram subir a escadaria do Parlamento.

Havia grupos a beber cerveja, outros a comer batatas fritas, para enganar a fome, havia mais carrinhas da Unidade Especial de Polícia e soou o hino. Para lá das grades, os agentes equipados e fardados tomaram a posição de sentido e cumpriram o regulamento. Um movimento que repetiram, várias vezes, ao longo da noite, olhando a enorme bandeira nacional a ondular com a leve brisa da noite. “Um exemplo de boa conduta”, afirmaram vários militares. Firmes, gritaram palavras de ordem, acenderam lanternas e assim permaneceram.

A faixa de cinco metros foi respeitada, só se avistavam os polícias e o grupo coeso de presidentes de sindicatos, que encabeçou a marcha e esteve nas escadarias, atrás das grades. Não houve discursos. E os polícias fizeram contas: “13 a 15 mil pessoas. Não se rompia no Largo das Cortes.”

Prometeram regressar no dia 26, para falarem com o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS), o partido do governo. E, a 29, têm encontro marcado com Pedro Nuno Santos, o secretário-geral do PS. No MAI, está dada a garantia de que não haverá aumentos nos suplementos de risco. “Seja qual for o governo, será a quem vier que cabe tomar a decisão”, resume a fonte oficial.

Todavia, os polícias não desistem dos protestos. O próximo ficou agendado para 31 de janeiro, no Porto. Entretanto, voltam ao trabalho, mas alguns dormiram no Parlamento. Até conseguirem os 1070 euros de suplemento de missão, igual ao da PJ. “Promessa feita”, assume um militar, antes de se embrulhar no saco-cama e de fechar a tenda.

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O MAI, que entendia que o dito subsídio devia ser integrado no vencimento mensal, fez contas e preparou, como foi referido, um dossiê, para entregar ao governo que sair das eleições, que prevê aumentos de 1476 euros, para a GNR, e 1215, para a PSP (mais 594 euros para a PSP e 806 para a GNR, acrescidos dos suplementos em vigor), o que não convence a plataforma de sindicatos, que não desmobiliza os protestos. Porém, o MAI alerta que “é preciso distinguir quem tem uma missão mais arriscada, de outros que estão nas esquadras e postos a fazer trabalho burocrático”. Assim, o suplemento deve ter em conta “o grau de complexidade”.

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Resta a questão se o governo em gestão pode aumentar os polícias. A plataforma de sindicatos das polícias diz ter um parecer jurídico favorável ao seu intento. E, pelos vistos, no governo, o assunto é controverso. Porém, o ministro da Administração Interna é taxativo: uma decisão destas só com um novo governo.

Advogados e ex-governantes lembram que o MAI, com o governo em gestão, tem condições para desbloquear o impasse. E, no governo, o desconforto com os protestos das polícias está a causar divisões. A Constituição é equívoca, ao permitir só “a gestão dos negócios públicos”. E alguns pensam que os aumentos “podem ser considerados despesa inadiável, para garantir a ordem pública, pelo que dificilmente, com vontade política, o PR vetaria um diploma nestas condições. Ao invés, há quem sustente (e eu também) que “é boa prática, com eleições marcadas para março, não comprometer a despesa pública”, até porque “tal poderia ser entendido como eleitoralismo, o que obriga o executivo a fazer uma interpretação mais restrita da lei, mesmo concordando com as razões das forças de segurança”. No entanto, os polícias merecem e precisam.

2024.01.25 – Louro de Carvalho

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