quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

MP muda de opinião sobre medidas de coação na Operação Influencer

 

Os três procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), responsáveis pela Operação Influencer, mudaram de opinião e entendem que Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de António Costa, e Diogo Lacerda Machado, ex-consultor da Start Campus devem ficar em liberdade, mas impõem algumas condições, como a proibição de contactos com outros suspeitos.

Antes da decisão do juiz de instrução criminal (JIC) Nuno Dias Costa, que pôs em liberdade o ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro (PM) António Costa e o ex-consultor da Start Campus, o Ministério Público (MP) tinha pedido a prisão preventiva para os dois arguidos, invocando o perigo de fuga, a continuação da atividade criminosa e a perturbação do inquérito. Porém, no recurso do DCIAP às medidas de coação aplicadas pelo juiz, os procuradores admitiram uma mudança sobre a medida de coação mais pesada, em relação a estes dois suspeitos.

“Não obstante a urgência dos autos e a certeza de que o presente recurso será apreciado com toda a celeridade possível, decorrerão ainda vários meses até à prolação do acórdão, pelo que o Ministério Público não pode deixar de prever que, em tal momento, se verifiquem circunstâncias que atenuem as exigências cautelares”, aduzem os procuradores liderados João Paulo Centeno.

Segundo o MP, “embora não se vislumbre de que modo tais exigências poderão ser totalmente debeladas, certo é que os arguidos Vítor Escária e Diogo Lacerda Machado encontram-se em liberdade há cerca de um mês e assim previsivelmente permanecerão, durante esses vários meses, até à decisão do recurso, pelo que se admite que, nesse momento não seja necessária a aplicação de uma medida privativa da liberdade a tais arguidos”.

Assim, o MP entende que, além da medida de obrigação de não se ausentarem para o estrangeiro, em vigor, os dois arguidos devem ficar proibidos de contactar com outros suspeitos do caso, bem como membros do governo, ou com dirigentes da Câmaras de Sines, da REN ou da APA; não frequentar os espaços e gabinetes da Start Campus, dos ministérios e das secretarias de Estado; e, no caso de Vítor Escária, ser obrigado a prestar uma caução (Lacerda Machado já pagou uma no valor de 150 mil euros, decidida pelo JIC).

O MP não pediu a prisão preventiva dos dois administradores da Start Campus detidos, mas “entende que se verifica perigo de fuga [...], principalmente em relação” a Afonso Salema, pois “viveu no Reino Unido durante vários anos, pelo que existe a forte probabilidade de o mesmo retomar a sua vida em tal país”. Os procuradores tinham pedido o pagamento da caução de 200 mil euros, para Salema, e de 100 mil para o outro administrador, o advogado Rui Oliveira.

E o MP insiste que Rui Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, foi corrompido com o patrocínio de cinco mil euros ao Festival de Músicas do Mundo, pelo que deve perder o cargo.

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No entanto, o recurso do MP às medidas de coação na Operação Influencer arrasa as decisões do JIC e põe em xeque o presidente da câmara de Sines, que se queixou da contribuição “miserável” de cinco mil euros, o ex-ministro das infraestruturas João Galamba, que é considerado o líder do “conluio”, e Diogo Lacerda Machado, que pode estar a continuar a cometer crimes e todos os arguidos põem em causa a “paz social”.

Apesar de não ter sido detido e de nem ter prestado declarações à Justiça, embora tenha, há mais de um mês, solicitado ser ouvido, João Galamba é tido pelos procuradores como o “verdadeiro mentor” do esquema que, alegadamente, daria vantagens ao Data Center de Sines, a Start Campus.

Parece-nos cristalino que o arguido não só atuou conluiado com os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, da Start Campus, como foi, na verdade, o autor e verdadeiro mentor dos factos ora em apreço, escreve o MP no recurso.

Segundo o MP, “todos os atos foram praticados” por João Galamba, enquanto membro do governo “ou, pelo menos, seriam por si preparados e apresentados em Conselho de Ministros”.

Os procuradores reforçam as suspeitas de que o ex-ministro quis introduzir disposições legais que abrangessem a Start Campus “e permitissem que esta beneficiasse das medidas de agilização de procedimentos que ali ficaram consagradas”. E deram como exemplo o contacto, a 12 de outubro de 2023, em que o então ministro pediu que a empresa lhe enviasse uma informação com as normas de que poderiam beneficiar a atividade do Data Center de Sines. Ao invés do que defendeu o JIC, o MP não tem dúvidas de que Galamba é suspeito de prevaricação, neste caso.

Os três procuradores consideram, por outro lado, que “há perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, quanto a todos os arguidos detidos” e apontam o dedo, de forma mais acentuada, a Diogo Lacerda Machado e a Vítor Escária.

O MP pedira a prisão preventiva do ex-melhor amigo e do ex-chefe de gabinete do PM demissionário, mas o juiz Nuno Dias Costa, ficou-se pela apreensão dos passaportes e pela aplicação de uma caução a Lacerda Machado, o lobista que deu o nome à Operação.

No recurso, o MP alega que há “perigo de continuação da atividade criminosa” deste arguido, porque “nada exclui que [...] possa continuar a desenvolver a sua rede de contactos junto de diversas entidades e titulares de cargos políticos em prol da sociedade Start Campus”.

São de recordar as palavras de António Costa sobre Lacerda Machado, após o pedido de demissão de chefe do governo: “Apesar de, num momento de infelicidade, ter dito que ele era o meu melhor amigo, aquilo que é a realidade é que um primeiro-ministro não tem amigos.”

O único arguido que estava indiciado por corrupção saiu do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) sem uma única medida de coação e livre de qualquer suspeita ou acusação. Contudo, o MP não desiste de ver o presidente da Câmara de Sines acusado por este crime e tenta demonstrar que ele foi corrompido por uma contribuição de cinco mil euros, para o festival Músicas do Mundo, e por quantia “não determinada”, para as camadas jovens do clube de futebol da terra, o Vasco da Gama.

No despacho que o livrou de qualquer suspeita, o JIC alegou que o presidente da Câmara delegou competências numa vereadora para aprovar as licenças essenciais à construção do Centro de Dados, mas os procuradores sustentam que o juiz incorreu, uma vez mais, “num erro”. “O crime de corrupção deve ter-se por verificado independentemente de o arguido ter ou não competência específica para proferir ou omitir o ato perspetivado, bastando que exista uma relação ou conexão funcional de facto com os poderes para o ato”, escrevem. Ou seja, alegam que Nuno Mascarenhas tinha “competência para agendar a reunião de Câmara e nela incluir um ponto da ordem de trabalhos relativo ao procedimento” desejado pela Start Campus, “a que acresce a posição hierárquica sobre os funcionários que tinham de instruir tal procedimento, o compromisso de encurtar o mais possível os prazos até à marcação da reunião”, o que “é, claramente, um ‘ato’ com relevo para a imputação do crime de corrupção”.

O procurador João Paulo Centeno recorda que Lacerda Machado se “referiu” à “deceção” de Mascarenhas com o patrocínio recebido pelos administradores da Start Campus. “Pediu a outras empresas e todas deram entre os 25 mil e os 50 mil euros, O patrocínio mais miserável que veio foram estes cinco mil euros. Lacerda Machado chegou a censurar a mulher de Afonso Salema, porque o presidente da Câmara ficou profundamente dececionado com a míngua do patrocínio, que foi deliberada para o festival: cinco mil euros.”

Logo no início das mais de cem páginas do recurso, o MP explica ao que vem: “As considerações tecidas pelo meritíssimo juiz de instrução criminal não são juridicamente acertadas.”

Porém, os procuradores consideram ter cometido erros no percurso do processo. Após ouvirem os depoimentos dos donos da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, no primeiro interrogatório judicial, durante a sua detenção, o MP admite que tenha sido “suscitada dúvida sobre se a redação da Portaria 248/2022, de 29 de setembro, teve por base atuação dos dois arguidos”, defendendo, agora, que “não sejam considerados fortemente indiciados”.

No despacho de indiciação, o MP apontava a Galamba suspeitas de este ter aprovado, em 2022, uma portaria com contributos dados por advogados ligados à Start Campus, em benefício desta, quando aquele diploma nada tem a ver com o projeto do centro de dados de Sines.

Outra emenda posta a nu, no recurso do DCIAP, depois do interrogatório judicial aos ex-donos da Start Campus, foi a de que, a 12 de outubro, Galamba ligou a Afonso Salema diretamente, e não através de Diogo Lacerda Machado, como havia sido imputado no mesmo despacho.

Nas páginas do recurso, há menções, mas apenas de forma indireta, a António Costa, que está a ser investigado num inquérito autónomo pelo MP do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). 

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Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária também recorreram das medidas de coação impostas pelo JIC.

Diogo Lacerda de Machado, o lobista e ex-melhor amigo do PM, saiu do TIC indiciado por tráfico de influência, sujeito ao pagamento de uma caução de 150 mil euros e à proibição de se ausentar para o estrangeiro. E recorreu, porque, “à míngua de prova direta do pacto criminoso, o despacho [do juiz] socorre-se do caso REST/AIA [o procedimento de licenciamento ambiental para expansão do Centro de Dados], para poder concluir pelo de tráfico de influência”, argumenta o seu advogado, Magalhães e Silva.

Para a defesa do homem que deu o nome à Operação Influencer, o JIC parte do princípio de que “a emissão de AIA [Avaliação de Impacto Ambiental] favorável teria sido emitida após 22 de dezembro de 2022, por pressão do arguido. Porém, como demonstra a transcrita conversa telefónica entre João Galamba e o presidente do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas], a decisão sobre a AIA já estava tomada em maio de 2022, logo, é cronologicamente impossível que tal pressão, única que o JIC elege como reveladora do tráfico de influência, tenha ocorrido a 22 de dezembro de 2022, sete meses depois de a decisão estar tomada. Ora, sem indícios de crime, não há medidas de coação, excetuando o termo de identidade e residência (TIR) até ao arquivamento do processo.

Vítor Escária, ex-chefe de gabinete do PM, também indiciado por tráfico de influência e proibido de se ausentar do país, recorreu. Nas buscas de 7 de novembro ao Palácio de São Bento, foram encontrados 75,8 mil euros em dinheiro, no gabinete de Vítor Escária. A defesa garantiu que aquele montante nada tem a ver com o processo.

Os dois gestores da Start Campus, Rui Oliveira Neves e Afonso Salema, ficaram sujeitos à medida de coação de TIR e não vão, por isso, recorrer. O quinto detido, Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, saiu do tribunal de instrução livre de quaisquer medidas de coação, porque não foi indiciado de um único crime, ao contrário do que o MP pretendia.

Tanto o MP como os arguidos que recorreram dispõem de 30 dias para responder aos recursos uns dos outros, e o processo seguiu para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que decidirá quem tem razão nas medidas de coação e nos crimes imputados aos arguidos.

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Tudo espremido, com ou sem razão, parece que a intenção do MP é “encurralar” detentores do poder político stricto sensu, designadamente um ex-secretário e Estado e ex-ministro que não caiu achou graça na opinião pública, um presidente de câmara e, em última análise, o primeiro-ministro (corre processo no MP do STJ). É de mais considerar o ex-ministro o mentor e o líder do “conluio”. Não sei se ele sabe da importância que tem!

Depois, a bota não dá com a perdigota: Se o ex-amigo e o ex-chefe de gabinete do PM, podem continuar a praticar os crimes de que são indiciados, podem perturbar o inquérito e até fugir, como é que o MP controla a situação apenas com o TIR? E Como é que deixa cair o caso dos 75,8 mil euros encontrados no gabinete de Vítor Escária?  

Talvez tanto espetáculo para a montanha parir um rato!

2024.01.04 – Louro de Carvalho

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