Os três procuradores do Departamento Central de
Investigação e Ação Penal (DCIAP), responsáveis
pela Operação Influencer, mudaram de opinião e
entendem que Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de António Costa, e Diogo
Lacerda Machado, ex-consultor da Start Campus devem
ficar em liberdade, mas impõem algumas condições, como a proibição de contactos
com outros suspeitos.
Antes da decisão do juiz de instrução criminal (JIC) Nuno Dias Costa, que
pôs em liberdade o ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro (PM) António Costa
e o ex-consultor da Start Campus, o Ministério Público (MP) tinha pedido a
prisão preventiva para os dois arguidos, invocando o perigo de fuga, a
continuação da atividade criminosa e a perturbação do inquérito. Porém, no
recurso do DCIAP às medidas de coação aplicadas pelo juiz, os procuradores
admitiram uma mudança sobre a medida de coação mais pesada, em relação a estes
dois suspeitos.
“Não obstante a urgência dos autos e a certeza de que o presente recurso
será apreciado com toda a celeridade possível, decorrerão ainda vários meses
até à prolação do acórdão, pelo que o Ministério Público não pode deixar de
prever que, em tal momento, se verifiquem circunstâncias que atenuem as exigências
cautelares”, aduzem os procuradores liderados João Paulo Centeno.
Segundo o MP, “embora não se vislumbre de que modo tais exigências poderão
ser totalmente debeladas, certo é que os arguidos Vítor Escária e Diogo Lacerda
Machado encontram-se em liberdade há cerca de um mês e assim previsivelmente
permanecerão, durante esses vários meses, até à decisão do recurso, pelo que se
admite que, nesse momento não seja necessária a aplicação de uma medida privativa
da liberdade a tais arguidos”.
Assim, o MP entende que, além da medida de obrigação de não se ausentarem
para o estrangeiro, em vigor, os dois arguidos devem ficar proibidos de
contactar com outros suspeitos do caso, bem como membros do governo, ou com dirigentes
da Câmaras de Sines, da REN ou da APA; não frequentar os espaços e gabinetes da
Start Campus, dos ministérios e das secretarias de Estado; e, no caso de Vítor
Escária, ser obrigado a prestar uma caução (Lacerda Machado já pagou uma no
valor de 150 mil euros, decidida pelo JIC).
O MP não pediu a prisão preventiva dos dois administradores da Start Campus
detidos, mas “entende que se verifica perigo de fuga [...], principalmente em
relação” a Afonso Salema, pois “viveu no Reino Unido durante vários anos, pelo
que existe a forte probabilidade de o mesmo retomar a sua vida em tal país”. Os
procuradores tinham pedido o pagamento da caução de 200 mil euros, para Salema,
e de 100 mil para o outro administrador, o advogado Rui Oliveira.
E o MP insiste que Rui Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, foi
corrompido com o patrocínio de cinco mil euros ao Festival de Músicas do Mundo,
pelo que deve perder o cargo.
***
No entanto, o recurso do MP às medidas de
coação na Operação Influencer arrasa as decisões do JIC e põe em xeque o presidente
da câmara de Sines, que se queixou da contribuição “miserável” de cinco mil
euros, o ex-ministro das
infraestruturas João Galamba, que é considerado o
líder do “conluio”, e Diogo Lacerda Machado, que pode estar a continuar a
cometer crimes e todos os arguidos põem em causa a “paz social”.
Apesar
de não ter sido detido e de nem ter prestado declarações à Justiça, embora
tenha, há mais de um mês, solicitado ser ouvido, João Galamba é tido pelos procuradores como o “verdadeiro mentor” do esquema que,
alegadamente, daria vantagens ao Data Center de Sines, a Start Campus.
“Parece-nos
cristalino que o arguido não só atuou conluiado com os arguidos Afonso Salema e
Rui Oliveira Neves, da Start Campus, como foi, na
verdade, o autor e verdadeiro mentor dos factos ora em apreço”, escreve o MP no recurso.
Segundo
o MP, “todos os atos foram praticados” por João Galamba, enquanto membro do governo
“ou, pelo menos, seriam por si preparados e apresentados em Conselho de Ministros”.
Os
procuradores reforçam as suspeitas de que o ex-ministro quis introduzir disposições legais que abrangessem a Start Campus “e
permitissem que esta beneficiasse das medidas de agilização de procedimentos
que ali ficaram consagradas”. E deram como exemplo o contacto, a 12 de outubro
de 2023, em que o então ministro pediu que a empresa lhe enviasse uma
informação com as normas de que poderiam beneficiar a atividade do Data Center
de Sines. Ao invés do que defendeu o JIC, o MP não tem dúvidas de que Galamba é suspeito de prevaricação, neste caso.
Os
três procuradores consideram, por outro lado, que “há perigo de perturbação
grave da ordem e tranquilidade públicas, quanto a todos os arguidos detidos” e
apontam o dedo, de forma mais acentuada, a Diogo Lacerda Machado
e a Vítor Escária.
O MP
pedira a prisão preventiva do ex-melhor amigo e do ex-chefe de gabinete do PM
demissionário, mas o juiz Nuno Dias Costa,
ficou-se pela apreensão dos passaportes e pela aplicação de uma caução a
Lacerda Machado, o lobista que deu o nome à Operação.
No
recurso, o MP alega que há “perigo de continuação da atividade criminosa” deste
arguido, porque “nada exclui que [...] possa continuar a desenvolver a sua rede de contactos junto
de diversas entidades e titulares de cargos políticos em prol da sociedade
Start Campus”.
São de recordar as palavras de António Costa
sobre Lacerda Machado, após o pedido de demissão de chefe do governo: “Apesar de, num momento de
infelicidade, ter dito que ele era o meu melhor amigo, aquilo que é a realidade
é que um primeiro-ministro não tem amigos.”
O
único arguido que estava indiciado por corrupção saiu do Tribunal de Instrução
Criminal (TIC) sem uma única medida de coação e livre de qualquer suspeita ou
acusação. Contudo, o MP não desiste de ver o
presidente da Câmara de Sines acusado por este crime e tenta
demonstrar que ele foi corrompido por uma contribuição de cinco mil euros, para o festival Músicas do Mundo, e por quantia “não determinada”, para as camadas jovens do clube de futebol da terra, o Vasco da
Gama.
No
despacho que o livrou de qualquer suspeita, o JIC alegou que o presidente da
Câmara delegou competências numa vereadora para aprovar as licenças essenciais
à construção do Centro de Dados, mas os procuradores sustentam que o juiz incorreu, uma vez mais, “num erro”. “O
crime de corrupção deve ter-se por verificado independentemente de o arguido
ter ou não competência específica para proferir ou omitir o ato perspetivado,
bastando que exista uma relação ou conexão funcional de facto com os poderes
para o ato”, escrevem. Ou seja, alegam que Nuno
Mascarenhas tinha “competência para agendar a reunião de Câmara e nela incluir
um ponto da ordem de trabalhos relativo ao procedimento” desejado pela Start
Campus, “a que acresce a posição hierárquica sobre os
funcionários que tinham de instruir tal procedimento, o compromisso de encurtar
o mais possível os prazos até à marcação da reunião”, o que “é, claramente, um
‘ato’ com relevo para a imputação do crime de corrupção”.
O
procurador João Paulo Centeno recorda que Lacerda Machado se “referiu” à
“deceção” de Mascarenhas com o patrocínio recebido pelos administradores da
Start Campus. “Pediu a outras empresas e todas deram entre os 25 mil e os 50
mil euros, O patrocínio mais miserável que veio foram
estes cinco mil euros. Lacerda Machado chegou a censurar a
mulher de Afonso Salema, porque o presidente da Câmara ficou profundamente
dececionado com a míngua do patrocínio, que foi deliberada para o festival:
cinco mil euros.”
Logo
no início das mais de cem páginas do recurso, o MP explica ao que vem: “As
considerações tecidas pelo meritíssimo juiz de instrução criminal não são
juridicamente acertadas.”
Porém,
os procuradores consideram ter cometido erros no percurso do processo. Após
ouvirem os depoimentos dos donos da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira
Neves, no primeiro interrogatório judicial, durante a sua detenção, o MP admite que tenha sido “suscitada dúvida sobre se a redação da
Portaria 248/2022, de 29 de setembro, teve por base atuação dos dois arguidos”,
defendendo, agora, que “não sejam considerados fortemente indiciados”.
No
despacho de indiciação, o MP apontava a Galamba
suspeitas de este ter aprovado, em 2022, uma portaria com contributos dados por
advogados ligados à Start Campus, em benefício desta, quando aquele diploma
nada tem a ver com o projeto do centro de dados de Sines.
Outra
emenda posta a nu, no recurso do DCIAP, depois do interrogatório judicial aos
ex-donos da Start Campus, foi a de que, a 12 de outubro, Galamba ligou a Afonso
Salema diretamente, e não através de Diogo Lacerda Machado, como havia sido
imputado no mesmo despacho.
Nas
páginas do recurso, há menções, mas apenas de forma indireta, a
António Costa, que está a ser investigado num inquérito autónomo pelo
MP do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
***
Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária também recorreram
das medidas de coação impostas pelo JIC.
Diogo Lacerda de Machado, o lobista e ex-melhor amigo do PM, saiu do TIC
indiciado por tráfico de influência, sujeito ao pagamento de uma caução de 150
mil euros e à proibição de se ausentar para o estrangeiro. E recorreu, porque,
“à míngua de prova direta do pacto
criminoso, o despacho [do juiz] socorre-se do caso REST/AIA [o procedimento de
licenciamento ambiental para expansão do Centro de Dados], para poder concluir
pelo de tráfico de influência”, argumenta o seu advogado, Magalhães e
Silva.
Para a defesa do homem que deu o nome à Operação Influencer, o JIC parte do
princípio de que “a emissão de AIA [Avaliação de Impacto Ambiental] favorável
teria sido emitida após 22 de dezembro de 2022, por pressão do arguido. Porém,
como demonstra a transcrita conversa telefónica entre João Galamba e o presidente
do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas], a decisão sobre a AIA já estava tomada em maio de
2022, logo, é cronologicamente impossível que tal pressão, única que o JIC
elege como reveladora do tráfico de influência, tenha ocorrido a 22 de dezembro
de 2022, sete meses depois de a decisão estar tomada. Ora, sem indícios de crime, não há medidas de
coação, excetuando o termo de identidade e residência (TIR) até ao arquivamento
do processo.
Vítor Escária, ex-chefe de gabinete do PM, também indiciado por tráfico de
influência e proibido de se ausentar do país, recorreu. Nas buscas de 7 de
novembro ao Palácio de São Bento, foram encontrados 75,8 mil euros em dinheiro,
no gabinete de Vítor Escária. A defesa garantiu que aquele montante nada tem a
ver com o processo.
Os dois gestores da Start Campus, Rui Oliveira Neves e Afonso Salema, ficaram
sujeitos à medida de coação de TIR e não vão, por isso, recorrer. O quinto
detido, Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, saiu do tribunal de
instrução livre de quaisquer medidas de coação, porque não foi indiciado de um
único crime, ao contrário do que o MP pretendia.
Tanto
o MP como os arguidos que recorreram dispõem de 30 dias para responder aos
recursos uns dos outros, e o processo seguiu para o Tribunal da Relação de
Lisboa (TRL), que decidirá quem tem razão nas medidas de coação
e nos crimes imputados aos arguidos.
***
Tudo
espremido, com ou sem razão, parece que a intenção do MP é “encurralar” detentores
do poder político stricto sensu,
designadamente um ex-secretário e Estado e ex-ministro que não caiu achou graça
na opinião pública, um presidente de câmara e, em última análise, o
primeiro-ministro (corre processo no MP do STJ). É de mais considerar o
ex-ministro o mentor e o líder do “conluio”. Não
sei se ele sabe da importância que tem!
Depois, a bota não dá com a perdigota: Se o ex-amigo e o ex-chefe
de gabinete do PM, podem continuar a praticar os crimes de que são indiciados,
podem perturbar o inquérito e até fugir, como é que o MP controla a situação apenas
com o TIR? E Como é que deixa cair o caso dos 75,8 mil euros encontrados no
gabinete de Vítor Escária?
Talvez
tanto espetáculo para a montanha parir um rato!
2024.01.04 – Louro de Carvalho
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