sábado, 6 de janeiro de 2024

Em Belém, Patton recorda São Paulo VI e clama por justiça no Mundo

 

Na Igreja Católica Latina, celebra-se, a 6 de janeiro, a Solenidade da Epifania do Senhor, ou seja, o mistério da revelação de Cristo aos não judeus, aos considerados pagãos. Tal solenidade passa para o domingo que ocorra entre os dias 2 e oito de janeiro, nos países onde o 6 de janeiro não é feriado, como é o caso português

Por ocasião da Solenidade da Epifania, durante a missa celebrada na igreja de Santa Catarina, adjacente à Basílica da Natividade, o Custódio da Terra Santa recordou as palavras do Papa São Paulo VI, há 60 anos, pronunciadas naquela mesma igreja, quando pediu aos poderosos que “trabalhassem juntos para estabelecer a paz, com verdade, justiça, liberdade e amor fraterno”.

Depois de entrar solenemente em Belém, a 5 de janeiro, através do posto de controlo situado próximo ao Túmulo de Raquel, que só é aberto três vezes por ano, o padre Francesco Patton, Custódio da Terra Santa, celebrou a solene Eucaristia da Epifania do Senhor, na manhã do dia 6, na igreja paroquial de Santa Catarina, adjacente à Basílica da Natividade e repleta de fiéis.

Na homilia, Patton lembrou que, há 60 anos, precisamente a 6 de janeiro, o Papa Montini concluiu, em Belém, a sua histórica viagem à Terra Santa. E o franciscano fez suas as palavras de exortação aos poderosos da terra que São Paulo VI proferiu então e que, tragicamente, ainda são relevantes hoje, como um sincero apelo de paz no Mundo: “Que eles trabalhem juntos de forma ainda mais eficaz para estabelecer a paz, através da verdade, da justiça, da liberdade e do amor fraterno. Este é o desejo que nunca deixamos de dirigir a Deus, em constante oração, durante esta peregrinação. Todas as iniciativas leais, que tendem a isso, encontrarão o nosso apoio e as abençoamos de todo o coração. É com o coração repleto desses pensamentos e orações que, de Belém, a terra natal de Cristo, invocamos, para toda a Humanidade, a abundância das graças divinas.”

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Sob o título “De Jerusalém, um caminho ininterrupto de unidade”, o portal da Santa Sé, Vatican News, deu conta, a 6 de janeiro, de uma reflexão do cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca de Jerusalém dos Latinos, publicada no L’Osservatore Romano, 60 anos após a peregrinação de São Paulo VI à Terra Santa. O espírito do encontro entre o Papa Montini e o Patriarca Atenágoras, em 1964, foi renovado, em 2014, por Francisco e por Bartolomeu.

A alegria que o evento da peregrinação de Paulo VI trouxe, há 60 anos, para a vida da cidade de Jerusalém e a carga de novidade que despertou ainda fazem parte da vida atual dos cristãos na Terra Santa. Como sempre e como em todas as coisas relativas a Jerusalém, o profundo significado destes eventos e, em particular, o encontro entre o Santo Padre e o Patriarca Ecuménico Atenágoras, mudou o rosto da Igreja e indicou o seu caminho até aos dias de hoje.

O bispo de Roma retornou a Jerusalém, de onde partira, há dois mil anos. Na peregrinação que o levou aos principais lugares sagrados, encontrou as feridas que a História deixou bem visíveis na geografia dos lugares e das pessoas daquela época e de hoje. Mas recebeu o abraço forte e potente de toda a população, que o acolheu, com alegria e entusiasmo incríveis, e que mostrou aos seus pastores, de maneira indiscutível, a vontade de não permanecer prisioneira da difícil História desta Terra, mas de querer ir além. Vídeos da época mostram Paulo VI que, ao entrar na Cidade Santa, era quase esmagado pela multidão entusiasmada e eufórica. Às vezes, são suficientes pequenos gestos, que, talvez sem se saber, eram esperados e procurados por muitos, para libertar o desejo de encontro e de paz que brota no coração de cada homem, especialmente na Terra Santa, marcada por perpétuas tensões, conflitos e divisões. A Jerusalém cristã estava parada, quase suspensa, entre leis antigas, regulamentos que pareciam paralisar, em vez de regular, a vida comum. A visita do Papa Montini teve o mérito de romper esse muro, que, na época, parecia muito sólido, dos vários status quo, muitas vezes usados mais errónea do que corretamente, para evitar o confronto entre as partes. Essa visita foi suficiente para varrer séculos de poeira nas nossas relações.

O encontro com o Patriarca Ecuménico de Constantinopla foi, sem dúvida, o evento que marcou aquela peregrinação. O retorno de Pedro, depois de dois mil anos, a Jerusalém, berço do nascimento da Igreja una e indivisa, não podia deixar de olhar para aquela ferida, a mais profunda de todas, que marcou o percurso da Igreja por todo um milénio. E o retorno de Pedro a Jerusalém foi o início de novo caminho, para todos os cristãos, de reaproximação, de revisão e de redenção das suas respetivas Histórias, do desejo e da saudade da unidade perdida. Afinal, o retorno e a partida de Jerusalém, sempre e necessariamente, trazem consigo uma profunda mudança. Para um cristão, Jerusalém é o lugar que deu concretude à Redenção, que mudou o significado do perdão, da justiça e da verdade. Não se pode ir a Jerusalém, sem se confrontar com estas realidades, que ai adquirem uma concretude única.

Muita coisa mudou no diálogo ecuménico desde então. Hoje, tomamos como certas as atitudes de respeito e amizade entre as Igrejas. Devemos isso ao Papa e ao Patriarca Ecuménico, à sua coragem e visão. O Papa Francisco, com a sua peregrinação de oração à Terra Santa, em 2014, e com o novo encontro com o Patriarca Ecuménico Bartolomeu, mostrou concretamente quanto a Igreja avançou naqueles 50 anos e depois. Em 1964, o encontro foi realizado no Monte das Oliveiras, lugar significativo, mas periférico, em relação à cidade de Jerusalém. Em 2014, por outro lado, foi realizado no coração da Jerusalém cristã, o Santo Sepulcro, que não é apenas o lugar que recorda a morte e a ressurreição de Cristo, mas também o Lugar que, com ou sem razão, é considerado o símbolo das nossas divisões.

É claro que os que vivem em Jerusalém, sabem como o caminho ainda é longo e como, às vezes, é difícil estar e viver juntos, mas o simples facto de um evento tão importante poder ser realizado nesse lugar mais querido é sinal inequívoco do caminho percorrido até aqui. Há 60 anos, aquele abraço abateu o muro de divisão entre as duas Igrejas, dando início a uma nova era para a vida da Igreja. O abraço realizado 50 anos depois renovou a alegria e a unidade no Espírito que nenhum de nós pode prever agora, mas que já está a produzir frutos abundantes para a vida da Igreja hoje. Vemo-lo na restauração da Basílica, que é feita em conjunto, algo que hoje é considerado natural, mas impensável há alguns anos. Encontros, declarações e iniciativas comuns entre as Igrejas são considerados, hoje, assuntos comuns. Iniciativas pastorais conjuntas, nas escolas, nas paróquias, são expressão do desejo de fraternidade que não é só de alguns poucos, mas de toda a comunidade cristã local, nas suas várias denominações. Outro exemplo é o Vademecum Pastoral da Igreja Católica, que dá indicações concretas sobre como celebrar os sacramentos para famílias mistas (que são quase todas), respeitando a sensibilidade de todos.

Também hoje, talvez até mais do que ontem, precisamos de homens e mulheres corajosos, capazes de visão, de ver além da dor presente, de libertar os nossos corações oprimidos por muitos medos e que, tal como Paulo VI e Atenágoras, com as suas palavras e gestos, saibam indicar aos cristãos da Terra Santa de hoje o difícil e fascinante caminho para a paz.

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Na saudação após a recitação do Angelus na solenidade da Epifania, Francisco recordou o “gesto histórico de fraternidade realizado em Jerusalém” e pediu que rezemos pela paz no Médio Oriente, na Palestina, em Israel, na Ucrânia e no Mundo inteiro. O Sumo Pontífice expressou a sua tristeza pelo ataque no Irão e, em seguida, saudou as crianças missionárias, no dia dedicado a elas.

“Seguindo o exemplo do abraço de 1964, em Jerusalém, entre Paulo VI e o Patriarca Ecuménico Atenágoras, rezemos pela paz no mundo”, disse Francisco, na saudação, lembrando o encontro que mudou a História das relações entre os cristãos, para pedir que continuemos no caminho do ecumenismo e para invocar a fraternidade entre os povos. E expressou-se nestes termos: “Há 60 anos, neste mesmo dia, o Papa São Paulo VI e o Patriarca Ecuménico Atenágoras encontraram-se em Jerusalém, quebrando um muro de incomunicabilidade que manteve católicos e ortodoxos separados por séculos. Aprendamos com o abraço desses dois Grandes da Igreja no caminho para a unidade cristã, rezando juntos, caminhando juntos, trabalhando juntos. E, pensando nesse gesto histórico de fraternidade realizado em Jerusalém, rezemos pela paz, pela paz no Médio Oriente, na Palestina, em Israel, na Ucrânia, no Mundo inteiro. Tantas vítimas de guerras, tantas mortes, tanta destruição... Oremos pela paz.”

O Papa voltou o seu olhar para a terrível violência que atingiu o Irão, a 3 de janeiro, quando uma série de explosões na cidade de Kerman causou mais de cem mortes: “Expresso a minha proximidade ao povo iraniano, em particular às famílias das muitas vítimas do ataque terrorista em Kerman, aos muitos feridos e a todos os que foram atingidos por essa grande dor.”

E Francisco concluiu, recordando que, no dia da Epifania, também se celebra o Dia da Infância Missionária, e saudou as crianças e os jovens missionários de todo o Mundo, agradecendo-lhes sobretudo pelo “seu compromisso na oração e no apoio concreto ao anúncio do Evangelho e, em particular, ao trabalho de assistência às crianças nas terras de missão”.

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A paz é um bem tão necessário e tão pouco assumido, desejado e construído. O prazer insaciável de sangue prefere a guerra à paz. Importa, pois, que surjam construtores e arautos da paz. Estes serão chamados filhos de Deus.

2024.01.06 – Louro de Carvalho

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