terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Debate sobre o novo aeroporto recrudesce e a obra pode ficar no papel

 

 

A existência de novos estudos sobre o movimento de habitats de aves na Reserva Natural do Estuário do Tejo e de como seriam “irremediavelmente” afetados por um aeroporto desta natureza levou o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) a emitir parecer desfavorável ao pedido de renovação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) do aeroporto no Montijo, que estava previsto caducar em janeiro.

Acácio Pires, da associação Zero aplaude, considerando que “é a correção de um erro cometido há quatro anos”, e lembra que, “sendo esta reserva natural uma das mais importantes da Europa para as aves”, espera que a decisão seja confirmada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), enquanto autoridade de avaliação de impacte ambiental. Por seu turno, A ANA aeroportos, que pedira a renovação da DIA, em dezembro, continua a defender esta solução, por ser a que lhe é mais favorável financeiramente, enquanto concessionária, e vai contestar o parecer em causa.

Todavia“todas as opções que incluem Montijo são ambientalmente inviáveis”, garantem nove organizações não-governamentais de ambiente (ONGA), em parecer conjunto, entregue no âmbito da consulta pública do processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), apresentado pela Comissão Técnica Independente (CTI). As mesmas organizações apelaram à APA e ao ICNF para “recusarem a renovação” da DIA emitida em 21 de janeiro de 2020 e prestes a caducar.

Em 2019, o ICNF emitira parecer “favorável condicionado a medidas de minimização e compensação, em especial para preservar as populações de aves aquáticas”, considerando, então, que o projeto do aeroporto no Montijo e respetivas acessibilidades “não punha em causa a integridade da área natural”, considera o ICNF. E, justificando que, chamado a pronunciar-se sobre a extensão do prazo de validade da DIA do Montijo, diz que “teve em conta os novos estudos científicos sobre a avifauna desta zona divulgados recentemente”. Um deles conclui que a implementação do NAL pode levar a uma perda de até 30% do valor de conservação do estuário do Tejo, em termos de alimentação das aves invernantes”. Para o ICNF, o facto de haver alteração objetiva de circunstâncias e inequívoca evolução do conhecimento e do quadro ambiental, obriga a “emitir um parecer desfavorável” à prorrogação da DIA.

Assim, a opção Montijo parece ter caído por terra. E, para voltar a ter viabilidade, segundo o ICNF, é necessário novo processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) que contemple “toda a informação técnica e científica agora conhecida, assim como a nova que venha a surgir, para uma decisão sustentada e realista”.

Também a APA, com base “na pronúncia das entidades consultadas”, entre as quais o ICNF considerou não estarem reunidas as condições necessárias à prorrogação da DIA do aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades. A decisão obriga, agora, a “um período de audiência prévia nos termos do Código do Procedimento Administrativo”. E a ANA, como se disse, vai contestar.

Para as aludidas nove organizações ambientais, que tinham apelado ao chumbo da extensão da validade da DIA – e que colocaram a DIA emitida em 2020 (que agora caduca) em tribunal –, a opção de um aeroporto no Montijo era “totalmente inviável”.

Já Jorge Palmeirim, biólogo e coautor de um dos novos estudos, frisa que esta decisão “reconhece o conhecimento científico existente”. O também investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa frisa que “o interesse público prevalece assim sobre interesses privados”.

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As aludidas nove ONGA – ALMARGEM, ANP|WWF, ROCHA, FAPAS, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA e ZERO – que não se limitam a contestar Montijo, sustentam que Montijo e Alcochete são as piores soluções; Vendas Novas a menos má; e Beja a ideal, como complementar.

 Reforçando que opção Montijo “é inviável”, defendem que é preciso investir na ligação ferroviária entre Beja e Lisboa, assumindo o aeroporto alentejano como solução complementar, para os próximos 10 anos.

A decisão final sobre a futura localização do aeroporto só será conhecida depois das eleições de 10 de março; e, seja qual for, não estará a funcionar antes de 2035. A ANA continua a defender a solução que lhe é financeiramente mais favorável, enquanto concessionária: o Montijo. Porém, esta é a pior de todas as soluções, reafirmam os ambientalistas.

Em comunicado, enviado às redações, a 29 de janeiro, os ambientalistas lembram que existe “nova informação relevante, que não era conhecida, aquando do processo de licenciamento ambiental concluído no início de 2020”. Há quatro anos, duas entidades – ICNF e APA – deram luz verde ao projeto no Montijo, apesar de reconhecerem grandes impactes ambientais, nomeadamente sobre as aves e os habitats da rede Natura e da Reserva do Estuário do Tejo.

Além da afetação de corredores de aves migradoras e da exposição da população a níveis de ruído acima do legalmente admissível, as nove ONGA acrescentam o risco de inundação, face à subida do nível médio da água do mar e o risco para o estratégico aquífero do Baixo Tejo e Sado, assim como “a destruição de áreas florestais de alta qualidade e de valor insubstituível”, no Montijo e em Alcochete. E estes critérios fazem chumbar a solução Campo de Tiro de Alcochete.

A localização do aeroporto em Vendas Novas é considerada menos má, mas não está isenta de impactos ambientais. “Se tivermos em conta todos os indicadores de perturbação de áreas de Rede Natura 2000 ou de potenciais corredores de aves migradoras, a localização de Vendas Novas afeta entre três a 27 vezes menos área do que todas as outras localizações”, escrevem no parecer as ONGA. Para a Zero “esta é a solução mais favorável do ponto de vista ambiental e de saúde pública”, defende Acácio Pires.

Porém, João Joanaz de Melo, do Geota, põe Santarém no mesmo plano de Vendas Novas, considerando que “a escolha final, quanto a estas duas opções, deve ficar para os decisores técnicos e políticos”. Comparando com Montijo e Alcochete, as opções Vendas Novas e Santarém têm menos risco de afetar populações com ruído dos aviões, de afetar habitats de aves, e de provocar “bird strike” (colisão de pássaros). Por isso, como defende, a prioridade é pôr o aeroporto de Beja como complementar ao da Portela, que terá de funcionar, pelo menos, mais 10 anos”; e a solução não é investir milhões na linha de alta velocidade, exceto a da ligação Lisboa-Madrid, mas melhorar as linhas convencionais e duplicar as suburbanas em Lisboa e Porto.

As nove ONGA consideram que qualquer modificação significativa das operações no Aeroporto Humberto Delgado/Portela deve ser sujeita a AIA, “tendo em conta os impactes ao nível do ruído e da poluição”, e que a complementaridade Portela-Beja, que dizem apenas “exigir, no essencial, investimentos na eletrificação e modernização da linha Casa Branca-Aeroporto de Beja-Beja”.

Tardam, porém, os investimentos prometidos pela ANA para insonorizar casas, tendo só avançado conversações com as autarquias e entidades públicas para insonorizar escolas e outros edifícios públicos sensíveis afetados pelo ruído dos aviões em Lisboa e Loures, identificados no Plano de Ação e Gestão e Redução de Ruído 2019-2023 do aeroporto Humberto Delgado.

Mais de 388 mil pessoas estão expostas a níveis de ruído superiores a 45 decibéis [Ln 45 (dB)] durante a noite, causado pelas descolagens e aterragens de aviões no Aeroporto Humberto Delgado AHD O Plano de Ação 2018-2023 pouco executou do prometido e a ANA está a fazer o novo para 2024-2029. “É inadmissível que esta situação se mantenha”, critica Joanaz de Melo.

Por aplicar aos gestores de grandes infraestruturas de transportes está o princípio do poluidor-pagador. Acácio Pires diz que é necessário aplicar taxas que cubram os custos apurados dos voos noturnos para a saúde humana. Os ambientalistas estimam que estes rondem “206 milhões de euros por ano”. Querem recuperar este valor, através de taxas que contribuam para “mitigar os custos mais elevados de investimento num novo aeroporto, para que o país possa beneficiar da opção mais eficiente, [mais bem] integrada nas redes de transportes mais sustentáveis e menos danosa para a saúde humana e para os sistemas ecológicos”.

Os ambientalistas defendem que o tema “deve ser uma prioridade do novo Parlamento”, já que as conclusões do grupo de trabalho sobre os voos noturnos ficaram adiadas para depois das eleições.

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Entretanto, a coordenadora da CTI, considerando que a consulta pública, terminada em 26 de janeiro, foi objeto de 1700 contributos, prometeu rever e melhorar o relatório que apresentou em dezembro de 2023. Dará o dito por não dito, quanto à excelência do NAL em Alcochete?

Como ficou dito, nove ONGA contestaram o relatório da CTI, bem como a ANA. Porém, a maior contestação provém dos promotores da localização do novo aeroporto em Santarém.

A CTI chumbou a hipótese de Santarém, estudada a pedido do primeiro-ministro, por apontar para restrições de navegação aérea. Obrigaria, segundo a CTI, à cedência obrigatória de grande parte da área militar de Monte Real e de parte de Santa Margarida. A posição relativa das pistas (perpendicular a Monte Real) constitui um constrangimento significativo, considerou ainda a CTI. É posição que a Magellan 500 contestou, sublinhando que as questões levantadas são resolúveis.

“Este projeto demonstra que [Santarém] não é incompatível com a base de Monte Real”, diz a Magellan 500, sustentando: “Importa salientar que o estudo da NAV Portugal – Navegação Aérea, mencionado no relatório da CTI, não corrobora as declarações da presidente da Comissão [que o usa para atestar os problemas de navegabilidade], o que consideramos bastante preocupante.”.

O promotor garantiu que a questão da pista é solucionável e considerou que o problema apontado pela CTI, usando o relatório da NAV, só se levantaria numa fase de expansão do aeroporto. “Vamos afinar a solução de navegação aérea, para ter em conta esta mesma solução”, disse, sustentando que seria melhor a CTI abster-se de tecer comentários técnicos.

Crítico face à avaliação da CTI, Carlos Brazão assegurou que a análise não está conforme com as recomendações da União Europeia (UE), no respeitante às áreas de influência de um aeroporto, e “favorece Alcochete em múltiplas áreas”, nomeadamente nas infraestruturas de acesso, “onde houve desorçamentação”, e na questão ambiental, desvalorizando a questão dos sobreiros.

Aponta-lhe ainda “fragilidades jurídicas” e “enorme incompreensão do contrato de concessão”, criando o risco de o país poder ficar perante a possibilidade de não vir a ter novo aeroporto.

A CTI salienta que Santarém boas ligações rodoviárias, apesar dos fortes constrangimentos de circulação na A1, em particular às horas de ponta. E diz que, embora seja servida pela ferrovia convencional, não o é pela alta velocidade.

“Santarém nunca deixou de ser viável. Tudo comprova que é um projeto viável”, defende Carlos Brazão, considerando que a CTI, “ao declarar o Magellan 500 como inviável para um hub, por razões aeronáuticas [relacionadas com a base militar de Monte Real] fez uma interpretação abusiva” do relatório da NAV, que não estudou especificamente o caso de Santarém, fazendo antes uma análise genérica.

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A decisão, embora sustentada em critérios técnicos (que dão para tudo), será política. Ora, com a CTI a dar de flanco, com um grupo de estudo dentro do atual maior partido da oposição, que sempre foi favorável ao Montijo, só um governo que, após as eleições, tenha maioria parlamentar sólida ou tenha carisma suficiente para negociar um consenso, é que o NAL avançará. Caso contrário, ficará remetido para as calendas gregas, pois os fundos europeus não são intermináveis. Além disso, a tendência é para dispensar o avião em prol do comboio. E, por indecisão campeã e por interesses instalados, o país corre o risco de não ter novo aeroporto, nem ferrovia decente.

2024.01.30 – Louro de Carvalho

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