sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Intolerância religiosa levou a profanação da Eucaristia em Curitiba

 

No passado dia 1 de janeiro, Dia Mundial da Paz, da Fraternidade Universal e da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, um “homem, muito bem vestido” e com “uma cruz vistosa no peito” foi à missa, às 10 horas, na catedral de Curitiba (PR), no Brasil, e, no momento em que recebeu a sagrada comunhão, “simplesmente levantou a Eucaristia e partiu-a”. Disse, em vídeo, Cleverson Martins Teixeira, diácono da catedral de Curitiba e mestre de cerimónias da arquidiocese: “Ele esmigalhou a Eucaristia, jogou no chão, à nossa frente, e saiu.”

Cleverson esclareceu que o vídeo foi postado num ato de desabafo com relação ao que se havia realizado em termos da profanação, mas mais do que isso, à intolerância religiosa agressiva. Com efeito, a atitude resultou da intolerância religiosa. O facto de o homem ter feito o que fez ocorreu após o bispo haver afirmado que “acreditava na presença de Deus na Eucaristia”.

Segundo o diácono Teixeira, antes do ocorrido, o homem chegou até ao arcebispo de Curitiba, D. José Antonio Peruzzo e tomou a Eucaristia nas mãos e disse-lhe: “Posso fazer uma pergunta?” O arcebispo respondeu que podia, mas ele “ameaçou fazer essa pergunta no microfone”, o que D. José Antonio Peruzzo impediu. O homem ainda estava “com a Eucaristia na mão”, quando perguntou ao arcebispo: “Você acredita em Deus?” Dom Peruzzo disse: “Sim, acredito!”. Em seguida, o homem profanou a Eucaristia.

Depois da profanação, o diácono recolheu “todos os pedaços de Jesus ali espalhados” e levou para a sacristia. “Nós não somos preparados para isso. Nós acreditamos que todos os fiéis que vêm à igreja, temos a ideia de que todos acreditam em Deus e acreditam na Eucaristia”, declarou o diácono no vídeo, tendo salientado destacou que D. Peruzzo ficou um tanto consternado porque foi, diretamente, vítima e testemunha dessa situação.

“E eu pensei, isso não pode passar em branco, não podemos deixar isso acontecer. Porque pode ser que essa pessoa entre na sua comunidade, na sua igreja, faça a mesma coisa. E o que nós devemos fazer? É claro que, num impulso primeiro, ali na hora, a gente tem um instinto, Não é? Não só de defender, mas também de agredir, muitas vezes, e D. Peruzzo me ensinou uma coisa tão bonita hoje: ‘Estamos no dia da paz!’ Então devemos fazer o quê? Rezar! Rezar por essa pessoa e por tantas outras pessoas que não acreditam em Deus e que entram em nossas comunidades, entram em nossas igrejas para agredir Jesus Eucarístico”, frisou o diácono e mestre de cerimónias, no vídeo. Vá lá: o arcebispo impediu que o diácono socasse o intolerante.

Sobre como receber a comunhão, o diácono comentou que a primeira coisa que se deve ter “é o cuidado e o zelo” com “a Eucaristia”.

“Nós sabemos que o fiel tem a condição de receber a Eucaristia de três maneiras distintas. A primeira é em pé, nas mãos. Depois, pode tomar a Eucaristia em pé, na boca ou de joelhos e na boca. Mas aqueles que comungam na mão, que comunguem na frente do ministro. É importante ressaltar isto, que faça esta comunhão, que receba esta comunhão, que comunguem, de facto, na frente do ministro, para que evitemos profanações. Nós temos muitos irmãos que, não só fazem o que o homem fez, mas levam, inclusive, a Eucaristia para outros lugares e para outros fins”, reforçou o diácono Teixeira.

E eu entendo que não se deve arrebatar da mão do ministro da comunhão a partícula consagrada, mas recebê-la na mão ou na língua, começar a degluti-la, de imediato, e iniciar o regresso ao seu lugar, com a máxima compostura. Há quem indevidamente, aproveite a ocasião, enquanto se aproxima do ministro ou dele se afasta, para cumprimentar A ou B, o que não condiz com a seriedade do momento.

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Quanto à utilização da Eucaristia para outros fins, é um dos mais célebres e reconhecidos, no Mundo, e cientificamente analisado, o “Milagre Eucarístico de Santarém”, também chamado “Santíssimo Milagre”, que ocorreu na cidade portuguesa de Santarém, no século XIII, sendo ainda hoje objeto de veneração nacional e internacional.

Corria o ano de 1226 ou, segundo alguns cronistas, o de 1247, quando, em Santarém, vivia uma pobre mulher, a quem o marido muito maltratava, andando desencaminhado com outra. Cansada de sofrer, foi pedir a uma bruxa que pusesse fim à sua triste sorte, com os feitiços que sabia armar. Prometeu-lhe esta o remédio eficaz, mas necessitaria de uma hóstia consagrada.

Depois de hesitar, a pobre mulher foi à igreja de Santo Estêvão, confessou-se e, recebida a sagrada partícula, com a máxima cautela, tirou-a da boca, embrulhando-a no véu. Saiu rapidamente da igreja, encaminhando-se para a casa da feiticeira. Mas, sem que ela o notasse, do véu começou a escorrer sangue, o que, visto por várias pessoas, as levou a perguntar à infeliz de que ferimentos sofria. Confusa em extremo, correu para casa e encerrou a hóstia miraculosa numa arca. Entretanto, passou o dia e, à tarde, voltou o marido. Já em alta noite, acordam os dois e veem toda a casa resplandecente. Da arca saíam misteriosos raios de luz. Inteirado o homem do ato pecaminoso da mulher, de joelhos, passaram o resto da noite em adoração.

Assim que rompeu o dia, informaram o pároco do prodígio sobrenatural. E, espalhada a notícia, meia Santarém acorreu pressurosa a contemplar o Milagre. A sagrada partícula foi, então, levada, processionalmente, para a igreja de Santo Estêvão, onde ficou conservada dentro de uma espécie de custódia feita de cera. Mas, passados alguns anos (em 1340), ao abrir-se o sacrário para a expor à adoração dos fiéis, como era costume, encontrou-se a cera feita em pedaços e, com espanto, descobriu-se que a sagrada partícula se encontrava encerrada numa âmbula de cristal, aparecida miraculosamente. Esta pequena âmbula foi colocada num ostensório de prata dourada, onde ainda hoje se encontra.

Dada a ocorrência do milagre, a igreja de Santo Estêvão, que era uma igreja paroquial, é, atualmente, o Santuário do Santíssimo Milagre. Esta igreja foi destino de inúmeras procissões, organizadas pela corte régia ou por grandes personalidades da nobreza e do clero, sobretudo a pretexto de doenças, de cheias, ou de seca. Muitos são os ecos que, documentalmente, nos ficaram como testemunho, como o caso da Rainha Santa Isabel, que, passando por Santarém a caminho de Coimbra, a fim de pacificar as discórdias entre o seu marido D. Dinis e seu filho D. Afonso IV, mandou fazer uma procissão de preces, em que ela acompanhou, descalça, o Santíssimo Milagre, com uma corda ao pescoço e coberta de cinzas, implorando a misericórdia do Altíssimo. Também o rei D. Afonso VI, a 25 de janeiro de 1664, ao deslocar-se a Santarém, não deixou de visitar a Igreja da Santíssimo Milagre e o Convento de São Domingos, onde, por esta época, se conservava o misterioso véu ou baetilha que envolvera a Sagrada Hóstia e em que era, ainda, visível o sangue. No local onde se situava a casa da pobre mulher, encontra-se hoje a Ermida do Santíssimo Milagre.

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A Eucaristia foi instituída por Jesus Cristo, como presentificação do seu sacrifício redentor – corpo entregue por nós, sangue derramado por nós – para comunhão, alimentando cada crente, e banquete, fazendo o sagrado convívio da Igreja presente em todo o Mundo e em cada lugar onde os crentes se reúnam com o sacerdote, em Igreja.

Porém, é essencial que ressalte a fé na presença real de Cristo nas espécies de pão e de vinho (com água). E este Cristo Eucarístico, que deve ser profundamente adorado, anseia levar-nos à comunhão consigo e com os irmãos. Sem fé eucarística, o sacramento da Eucaristia seria pouco mais do que um rito supostamente mágico.

Ilustrativo da presença real de Jesus Cristo na Eucaristia é o milagre intermediado por Santo António de Lisboa, ante o desafio do herege, cuja mula ajoelhou perante a hóstia consagrada.

Em passagem por Toulouse, no sul da França, Santo António resolve pregar sobre a Eucaristia, combatendo, por meio de argumentos, contra os hereges que não acreditavam que Jesus Cristo estivesse verdadeiramente presente na hóstia consagrada.

Apesar de vencido pelas palavras, um herege albigense não aderia e, apos muita discussão, propôs: “Deixemo-nos de palavras e vamos a obras. Se tu fores capaz de mostrar com milagres, na presença de toda a gente, que o Corpo de Jesus Cristo está, de facto, no Sacramento, eu prometo deixar a heresia e submeter-me à fé católica. Acreditarei que Cristo está realmente presente na hóstia consagrada, quando vir a minha mula ajoelhar-se diante da custódia com o Santíssimo Sacramento.”

O herege deu um prazo de três dias para a concretização do desafio. Por sua vez, o santo, depois de fazer profunda oração, aceitou o desafio, cheio de confiança, e respondeu que assim se faria.

E o herege propôs: “Pois então vou fechar em casa a minha mula. Vou atormentá-la com a fome durante três dias; e, ao fim, vou trazê-la perante todos os que quiserem assistir, dando-lhe de comer. Neste intervalo, vens tu com o Sacramento que dizes ser o Corpo de Jesus Cristo. Se o animal esfomeado parar de comer e correr para o Deus que, segundo afirmas, toda a criatura tem obrigação de adorar, podes ficar certo de que imediatamente abraçarei a Fé da Igreja.

Passados três dias, o santo, após a celebração da Santa Missa, na capela que ali existia, avançou, em procissão, em que participou uma grande multidão, para o sítio combinado, a Praça Grande de Toulouse, com o Santíssimo Sacramento nas mãos, colocando-O ao lado de uma manjedoura cheia de feno e aveia, as forragens de que, segundo a indicação do herege, a mula mais gostava. Todos os católicos se prostraram em adoração a Nosso Senhor escondido no Sacramento da Eucaristia. Chegou então o herege conduzindo a mula, que estava sem comer, há três dias. E Santo António, ordenando a todos que se calassem, disse para a mula:Ó animal, em virtude e em nome do teu Criador que eu, embora indigno, tenho aqui presente em minhas mãos, ordeno e mando que venhas já sem demora até Ele e humildemente Lhe prestes reverência, para que, desse modo, veja a maldade dos hereges que toda a criatura é sujeita ao Criador a quem a dignidade do sacerdote trata, cada dia, nos altares.

Enquanto isso, o herege punha de comer à mula esfomeada. O primeiro impulso do animal, que já não aguentava manter-se em pé, de tão fraco, devido ao forçado jejum, foi o de se lançar para a mistura de feno e de aveia. Mas, para admiração de todos, após ligeira perturbação, caminhou em direção do santo e dobrou os jarretes diante da hóstia santa e inclinou a cabeça. E o dono da mula reconheceu a verdade ensinada pela Igreja e converteu-se ao catolicismo, juntamente com muitos outros, facto com que se alegraram os fiéis católicos.

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A fé é um dom que a muitos parece não bafejar, por não haver quem a espevite, por mau exemplo dos crentes ou por falta de abertura ao mistério. A todos e a cada um assiste o direito de aderir à fé, tal como o direito de não aderir. Todavia, não é lícito aos crentes forçar a conversão, nem aos não crentes praticar a intolerância ou assumir atitudes de ridicularização junto dos crentes.

De qualquer modo, é útil a discussão sobre as verdades da fé e, principalmente, sobre a pessoa e a missão de Jesus Cristo, que à Igreja cabe perpetuar, testemunhando e oferecendo a salvação.

2024.01.05 – Louro de Carvalho

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