Como referiu
hoje, dia 1 de agosto, à agência Lusa
Vítor Serrão, o seu pai Joaquim Veríssimo Serrão, de 95 anos, faleceu ontem,
dia 31 de julho, num lar em Santarém
O defunto,
que estava doente há vários anos, foi, nas palavras do filho, “um eminente
historiador, pedagogo, investigador e académico que deixa uma obra monumental,
como a História de Portugal, editada pela Editorial Verbo, que contribuiu para
renovar a historiografia em Portugal e a formar muitos jovens investigadores”.
Para Vítor
Serrão, o legado que fica da obra do pai, “além da abundante bibliografia, é
justamente a marca pedagógica, pois formou uma quantidade de alunos, incluindo
futuros investigadores, arquivistas, gente ligada à Cultura”, que teve o
privilégio de conviver com ele.
Joaquim
Veríssimo Serrão nasceu em Tremês, no Ribatejo, a 8 de julho de 1925, e deixa
dois filhos, Vítor e Adriana, ambos docentes na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
Vítor Serrão
salienta que, nas mensagens que recebeu, se evidencia “o elogio unânime de quem
o teve como professor e com ele aprendeu a amar a História”, sendo que a obra
do pai se estende “além-fronteiras e contribuiu para destacar o perfil da
História de Portugal no contexto ibero-americano e no contexto geral da
Europa”.
Veríssimo
Serrão é autor de uma vasta obra historiográfica, na qual avulta a sua História
de Portugal, em 19 volumes, que terminou em 2011, mas que ainda não foi
publicado por carecer de revisão, esperando-se que veja em breve a luz do dia.
O foco da
investigação histórica de Veríssimo Serrão foi a participação dos humanistas
portugueses na cultura europeia do século XVI, a história local, com particular
atenção por Santarém, concelho de onde era natural (nunca
olvidando as suas raízes), a formação
do Brasil, a questão epistemológica da historiografia portuguesa, algumas
personagens que se destacaram na vida política portuguesa nas últimas décadas
do Antigo Regime (século XVIII) e o início
do Liberalismo (século XIX).
Licenciou-se
em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra em 1948. Um ano antes dera à estampa “Ensaio Histórico sobre o Significado da Tomada de Santarém aos Mouros
em 1147”, e estreou-se, em 1948, como conferencista, apresentando “A mundividência na poesia de Guilherme de
Azevedo”.
Em 1950
partiu para Toulouse, no sudoeste de França, onde foi leitor de Cultura
Portuguesa da universidade local. Neste período, contactou com lusitanistas
como Paul Teyssier, León Bourdon e Jean Roche. Durante esta estada, publicou “A Infanta Dona Maria (1521-1570) e a sua
Fortuna no Sul da França” e deu a conhecer investigações sobre António de
Gouveia, Francisco Sanches, Diogo de Teive, Manuel Álvares e outros letrados
portugueses que frequentaram aquela universidade.
Em 1957,
defendeu a tese de doutoramento na Universidade de Coimbra, intitulada “O Reinado de Dom António Prior do Crato:
1580-88”, e iniciou funções docentes na Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa.
Na década
seguinte, o historiador foi particularmente profícuo: além de dar aulas e
conferências, publicou trabalhos sobre humanistas portugueses nas universidades
de Salamanca, Montpellier e Toulouse, as relações externas entre Portugal e as
cortes europeias no século XVI, o Brasil colonial (séculos XVI
e XVII) e a crise dinástica de finais do
século XVI.
Integrou o
grupo de colaboradores da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e do
Dicionário da História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, onde assinou
dezenas de entradas.
Entre 1967 e
1972, suspendeu a atividade docente, por ter sido nomeado diretor do Centro
Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, função em que se
destacou na divulgação dos estudos portugueses, tendo, entre outros títulos,
publicado “Arquivos do Centro Cultural
Português”.
Em 1973
regressou a Portugal e ocupou a cátedra de História na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, da qual foi reitor até 1974, cargo do qual saiu após a
Revolução de 25 de Abril, tendo sido exonerado a seu pedido.
Pouco
depois, deu testemunho da sua amizade com Marcello Caetano, último presidente
do Conselho de Ministros do regime corporativista, publicando “Confidências no Exílio” (1985) e “Correspondência
com Marcello Caetano 1974-1980” (1994). Era sócio efetivo da Academia Portuguesa da História e da Academia das
Ciências de Lisboa. E de 1975 até 2006 presidiu à Academia Portuguesa da
História, tendo
recebido os prémios Alexandre Herculano (1954), Dom João II (1965) e Príncipe das Astúrias de
Ciências Sociais (1995).
Foi sócio de
mérito, membro honorário e correspondente de inúmeras sociedades científicas,
portuguesas e estrangeiras, tendo recebido diferentes distinções, condecorações
e prémios, bem como doutoramentos “honoris
causa” por universidades francesas, espanholas e portuguesas.
Foi ainda um dos fundadores do Instituto Politécnico de
Santarém e foi desde sempre colaborador da imprensa regional como o “Correio do Ribatejo”, “Vida Ribatejana” e “O Ribatejo”.
Há cerca de três semanas, o “Jornal
Correio do Ribatejo” havia lançado uma edição de homenagem ao seu antigo
colaborador, para comemorar os 95 anos do historiador, nascido em Santarém.
Amigos, familiares e académicos associaram-se então à iniciativa do jornal.
A relação com Santarém e o Ribatejo – privilegiou
desde sempre o resgate da memória ribatejana – ficou ainda mais evidente quando o historiador doou a Santarém a sua
biblioteca particular com mais de 35 000 obras, livros e fontes de investigação
utilizados ao longo da sua carreira de professor universitário e investigador.
Esta doação contemplou ainda noventa caixas com documentação manuscrita,
quadros, telas, condecorações, moedas e ficheiros.
Com base neste fundo documental, conta o “Correio do Ribatejo”, foi construído o Centro de Investigação
Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, inaugurado oficialmente a 25 de Maio
de 2012. Joaquim Veríssimo Serrão declarou, naquela altura ser sua intenção,
com esta doação, “agradecer à terra da sua naturalidade todo o carinho e apoio
que dela recebeu ao longo da vida”, desejando que sirva para “fortalecer os
laços espirituais que se criaram entre o doador e a terra que lhe serviu de
berço”.
As cerimónias
fúnebres têm início com uma cerimónia religiosa na Igreja da Piedade (um desejo
manifestado em vida pelo Professor), pelas 9,30
horas do dia 3 de agosto, sob a presidência do Bispo de Santarém, Dom José
Traquina. No final, o corpo segue para o Cemitério dos Capuchos, pelas 11,30
horas, onde será sepultado numa cerimónia restrita à família.
***
O Presidente da República, lamentando hoje, dia 1 de agosto, a morte do
historiador e recordando um “amigo de muitos anos”, que deixou “numerosos
discípulos, em particular na Academia Portuguesa de História, de que foi
presidente”, apresentou “condolências à família do professor doutor Joaquim
Veríssimo Serrão, historiador, professor e académico ilustre, antigo Reitor da
Universidade de Lisboa”, como pode ler-se numa nota divulgada no ‘site’ da Presidência
da República.
Também a Ministra da Cultura destacou, em comunicado, o “autor
de uma obra historiográfica de referência” e descreveu-o como “um historiador
exemplar, um homem de cultura e um professor que marcou”. Lamentando a sua
morte, Graça Fonseca frisou que “foi autor de uma obra historiográfica de
referência”, que formou “muitas gerações de historiadores e investigadores” e que
o seu impacto na historiografia e na cultura portuguesa “são inestimáveis”,
pois foi “um historiador exemplar, um homem de cultura e um professor que marcou
e influenciou aqueles que com ele aprenderam”.
Graça Fonseca adiantou que o
historiador deixou “uma vasta bibliografia”, destacando a sua “História de
Portugal”, que classificou como uma “obra panorâmica e de referência, tanto
para historiadores como para aqueles que querem conhecer a história” do país.
A governante referiu também que a
obra de Joaquim Veríssimo Serrão “reflete os diversos interesses” da sua
investigação e lembra a importância dos “trabalhos dedicados à História de
Portugal dos séculos XV a XVIII e à História do Brasil dos séculos XVI e XVII”.
***
Não deixo de reconhecer a vastidão da
sua obra, de que se referiu aqui uma ínfima amostra, mormente a sua História de
Portugal, cujos 18 volumes (ainda não vi publicado o 19.º), têm servido para mim de consulta assídua, pela abundância
de informação, leveza narrativa e sustentabilidade documental – a que gosto de
juntar “Portugal e o Mundo nos séculos
XII a XVI”, que tem o subtítulo “um
percurso de dimensão universal”, “evocando os laços políticos e militares,
religiosos e culturais, económicos e artísticos entre Portugal e o Mundo”.
2020.08.01 – Louro de Carvalho
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