sábado, 1 de agosto de 2020

Morreu o académico e historiador Joaquim Veríssimo Serrão



Como referiu hoje, dia 1 de agosto, à agência Lusa Vítor Serrão, o seu pai Joaquim Veríssimo Serrão, de 95 anos, faleceu ontem, dia 31 de julho, num lar em Santarém
O defunto, que estava doente há vários anos, foi, nas palavras do filho, “um eminente historiador, pedagogo, investigador e académico que deixa uma obra monumental, como a História de Portugal, editada pela Editorial Verbo, que contribuiu para renovar a historiografia em Portugal e a formar muitos jovens investigadores”.
Para Vítor Serrão, o legado que fica da obra do pai, “além da abundante bibliografia, é justamente a marca pedagógica, pois formou uma quantidade de alunos, incluindo futuros investigadores, arquivistas, gente ligada à Cultura”, que teve o privilégio de conviver com ele.
Joaquim Veríssimo Serrão nasceu em Tremês, no Ribatejo, a 8 de julho de 1925, e deixa dois filhos, Vítor e Adriana, ambos docentes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Vítor Serrão salienta que, nas mensagens que recebeu, se evidencia “o elogio unânime de quem o teve como professor e com ele aprendeu a amar a História”, sendo que a obra do pai se estende “além-fronteiras e contribuiu para destacar o perfil da História de Portugal no contexto ibero-americano e no contexto geral da Europa”.
Veríssimo Serrão é autor de uma vasta obra historiográfica, na qual avulta a sua História de Portugal, em 19 volumes, que terminou em 2011, mas que ainda não foi publicado por carecer de revisão, esperando-se que veja em breve a luz do dia.
O foco da investigação histórica de Veríssimo Serrão foi a participação dos humanistas portugueses na cultura europeia do século XVI, a história local, com particular atenção por Santarém, concelho de onde era natural (nunca olvidando as suas raízes), a formação do Brasil, a questão epistemológica da historiografia portuguesa, algumas personagens que se destacaram na vida política portuguesa nas últimas décadas do Antigo Regime (século XVIII) e o início do Liberalismo (século XIX).
Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1948. Um ano antes dera à estampa “Ensaio Histórico sobre o Significado da Tomada de Santarém aos Mouros em 1147”, e estreou-se, em 1948, como conferencista, apresentando “A mundividência na poesia de Guilherme de Azevedo”.
Em 1950 partiu para Toulouse, no sudoeste de França, onde foi leitor de Cultura Portuguesa da universidade local. Neste período, contactou com lusitanistas como Paul Teyssier, León Bourdon e Jean Roche. Durante esta estada, publicou “A Infanta Dona Maria (1521-1570) e a sua Fortuna no Sul da França” e deu a conhecer investigações sobre António de Gouveia, Francisco Sanches, Diogo de Teive, Manuel Álvares e outros letrados portugueses que frequentaram aquela universidade.
Em 1957, defendeu a tese de doutoramento na Universidade de Coimbra, intitulada “O Reinado de Dom António Prior do Crato: 1580-88”, e iniciou funções docentes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Na década seguinte, o historiador foi particularmente profícuo: além de dar aulas e conferências, publicou trabalhos sobre humanistas portugueses nas universidades de Salamanca, Montpellier e Toulouse, as relações externas entre Portugal e as cortes europeias no século XVI, o Brasil colonial (séculos XVI e XVII) e a crise dinástica de finais do século XVI.
Integrou o grupo de colaboradores da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e do Dicionário da História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, onde assinou dezenas de entradas.
Entre 1967 e 1972, suspendeu a atividade docente, por ter sido nomeado diretor do Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, função em que se destacou na divulgação dos estudos portugueses, tendo, entre outros títulos, publicado “Arquivos do Centro Cultural Português”.
Em 1973 regressou a Portugal e ocupou a cátedra de História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, da qual foi reitor até 1974, cargo do qual saiu após a Revolução de 25 de Abril, tendo sido exonerado a seu pedido.
Pouco depois, deu testemunho da sua amizade com Marcello Caetano, último presidente do Conselho de Ministros do regime corporativista, publicando “Confidências no Exílio(1985) e “Correspondência com Marcello Caetano 1974-1980(1994). Era sócio efetivo da Academia Portuguesa da História e da Academia das Ciências de Lisboa. E de 1975 até 2006 presidiu à Academia Portuguesa da História, tendo recebido os prémios Alexandre Herculano (1954), Dom João II (1965) e Príncipe das Astúrias de Ciências Sociais (1995).
Foi sócio de mérito, membro honorário e correspondente de inúmeras sociedades científicas, portuguesas e estrangeiras, tendo recebido diferentes distinções, condecorações e prémios, bem como doutoramentos “honoris causa” por universidades francesas, espanholas e portuguesas.
Foi ainda um dos fundadores do Instituto Politécnico de Santarém e foi desde sempre colaborador da imprensa regional como o “Correio do Ribatejo”, “Vida Ribatejana” e “O Ribatejo”.
Há cerca de três semanas, o “Jornal Correio do Ribatejo” havia lançado uma edição de homenagem ao seu antigo colaborador, para comemorar os 95 anos do historiador, nascido em Santarém. Amigos, familiares e académicos associaram-se então à iniciativa do jornal.
A relação com Santarém e o Ribatejo – privilegiou desde sempre o resgate da memória ribatejana – ficou ainda mais evidente quando o historiador doou a Santarém a sua biblioteca particular com mais de 35 000 obras, livros e fontes de investigação utilizados ao longo da sua carreira de professor universitário e investigador. Esta doação contemplou ainda noventa caixas com documentação manuscrita, quadros, telas, condecorações, moedas e ficheiros.
Com base neste fundo documental, conta o “Correio do Ribatejo”, foi construído o Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, inaugurado oficialmente a 25 de Maio de 2012. Joaquim Veríssimo Serrão declarou, naquela altura ser sua intenção, com esta doação, “agradecer à terra da sua naturalidade todo o carinho e apoio que dela recebeu ao longo da vida”, desejando que sirva para “fortalecer os laços espirituais que se criaram entre o doador e a terra que lhe serviu de berço”.
As cerimónias fúnebres têm início com uma cerimónia religiosa na Igreja da Piedade (um desejo manifestado em vida pelo Professor), pelas 9,30 horas do dia 3 de agosto, sob a presidência do Bispo de Santarém, Dom José Traquina. No final, o corpo segue para o Cemitério dos Capuchos, pelas 11,30 horas, onde será sepultado numa cerimónia restrita à família.
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O Presidente da República, lamentando hoje, dia 1 de agosto, a morte do historiador e recordando um “amigo de muitos anos”, que deixou “numerosos discípulos, em particular na Academia Portuguesa de História, de que foi presidente”, apresentou “condolências à família do professor doutor Joaquim Veríssimo Serrão, historiador, professor e académico ilustre, antigo Reitor da Universidade de Lisboa”, como pode ler-se numa nota divulgada no ‘site’ da Presidência da República.
Também a Ministra da Cultura destacou, em comunicado, o “autor de uma obra historiográfica de referência” e descreveu-o como “um historiador exemplar, um homem de cultura e um professor que marcou”. Lamentando a sua morte, Graça Fonseca frisou que “foi autor de uma obra historiográfica de referência”, que formou “muitas gerações de historiadores e investigadores” e que o seu impacto na historiografia e na cultura portuguesa “são inestimáveis”, pois foi “um historiador exemplar, um homem de cultura e um professor que marcou e influenciou aqueles que com ele aprenderam”.
Graça Fonseca adiantou que o historiador deixou “uma vasta bibliografia”, destacando a sua “História de Portugal”, que classificou como uma “obra panorâmica e de referência, tanto para historiadores como para aqueles que querem conhecer a história” do país.
A governante referiu também que a obra de Joaquim Veríssimo Serrão “reflete os diversos interesses” da sua investigação e lembra a importância dos “trabalhos dedicados à História de Portugal dos séculos XV a XVIII e à História do Brasil dos séculos XVI e XVII”.
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Não deixo de reconhecer a vastidão da sua obra, de que se referiu aqui uma ínfima amostra, mormente a sua História de Portugal, cujos 18 volumes (ainda não vi publicado o 19.º), têm servido para mim de consulta assídua, pela abundância de informação, leveza narrativa e sustentabilidade documental – a que gosto de juntar “Portugal e o Mundo nos séculos XII a XVI”, que tem o subtítulo “um percurso de dimensão universal”, “evocando os laços políticos e militares, religiosos e culturais, económicos e artísticos entre Portugal e o Mundo”.
2020.08.01 – Louro de Carvalho

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