A 10 de
agosto, nos termos do n.º 1, in fine,
do art.º 136.º da Constituição, o Presidente da República devolveu, sem
promulgação, dos 19 que apreciou, os dois diplomas da Assembleia da República (AR) mencionados em epígrafe, acompanhados das
convenientes mensagens dirigidas ao seu Presidente.
O Decreto n.º
46/XIV configura a 3.ª alteração à Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada
pelas Leis n.os 21/2012, de 17 de maio, e 18/2018, de 2 de maio
relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia pela AR no âmbito do
processo de construção da União Europeia (UE);
e o Decreto n.º 59/XIV configura a 1.ª alteração à Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que
estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo
Nacional.
Nos termos do
Decreto n.º 46/XIV, a AR procede ao acompanhamento e à apreciação da
participação portuguesa no processo de construção da UE, designadamente,
através da realização de debate semestral em plenário, com a participação do
Primeiro-Ministro, iniciado pela sua intervenção, para preparação e avaliação
dos Conselhos Europeus (CE) a realizar em cada presidência, sem
prejuízo da realização de debate adicional, a pedido da Comissão de Assuntos
Europeus, quando circunstâncias excecionais o justifiquem. Além disso, a AR
procede ao acompanhamento e à apreciação da participação portuguesa no processo
de construção da UE, através da Comissão de Assuntos Europeus através da
realização de debate na Comissão de Assuntos Europeus, com a presença de membro
do Governo, a realizar antes de cada CE, exceto quando o debate se encontre
agendado para sessão plenária; de reuniões, nas semanas posteriores à data da
realização do CE, entre a Comissão de Assuntos Europeus e membro do Governo,
para avaliação das respetivas conclusões; e de reuniões conjuntas entre a
Comissão de Assuntos Europeus, a comissão parlamentar competente em razão da
matéria e o membro do Governo competente sobre os diversos instrumentos de
governação económica da UE, que integram o Semestre Europeu.
Já o Decreto
n.º 59/XIV estabelece que “a política de ordenamento e de gestão do espaço
marítimo nacional define e integra as ações promovidas pelo Estado português e
pelas regiões autónomas, visando assegurar uma adequada organização, gestão e
utilização do espaço marítimo nacional, na perspetiva da sua valorização e
salvaguarda, tendo como finalidade contribuir para o desenvolvimento
sustentável do País”.
Estabelece também
a “gestão conjunta entre a administração central e regional dos poderes de
gestão sobre as águas interiores e o mar territorial que pertençam ao
território regional e que sejam compatíveis com a integração dos bens em causa
no domínio público marítimo do Estado”, bem como a “gestão partilhada, com as
regiões autónomas, do espaço marítimo sob soberania ou jurisdição nacional
adjacente aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, exercida entre os órgãos da
administração central e regional competentes em razão da matéria, salvo quando
esteja em causa a integridade e soberania do Estado”.
É da
competência do Governo “promover políticas ativas de ordenamento e de gestão do
espaço marítimo nacional e prosseguir as atividades necessárias” à aplicação
desta lei e legislação complementar, sem prejuízo das competências dos governos
regionais no quadro de uma “gestão conjunta ou partilhada”. E cabe ao competente
membro do Governo “desenvolver e coordenar as ações necessárias ao ordenamento
e à gestão do espaço marítimo nacional, sem prejuízo dos poderes exercidos no
quadro de uma gestão conjunta ou partilhada com as regiões autónomas, e, sempre
que necessário, assegurar a devida articulação e compatibilização com o
ordenamento e a gestão do espaço terrestre”.
Nos termos do
art.º 8.º, “os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional são
elaborados e aprovados pelo Governo”, sem prejuízo das competências dos órgãos regionais”;
e, desses instrumentos, os que respeitem à plataforma continental além das 200
milhas marítimas são elaborados e aprovados pelo Governo, mediante parecer
obrigatório e vinculativo das regiões autónomas, “salvo nas matérias relativas
à integridade e soberania do Estado”.
Estes instrumentos
“são publicados em Diário da República e, no caso das regiões autónomas, no
jornal oficial da respetiva região”.
À lei que
altera o presente decreto adita o artigo 31.º-A, que estabelece que as matérias
referentes aos instrumentos de ordenamento do
espaço marítimo nacional, utilização do espaço marítimo nacional,
articulação e compatibilização com outros instrumentos de ordenamento e de
planeamento, utilização de águas do litoral e salobras para fins
aquícolas, disponibilização de
informação e relatórios sobre o estado do ordenamento e utilização do
espaço marítimo nacional, “são desenvolvidas, nas Regiões Autónomas, mediante decreto
legislativo regional, sempre que em causa estejam áreas do espaço marítimo
nacional sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes aos respetivos
arquipélagos até às 200 milhas marítimas, mediante a emissão de parecer da
administração central”, que é obrigatório e vinculativo nas matérias relativas
à integridade e soberania do Estado, sendo desenvolvido com base nos princípios
do art.º 3.º (abordagem ecossistémica;
gestão adaptativa e integrada; coordenação e compatibilização com o ordenamento
do espaço marítimo com as demais políticas públicas; valorização e fomento das atividades
económicas a longo prazo; coerência; e coordenação regional e transfronteiriça).
Os termos de definição
do ordenamento e gestão das áreas do espaço marítimo nacional sob soberania ou
jurisdição nacional adjacentes aos arquipélagos dos Açores e da Madeira,
comporta: a transferência para as regiões autónomas de competências da
administração central quanto ao espaço marítimo sob soberania ou jurisdição
nacional adjacente aos respetivos arquipélagos até às 200 milhas marítimas,
salvo quando esteja em causa a integridade e soberania do Estado; a participação
dos serviços da administração central no procedimento prévio dirigido à
aprovação dos planos de ordenamento e gestão do espaço marítimo até às 200
milhas marítimas, mediante parecer, obrigatório e vinculativo, nas matérias
relativas à integridade e soberania do Estado; a constituição de procedimentos
de codecisão, no âmbito da gestão conjunta ou partilhada, entre a administração
central e regional autónoma, quando esteja em causa o regime económico e
financeiro associado à utilização privativa dos fundos marinhos; e a
competência exclusiva das regiões autónomas para licenciar, no âmbito da
utilização privativa de bens do domínio público marítimo do Estado,
designadamente, atividades de extração de inertes, pesca e produção de energias
renováveis.
Mais: o
Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, que desenvolve a lei ora alterada deve
ser alterado de acordo com a presente lei, no prazo de 60 dias a contar da
entrada em vigor desta.
***
Na
mensagem enviada à AR sobre o Decreto N.º 46/XIV, o Presidente da República chama a atenção para o facto de o regime em vigor prever um debate sobre temas
europeus, em plenário antes de cada reunião do CE, ou seja, em média, 6 ou mais
debates anuais, normalmente, a seguir aos até há pouco existentes debates quinzenais
com o Primeiro-Ministro; anota que, aduzindo a valorização os debates em
plenário sobre os citados temas europeus, o novo regime prevê dois debates por
ano, um no início de cada Presidência semestral do CE, autónomos e mais longos,
remetendo os restantes para Comissão Parlamentar, a menos que esta, por razões
excecionais, proponha a inscrição em plenário ou este chame o Governo para
debate.
Não obstante,
pensa que a solução se não afigura feliz na perceção pública nem no tempo
escolhido. Com efeito, dois debates sabem a pouco, a comissão parlamentar não é
plenário, a prática revela que a velocidade dos acontecimentos ultrapassa
sempre “a visão simplificadora de que um debate semestral é suficiente para
abarcar uma presidência” e a leitura mais óbvia é a da desvalorização dos temas
europeus e do papel da AR perante eles. E o tempo escolhido não é adequado, a 4
meses antes do começo da presidência portuguesa do CE é o pior momento, pois
esperar-se-ia maior importância da perceção pública do caráter nuclear do
envolvimento nacional na UE. Por isso, solicita à AR que pondere “se não é, no
mínimo, politicamente mais adequado prever mais um debate em plenário, a meio
de cada semestre, ou seja, a meio de cada presidência do Conselho da União
Europeia”.
Na mensagem enviada à AR sobre o Decreto N.º 59/XIV, o Presidente da República começa por
declarar que não vê razões “para, à luz da jurisprudência constitucional, aliás
acompanhada, de forma claramente maioritária, pela doutrina, suscitar a
fiscalização preventiva da inconstitucionalidade de qualquer das suas normas”,
já que estas “ressalvam a primazia da integridade e da soberania do Estado, que
tornam indelegáveis os poderes primários sobre o domínio público marítimo. Com
efeito, exclui-se a necessidade de parecer obrigatório e vinculativo das
regiões autónomas nas matérias relativas aos princípios cuja observância cabe à
República e comete-se ao Governo a elaboração e aprovação dos instrumentos de
ordenamento do espaço marítimo nacional; e exige-se parecer obrigatório e
vinculativo da administração central para os decretos legislativos regionais de
desenvolvimento das matérias referentes que envolvam os princípios da
integridade e da soberania do Estado. Mesmo assim, o Chefe de Estado entende que
o atinente ao art.º 31.º.-A nos aspetos respeitantes a poderes secundários, entendidos
como delegáveis, deve merecer reflexão complementar e precisão acrescida. Mais
entende que se deve exigir que os procedimentos de codecisão constem dos
instrumentos de ordenamento previstos no n.º 3 do artigo 8.º (os instrumentos de ordenamento do
espaço marítimo nacional que respeitem à plataforma continental para além das
200 milhas marítimas),
garantindo assim a conjugação entre Estado e regiões autónomas na definição
desse traçado; e que será importante ressalvar explicitamente as matérias
relativas à integridade e à soberania do Estado, para atenuar problemas
subsequentes, criados pelo caráter exemplificativo da enumeração das atividades
objeto de licenciamento para utilização privativa, que pode incluir outras,
além das mencionadas, de potencial relevância para a soberania. Por isso,
devolve o diploma para os ajustamentos que a AR considerar pertinentes.
***
Os partidos
mais à direita já vieram congratular-se com o veto presidencial, sendo que o
CDS entende que essa atitude não é suficiente para garantir o apoio à
recandidatura de Marcelo. O BE já declarou que há outras soluções, sobretudo no
âmbito da lei que estabelece as Bases da
Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional. Ana Paula
Vitorino, ex-ministra do Mar e integrante do grupo de socialistas que estão
contra o teor das alterações à Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, saúda o
veto e diz que o país não pode ter três mares, como sugere o decreto da AR. E o
PS já veio publicamente dizer que vai ponderar as razões do Presidente.
Devo
dizer que é excrescente a explicação que apresenta sobre os motivos por que não
submeteu ao Tribunal Constitucional o Decreto 59/XIV. Se não viu motivos para
suspeitar da inconstitucionalidade das suas normas, não viu. Não tem que dar lições
aos deputados.
Todavia,
parece-me que tem razão em opor o veto político – aliás é direito que lhe assiste
– aos dois decretos em causa. Penso, no entanto, que sugerir o aumento de dois
debates com o Governo sobre assuntos europeus continua curto. O Presidente, enquanto
moderador não tem de se colocar na posição comedida do in medio virtus. O argumento do tempo escolhido vale pouco, pois,
uma coisa má é-o em todo o tempo. E o debate em plenário deve ser reforçado com
aumento e valorização do debate e não com a sua diminuição. Ora, sem desprimor
pelas comissões, que trabalham e afinam as matérias, a AR manifesta a sua força
no plenário.
No atinente
à lei do mar, Marcelo tem razão na sustentação do veto, sendo que essa lei, a
meu ver, merecia reformulação maior, sobretudo se tivermos em conta a “Visão
Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, de Costa e Silva. Onde está na lei, por
exemplo, Portugal como líder marítimo ou o respaldo para a criação da
universidade atlântica?
Porém, o Presidente da República não tem de criticar o
regimento da AR, como já fez embora se interferir, nem a substitui. E o que
esta fará melhor será deixar cair os preditos decretos – o primeiro por
descabido, o segundo por insuficiente – e enveredar pela formulação de uma nova
lei de “Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço
Marítimo Nacional”.
2020.08.12
– Louro de Carvalho
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