Foi o Papa Bento XVI
que o disse (a
15 de setembro de 2010)
de Santa Clara de Assis, cuja memória litúrgica se celebra a 11 de agosto. Na
verdade, disse o Papa alemão que Santa Clara “foi a primeira mulher na
história da Igreja que compôs uma Regra escrita, submetida à aprovação do Papa,
para que o carisma de Francisco de Assis fosse conservado em todas as
comunidades femininas que se iam estabelecendo em grande número já naquela época
e que desejavam inspirar-se no exemplo de Francisco e de Clara”. A sua decisão
de escrever uma regra constituiu uma mudança radical das normas religiosas do
seu tempo. Só depois de insistir, o Papa Inocêncio IV a aprovou, dois dias
antes da morte de Clara, a 11 de agosto de 1253.
Santa Clara de Assis (Chiara D’Offreducci) nasceu em 1194, em Assis, Itália. De família nobre e rica, o pai, Favarone
Scifi, era conde e a mãe era Hortolana Fiuni; viviam num palácio na cidade,
tinham muitas propriedades e até um castelo. Clara era, pois, neta e filha de
fidalgos.
Clara tinha dois irmãos e duas irmãs. As irmãs Catarina e Beatriz iriam entrar,
mais tarde, para o convento, tal como a mãe, esta depois de ficar viúva. Quando
Clara tinha perto de 12 anos, a família foi morar para Corozano e, depois, para
Perugia, refugiando-se duma revolução.
Desde jovem Clara tinha fama de religiosa e recolhida. Aos 18 anos, após uma
pregação quaresmal de Francisco, fugiu a amiga Felipa de Guelfuccio, para
encontrar Francisco de Assis,
na Porciúncula, (capelinha de Santa Maria dos Anjos, onde nasceu a
ordem dos Franciscanos e a de Santa Clara). Lá ela era
esperada por Francisco para os primeiros votos e entrada no convento.
O próprio Francisco lhe cortou os cabelos em sinal do voto de pobreza e
exigência para que ela pudesse ser religiosa. Depois da cerimónia foi levada
para o Mosteiro das Beneditinas e, por exigência de Francisco para poder entrar
para a vida religiosa, vendeu tudo, inclusive o seu dote para o casamento, para
distribuir pelos pobres. A família foi buscá-la, mas ela recusou voltar,
mostrando a Monaldo, seu tio os cabelos cortados, o que o levou a desistir.
Entretanto, a sua irmã Catarina também fugiu para o convento aos 15 anos de
idade. A família envia novamente o Tio Monaldo para busca-la à força. Monaldo
amarra a moça e prepara-se para arrastá-la de volta para casa. Clara, não
suportando ver o sofrimento da irmã, rogou ao Pai Celeste que interviesse.
Então a menina amarrada ficou tão pesada que ninguém conseguia movê-la. E Monaldo
desistiu. Catarina entrou para o convento e recebeu o nome de Inês. Depois de
ter passado pelo convento de Santo
Ângelo de Panço, Francisco leva Clara e as seguidoras para o Santuário
de São Damião, onde foram morar em definitivo.
Por causa da invasão muçulmana, a região de Assis passou necessidades.
Tanto que, certa vez, as irmãs, que já eram mais de 50, não tinham o que comer.
Então a irmã cozinheira chega desesperada e informa Clara de que havia somente
um pão na cozinha.
Clara abençoou o pão, rezaram o Pai Nosso e disse-lhe: “Confia em Deus e divide o pão em 50 pedaços”.
A irmã cozinheira, mesmo sem entender, obedeceu. E, de repente, dezenas de pães
aparecem na cozinha e as irmãs conseguem sustentar-se durante vários dias,
apesar de terem enviado metade aos irmãos menores – o que a levou a proclamar
interrogando:
“Àquele
que multiplica o pão na Eucaristia, o grande mistério da fé, por acaso lhe
faltará o poder para abastecer com pão as suas esposas pobres?”.
Noutra
ocasião, numa das visitas do Papa Inocêncio III ao convento, Clara preparou as
mesas e colocou nelas o pão para que o Santo Padre os abençoasse. O Pontífice
pediu à Santa que o fizesse, mas Clara se opôs rotundamente. Todavia, o Papa
pediu-lhe que fizesse o sinal da cruz sobre os pães e os abençoasse em nome de
Deus. Santa Clara, como verdadeira filha da obediência, abençoou muito
devotamente aqueles pães com o sinal da cruz e, no mesmo instante, apareceu o
sinal da cruz marcado em todos os pães.
Pela intercessão de Santa Clara muitos milagres se realizaram quando ela ainda
era viva e depois do seu falecimento. Um dos mais expressivos foi quando os
sarracenos invadiram Assis e tentaram entrar no convento das Clarissas. Santa
Clara pegou no ostensório com o Santíssimo
Sacramento e disse aos invasores que Jesus Cristo era mais forte
que todos eles. Então, inexplicavelmente, todos, tomados de grande medo,
fugiram sem saquear o convento. Por isso, Santa Clara é representada com touca
e suas vestes marrons a segurar o ostensório.
Um ano antes de (faleceu a 11 de agosto de 1253), Clara de Assis falecer queria muito ir a uma missa
na Igreja de São Francisco (já
falecido). Não tendo condições de ir por
estar doente, entrou em oração e conseguiu assistir a toda a celebração da sua
cama no seu quarto do convento.
Segundo os seus relatos, a Missa aparecia-lhe como que projetada na
parede do quarto. Clara conseguiu ver e ouvir toda a celebração sem sair da
cama. O facto foi confirmado quando Clara relatou vários aspetos da missa e
detalhou palavras do sermão do celebrante. E várias pessoas presentes na missa
confirmaram o que a Santa narrou como tendo realmente sucedido.
Por isso, a 14 de fevereiro de 1958, o Papa Venerável
Pio XII proclamou oficialmente Santa Clara de Assis como a padroeira da televisão.
Santa Clara de Assis é a fundadora das Clarissas (antes
chamadas de senhoras pobres), com
conventos espalhados por vários lugares da Europa e uma espiritualidade voltada
para a pobreza, oração e a ajuda aos mais necessitados. Escreveu a Regra para
as mulheres religiosas, a regra de viver o mistério de Jesus Cristo de acordo com
as propostas de São Francisco de Assis. Clara foi o lado feminino dos
franciscanos e as irmãs Clarissas permanecem até hoje nesse alinhamento.
Santa Clara de Assis morreu em Assis no dia 11 de agosto de 1253, aos 60 anos
de idade. Um dia antes da morte, recebeu a visita do Papa Inocêncio IV, que lhe entregou
a Regra escrita por ele aprovada e aplicada a todas as monjas. E, na hora da
morte, exclamou:
“Vai segura,
minha alma, porque tens uma boa escolha para o caminho. Vai, porque Aquele que
te criou também te santificou. E, guardando-te sempre como uma mãe guarda o
filho, amou-te com eterno amor. E Bendito sejais Vós, Senhor, que me criastes.”.
O Papa mandou enterrá-la na Igreja de São
Jorge, onde São Francisco estava enterrado. Em 1260, depois de
construída a Basílica de Santa Clara, ao lado da Igreja de São Jorge, o seu
corpo foi transladado com todas as honras. Foi canonizada pelo Papa Alexandre IV, no ano de
1255, dois anos após sua morte.
***
Por ocasião da memória da Santa de Assis, o ministro geral dos Frades
Menores, Fr. Michael Perry escreveu às
Clarissas, como se pode ler no portal da Santa Sé, o Vatican News, e refletiu sobre a experiência da clausura na crise da
covid-19 resultante do novo coronavírus, solicitando-lhes: “Em solidariedade à humanidade sofredora,
ajudem-nos a perseverar na oração”.
Começou por frisar que observar o
Evangelho vivendo na obediência, sem nada de próprio, e na castidade era o
desejo de Clara, a “plantinha de Francisco”,
como ela própria se definia, e que o concretizou no Mosteiro de São Damião,
próximo da igreja que Francisco havia reconstruído, escrevendo que ali, “em
pouco tempo o Senhor, por sua misericórdia e graça”, as multiplicou muito”. E,
como Francisco, incentivava as irmãs reclusas, “com muitas exortações e com o
seu exemplo, ao amor e à observância da santíssima pobreza”, deixando “muitos
ensinamentos escritos para que, após sua morte”, não se afastassem dela de
nenhum modo.
Desta feita, é o ministro geral dos Frades menores a escrever para as filhas de Clara, as monjas clarissas. “O Senhor não nos salva da história, mas na história” é o título da Carta que recorda o exemplo da primeira seguidora de Francisco e nos convida a olhar com esperança para o mundo que vive a emergência do novo coronavírus. E explica Fr. Perry:
“A clausura é um pequeno campo de batalha no coração do planeta, onde
não nos ensinam tanto sobre a ‘fuga mundi’, mas sim como viver nas
profundezas do espaço, a entrar na cor das diversas horas do dia e no kairós de
Deus, alternando palavras e silêncio para construir relações de comunhão com a ajuda
do Espírito”.
E esclarece
que Deus “não nos salva da covid-19, mas
na covid-19, não nos salva da solidão, mas na solidão, não nos salva do medo,
mas dos nossos medos”.
Na carta, o
ministro geral relata como muitas comunidades monásticas viveram os meses mais
difíceis da pandemia, falando inclusive das religiosas que se sentiram
consoladas “em acompanhar por pequenos rádios as liturgias presididas pelo Papa
Francisco”, ouvindo as “suas homilias que se tornaram a base de uma forma de
vida reduzida aos seus elementos essenciais”. E recorda como Santa Clara
encorajara as que a tinham seguido na sua escolha de vida:
“Minhas irmãs e filhas, não tenhais medo. Se
Deus estiver connosco, os nossos inimigos não poderão ofender-nos. Confiai em Nosso
Senhor Jesus Cristo, que do temor nos libertará.”.
São Palavras
que Santa Clara parece repetir também nos dias de hoje, em tempos de Covid.
Revelando
que também aos mosteiros chegaram as inquietações em relação ao amanhã, relata
Fr. Perry que, mesmo assim, uma comunidade de Clarissas “respondeu
generosamente aos apelos dos pobres à sua porta” – apesar das dificuldades
financeiras enfrentadas devido ao confinamento – e “também os benfeitores
bateram à porta do mosteiro para oferecer a sua contribuição”. Assim, exorta:
“Mais do que nunca, somos convidados a
confiar na Providência porque até agora o Senhor não nos abandonou, nem nos
abandonará. Viver na simplicidade, evitando todo o desperdício; viver na
solidariedade, dar o melhor de nós para fazermos o bem que podemos fazer.”.
Fr. Perry
pensa que o que está a acontecer pode ser “uma oportunidade para construir um
novo mundo baseado não mais no paradigma da globalização, em nível comercial ou
cultural, mas num retorno ao local, à família, ao regional”. E dirigindo-se às
Clarissas, acrescenta:
“Contamos convosco e com a sabedoria do vosso estilo de vida para nos
ajudardes a ousar ser novos depois desta crise. (…) Os vossos mosteiros são
reservas de paz, serenidade, esperança e compaixão para aqueles que estão na
linha da frente da batalha.”.
Por fim, o
ministro geral dos Frades Menores exorta as Clarissas a manterem “o olhar fixo
no Crucifixo” e faz os seguintes votos:
“Que a compaixão que vós podeis demonstrar
como do coração de uma mãe, se possa transformar em perfume fragrante, capaz de
consolar tantas pessoas aflitas e doentes, apoiar o pessoal da saúde tão
generoso e dedicado, encorajar as famílias e inflamar o coração dos jovens que
o Senhor está chamando para segui-Lo”.
Fr. Perry
conclui a carta considerando que o novo coronavírus “nos ensinou que estamos
todos no mesmo barco” ao atacar “indiscriminadamente ricos e pobres, poderosos
e pequenos, justos e pecadores”, pelo que pede às monjas:
“Em solidariedade com a humanidade sofredora, ajudem-nos a perseverar na
oração para esperar contra toda esperança: ‘A nossa ajuda está em nome do
Senhor’.”.
***
Em suma, Clara amou tanto a pobreza que nunca mais quis
separar-se dela, nem sequer na extrema indigência e na enfermidade. Um poderoso
atrator para as suas seguidoras!
2020.08.11 –
Louro de Carvalho
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