sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Desempregados do turismo no setor social, talvez sim, talvez não

 

No dia 19, o Primeiro-Ministro esteve presente, em Lisboa, na cerimónia de assinatura de declaração de compromisso de parceria para Reforço Excecional dos Serviços Sociais e de Saúde, e no lançamento do Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES) 3.0 – que tem o objetivo de apoiar o desenvolvimento, a consolidação e a reabilitação da rede de equipamentos sociais –, cerimónia em que participo Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Durante a sua intervenção, o António Costa sublinhou que “a solidariedade é o valor mais importante em qualquer sociedade que se quer decente”, reiterou que “o Estado sabe que faz melhor se não fizer sozinho” e anunciou a contratação de mais 15 mil trabalhadores até ao final deste ano para as IPSS, mutualidades, misericórdias ou cooperativas.

Os equipamentos sociais abrangidos incluem creches, serviços de apoio domiciliário, Centros de Dia, lares de idosos e a rede de respostas residenciais e de centros de atividades ocupacionais, nos termos da Portaria n.º 201-A/2020, de 19 de agosto, publicada em Diário da República nesse mesmo dia, e que cria o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais – 3.ª Geração, também designado por PARES 3.0, e aprova o respetivo Regulamento.

O financiamento previsto pode ser aplicado em obras de construção de raiz, obras de ampliação, remodelação de edifício ou fração, ou na aquisição de edifício ou fração.

Em relação a programas anteriores, o montante de financiamento público é aumentado de 75% para 80% e, pela primeira vez, admite-se o adiantamento de verbas até 15% do valor do financiamento aprovado, ajudando à flexibilização da tesouraria das IPSS.

A declaração de compromisso para o Reforço Excecional dos Serviços Sociais e de Saúde assume a intenção de aprofundar o trabalho de parceria com as entidades do setor social e solidário no reforço dos recursos humanos destas instituições. A declaração, que foi assinada com a Confederação Cooperativa Portuguesa (CCP), a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a União das Mutualidades Portuguesas, tem como objetivo alargar a Medida de Apoio ao Reforço de Emergência de Equipamentos Sociais e de Saúde (MAREESS), fazendo-a chegar a mais pessoas.

Com este reforço excecional pretende-se ir mais longe. O Governo prevê introduzir uma majoração em 30% das bolsas mensais aos destinatários mais qualificados, criar um incentivo de emergência à substituição de trabalhadores ausentes ou temporariamente impedidos de trabalhar em entidades com fins lucrativos, alargar o âmbito de destinatários dos apoios, de forma a abranger os trabalhadores independentes, e simplificar o processo de prorrogação dos projetos apoiados pela medida. Esta medida de apoio pretende assegurar a capacidade de resposta das instituições públicas e do setor solidário com atividade na área social e da saúde. Até ao momento foram já aprovadas as candidaturas de mil instituições para a colocação de 6200 pessoas, a grande maioria das quais em instituições de apoio a idosos. Os apoios dirigem-se a desempregados, trabalhadores com contrato de trabalho suspenso ou horário de trabalho reduzido, trabalhadores com contratos de trabalho a tempo parcial e estudantes e formandos.

Ao abrigo desta medida, é atribuída bolsa mensal de 438,81 euros para desempregados subsidiados e 658,22 euros para os restantes (comparticipada pelo IEFP em 90% do montante total). E está previsto um prémio-emprego para as entidades que contratem sem termo os participantes integrados nos projetos. O apoio a conceder equivale a duas retribuições-base, até ao limite de 2194 euros. O compromisso do Governo está integrado na resposta transversal que tem vindo a ser implementada para responder aos efeitos sociais provocados pela pandemia.

Para as respostas sociais e para a ação social, que são uma área nuclear da resposta, têm vindo a ser aprovadas medidas relativas a pessoas com deficiência, às suas famílias e às entidades que lhes prestam apoio; foi garantido um aumento da comparticipação financeira no âmbito dos acordos de cooperação celebrados para o funcionamento das respostas sociais; e foram aprovadas medidas de apoio extraordinário à ação das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e entidades equiparadas. Neste último ponto, têm sido contempladas comparticipações, apoios à manutenção de postos de trabalho, diferimento de obrigações fiscais e contributivas ou uma linha de financiamento específica para o setor social.

Também na sua intervenção, o Chefe do Governo sugeriu que os desempregados do setor do turismo, um dos mais afetados pela crise pandémica, podem converter-se em profissionais do setor social. Nesse sentido e conforme transmitiu a RTP3, vincou:

Permitam-me uma palavra final sobre o emprego: como todos sabemos, um dos setores mais atingidos por esta crise económica e que de forma mais duradoura vai ser atingido é, por exemplo, o setor do turismo. Ora, muitas das milhares de pessoas que estão neste momento a perder o emprego no turismo são pessoas que já têm uma formação de base e uma experiência de cuidado pessoal e relacionamento pessoal que são um recurso fundamental para, com formação naturalmente, serem facilmente convertidas para continuar a trabalhar com pessoas agora nas instituições do setor social.”.

O evento, segundo a Ministra Ana Mendes Godinho, teve como objetivo lançar a terceira geração do PARES com um investimento de mais 110 milhões de euros para o “alargamento da rede de equipamentos, requalificação e melhoria da nossa capacidade coletiva de resposta social, dando prioridade a respostas sociais de apoio a idosos, creches e apoio à deficiência”. E Costa disse serem necessárias mais creches, por causa do equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, e mais cuidados domiciliários, para diminuir o nível de institucionalização dos idosos, cuja população vai crescer.

O aludido PARES, um programa financiado com verbas provenientes dos resultados líquidos da exploração dos jogos sociais, já colocou 6.200 desempregados, trabalhadores em lay-off e outras pessoas elegíveis a desempenhar trabalho social em mais de mil instituições, segundo a Lusa. Porém, Mendes Godinho fez questão de assinalar que esta medida “não esgota” o horizonte da ação do Governo no setor. E António Costa revelou que, neste reforço da ajuda do Estado ao setor social, revelou que também irá canalizar os futuros fundos comunitários, seja do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, seja do Fundo de Recuperação europeu, para as instituições do setor social, pois, como disse, “temos de utilizar com inteligência o pouco dinheiro que temos”, sendo que a prioridade é reativar a economia e recuperar o emprego.

Frisando que “temos de fazer das tripas corações” para aplicar dinheiro que vem da Europa, Costa declarou que Portugal terá de executar em quatro anos o que normalmente executa numa década, tarefa que “implica muitos mais braços”, pelo que o Governo espera ter a colaboração destas instituições “para utilizar o poder de fogo da bazuca europeia” e para que este dinheiro “não fique só pelos centros urbanos”, mas seja descentralizado. E, numa declaração indireta, voltou a falar da polémica à volta da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, referindo que “não é possível que não haja falhas”, mas que “em cada falha aprendemos e temos que ter uma vontade acrescida de as superar, prevenir, evitar”. E disse:

Como cidadão, e não como Primeiro-Ministro, não posso aceitar esta forma como têm vindo a ser crucificados na praça pública, de uma forma tão injusta, aqueles que dão o melhor do ponto de vista solidário, para responder às necessidades, seja das crianças, seja dos idosos, seja dos deficientes, seja de todos aqueles que estão a cargo das IPSS”.

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Por seu turno, a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) considerou, neste dia 20, inaceitável a proposta do Primeiro-Ministro de reconverter os desempregados do turismo em trabalhadores de IPSS, mutualidades, misericórdias ou cooperativas. Nesse sentido, Francisco Calheiros, presidente da CTP, declara:

“Se o Governo dá por perdida a retoma da atividade turística e os milhares de empregos associados ao setor que tem sido o motor da economia nacional, nós não o faremos. Aquilo de que nós precisamos é de medidas que permitam manter a atividade e os postos de trabalho, como é o caso do prolongamento do lay-off simplificado, que terminou. A nossa solução será sempre a de recuperar as empresas do turismo e não desistir delas.”.

O comunicado da CTP pretende esclarecer:

Ao contrário das declarações proferidas ontem [quarta-feira] pelo Primeiro-Ministro na cerimónia de assinatura de declaração de compromisso de parceria para Reforço Excecional dos Serviços Sociais e de Saúde, a CTP considera que os trabalhadores do turismo não têm formação de base para prestar cuidados de saúde e higiene a cidadãos em situação de fragilidade ou à população idosa”.

E Calheiros sublinha a forte aposta na formação e qualificação dos s profissionais de turismo feita nos últimos anos e “que não podemos desvalorizar”. Para a CTP, “a prioridade” terá de ser “garantir que as empresas não encerrem, através de medidas determinantes para a retoma da atividade como o prolongamento das moratórias fiscais e de reembolsos de financiamento para o segundo semestre de 2021, o reforço das linhas de capitalização a fundo perdido para o turismo e o ressurgimento do fundo de turismo de capital de risco”.

Também Francisco Figueiredo, da Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal acha “sem pés nem cabeça” a proposta do Chefe do Governo, pois os trabalhadores do setor social têm uma formação específica e certificada e vocação para o efeito. E o Governo deveria preocupar-se com os direitos laborais e promover inspeções no âmbito do turismo.

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É de manter, desde que possível, o princípio do emprego de acordo com a formação recebida. Porém, não é lícito colocar nas palavras do Primeiro-Ministro o que ele não disse. Com efeito, para a passagem dum setor ao outro, deixou entender que era necessária uma formação específica, mas mais facilitada pelo facto de tais trabalhadores já teremuma formação de base e uma experiência de cuidado pessoal e relacionamento pessoal”. Ora, sendo o turismo o setor que pôs mais desempregados a cargo do IEFP, é temerário estar à espera da recuperação total do setor para confiar trabalho a todos eles. E o IEFP tem módulos de formação para reconversão profissional, que podem ser aplicados oportunamente. Quanto à vocação propalada por Figueiredo, é de considerar isso altamente discutível. Provavelmente trabalhar com idosos é deveras difícil e os trabalhadores são mal pagos.

Uma coisa, porém, será de acautelar: ninguém poderá ser obrigado a mudar, ou seja, será legítimo incentivar à mudança, mas respeitando a liberdade de cada um, como, à medida que surja lugar vago no setor turístico, deverá ser dada prioridade aos seus antigos trabalhadores. Por outro lado, é desejável que todos estejam disponíveis para aceitar sair da zona de conforto para responder com eficácia aos novos desafios, até porque o aperfeiçoamento profissional e mesmo a reconversão profissional podem ser necessários dentro da própria atividade a que nos vimos dedicando. Quem é que não fez trabalho que nunca pensou ter de o fazer?

2020.08.21 – Louro de Carvalho

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