terça-feira, 18 de agosto de 2020

Ministra já leu relatórios e Costa irá à AR sempre que solicitado

 


O Primeiro-Ministro veio a terreiro hoje, dia 18, como lhe compete, pronunciar-se sobre duas questões que sobressaem nas pantalhas da política sob a qual somos governados.

Uma delas é a decorrente das declarações de Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), que admitiu não ter lido o relatório da Ordem dos Médicos (OM) sobre o caso particular dos óbitos conexos com a covid-19 num lar de idosos em Reguengos de Monsaraz, alegando ser matéria de saúde, o que acabou por gerar polémica, a exigência da sua presença na Assembleia da República (AR) e até pedidos da sua demissão. Porém, neste dia 18 de agosto, já veio emendar a mão declarando aos jornalistas:

“Naturalmente, conheço o teor dos relatórios, li todos os relatórios. Pedi [à minha equipa técnica] para fazer uma análise minuciosa. Aliás, aproveito para dizer que, logo no dia 12 de julho, pedi à Segurança Social que fizesse uma avaliação e desencadeasse toda uma análise do que se passava em Reguengos. E, no dia 14 de julho, a Segurança Social fez um relatório de toda a situação, que foi enviado para o Ministério Público.”.

Acabou por seguir o ditame do Presidente da República, que leu tudo e disse que são muito técnicos, mas que é preciso ler todos os relatórios porque são importantes, e o exemplo do Ministério da Saúde, que garantiu, pela voz do Secretário de Estado da Saúde, que se leem naquele Ministério todos os relatórios que ali chegam.

A Ministra salientou que os lares têm sido uma prioridade do Governo desde o início da pandemia do novo coronavírus, querendo “voltar a frisar que, desde o início, os lares têm sido uma prioridade total de todos nós, atendendo ao risco e à idade das pessoas que aí estão”, e reiterando, nesse sentido, que tem uma task force dedicada a esta matéria. 

A governante aproveitou ainda para sublinhar que já foram colocadas seis mil pessoas para reforçar os meios dos lares e lembrar que, em 2019, foram encerrados 137 lares ilegais.

Surgiram também críticas à Ministra porque alegadamente estava a desvalorizar a situação nos lares ao ter dito, na entrevista ao Expresso, que a “dimensão dos surtos não é demasiado grande em termos de proporção”, referindo que são 3% do total dos lares e 0,5% das pessoas internadas em lares que estão afetadas pela doença.

Reagindo à polémica sobre o caso do lar de Reguengos de Monsaraz, o Primeiro-Ministro defendeu a Ministra, apontando que Ana Mendes Godinho instaurou um inquérito ao lar logo no dia 12 de julho e comunicou ao Ministério Público no dia 16 desse mês, e referindo que “não nos devemos distrair do essencial nem estar com polémicas artificiais”.

Fê-lo após uma reunião do Centro de Coordenação Operacional Nacional, em declarações transmitidas pelas televisões, e sustentou que “não vale a pena pedir demissão da Ministra”, dizendo: “Tem toda a minha confiança, está a fazer um excelente trabalho”. E acrescentou:

“Numa fase de crise como a que estamos a viver, do ponto de vista sanitário, económico e social, com tanta gente a sofrer com receio de perder emprego, pessoas que têm menos procura do que tinham dos serviços que prestam, temos de ter respeito pelos cidadãos e não alimentar polémicas”.

Pronunciando-se sobre o teor das declarações de Ana Mendes Godinho, António Costa entende que “não houve das palavras da Ministra nenhuma tentativa de desvalorização da gravidade” e frisa que “ao Ministério do Trabalho [, Solidariedade e Segurança Social] cabe fiscalizar e apoiar os lares”.

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Também António Costa se referiu às pretensas novas regras dos debates na AR, dizendo: 

“Dançamos conforme a pauta da música que nos for traçada (…). Se os debates forem diários, lá estaremos diariamente. Se forem anuais, lá estaremos anualmente.”.

Recusando comentar o veto do Presidente da República ao veto do diploma da AR que reduz os debates parlamentares em plenário sobre a Europa com a participação do Primeiro-Ministro, Costa mostrou-se disponível para cumprir com o que for determinado pela AR.

E, depois de ter deixado claro que não comenta as decisões de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os atos da AR, sublinhou que não compete ao Governo dizer “como é que o Parlamento se organiza” e garantiu que estará disponível para os debates que forem fixados.

O Presidente da República considerava que a “solução encontrada não se afigurava feliz”. E, tendo sido uma alteração acertada entre o PS e o PSD para determinar a redução para um terço do valor atual de debates sobre esta matéria, o Chefe do Governo percebe a posição do Presidente da República, tal como percebe a crítica de alguns dos deputados do PS e do PSD. Por outro lado, a sua resposta lapidar de que “dançamos conforme a pauta da música que nos for traçada”, deixa a impressão de que não se intromete nas alterações ao Regimento da AR, nomeadamente na que estabelece o fim dos debates quinzenais, que o Presidente da República criticou, mas sobre a qual não tem poder de veto. Isto, apesar de Costa ser o líder do PS, partido com o qual foram negociadas as alterações ao Regimento e às leis sobre debates em plenário, designadamente a atinente aos debates sobre a Europa e a que exige 10 mil assinaturas para que uma petição de cidadãos eleitores possa ser apreciada em plenário, em vez das 4 mil agora em vigor. O Presidente da República também opôs o seu veto político a esta disposição, mas Costa passou em silêncio tanto esta disposição como o veto presidencial.  

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É normal que António Costa como secretário-geral do seu partido tome ou aceite iniciativas que levem a AR a deliberar de determinada maneira. Porém, quando o sucesso de tais deliberações é anulado pela crítica forte e intempestiva, pelo veredicto do Tribunal Constitucional ou pelo veto político do Chefe de Estado, é de esperar que o Primeiro-Ministro se escude na lógica da separação dos poderes, aliás como é timbre do seu discurso habitual.

Penso que o debate democrático não ganha dignidade com a supressão de debates no plenário da AR (o remédio tem de ser outro: mobilizar a competência honesta do deputados) – sejam os antigos debates quinzenais, agora reduzidos drasticamente, sejam os debates sobre assuntos europeus, sejam os decorrentes das petições de cidadãos eleitores. 

Quanto ao mais, se me interessa pouco que um Ministro leia ou não diretamente relatórios (não deve dizer que não leu), também não fico mais tranquilo pelo facto de a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social vir dizer que já leu todos os relatórios.

Lamento o que se passou em Reguengos sobre falhas na administração de medicamentos impeditivos de trombose ou antidiabéticos, sobre continuidade de administração de hipotensores a desidratados ou sobre a não visita ao lar por parte da autoridade de saúde regional pelo facto de o seu responsável pertencer a um grupo de risco e não ser substituído, bem como sobre o facto de a diretora clínica ter adoecido e alegadamente não se poder mexer na medicação prescrita conforme era recomendado pelos médicos visitantes.

É urgente saber ao certo o que se passou e sobre quem impendem as responsabilidades pelo que aconteceu. E é de perguntar se factos destes não estarão a acontecer em outros lares semelhantes espalhados pelo país. Ora, não se podendo atirar pedras ao Primeiro-Ministro por isso, é de lhe exigir que ponha os membros do governo maior de todos os tempos mais ativos.

2020.08.18 – Louro de Carvalho 


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