sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Fátima: “todos têm direito à festa nupcial”

 

Disse-o Dom José Traquina, Bispo de Santarém e presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana, na 48.ª Peregrinação do Migrante e Refugiado, a que presidiu, a 12 e 13 de agosto, falando dos migrantes explorados, pobres, refugiados e deslocados.  

O presidente da Peregrinação Internacional Aniversária de agosto, em Fátima, afirmou, na alocução que fez na Celebração da Palavra na noite do dia 12, que os estrangeiros são “uma necessidade e um bem” para Portugal e não podem ser “explorados ou maltratados”, antes devem ser acolhidos e protegidos com a “respeitabilidade” que se quer para os portugueses que “vivem em qualquer outro país” e ser informados das nossas “regras e hábitos de convivência, ao mesmo tempo que se lhes hão de dar “as condições para expressarem a sua cultura”.

O prelado escalabitano apelou aos fiéis a que manifestem “capacidade de acolhimento” e não cultivem sentimentos que não correspondem à “matriz cristã de fraternidade universal”, para o que desafiou os responsáveis diocesanos a um maior envolvimento no apoio aos migrantes.

Afirmando que a OCPM (Obra Católica Portuguesa de Migrações) espera mais envolvimento dos Serviços Diocesanos com os migrantes, frisou que  é desejável que os Secretariados Diocesanos desenvolvam iniciativas que tenham a ver com os migrantes portugueses no estrangeiro e com os imigrantes estrangeiros residentes em Portugal que, segundo um recente Relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, “ultrapassa as 590 mil pessoas” – realidade para a qual “a Pastoral da Igreja tem de estar atenta para acompanhamento e apoio”, sendo que o grande desafio mundial é o reconhecimento dos “direitos dos pobres”, sobretudo neste contexto de maior vulnerabilidade, acentuada pela pandemia. Na verdade, mais que o apelo a uma generosidade pontual ou continuada, “trata-se de reconhecer a nível mundial o direito dos pobres”, pois “Deus quer que seja reconhecido o direito dos pobres no mundo inteiro”.

O Bispo de Santarém lembrou particularmente os migrantes que sempre viveram “dificuldades acrescidas”, os portugueses que não puderam regressar a Portugal ou daqui sair, os que foram atingidos pelo vírus, os que ficaram desempregados e os que experimentam a fragilidade e a acentuada insegurança por viverem num país estrangeiro. Recordando as mais de 250 mil pessoas deslocadas por causa dos conflitos armados em Cabo Delgado, Moçambique, vincou a urgência de encontrar “uma solução para travar os combates armados que atingem pessoas inocentes” e observou que, “em África ou em qualquer parte do mundo, é necessário considerar a pessoa humana como o centro, o valor e o bem maior a acolher, defender e promover, para que haja humanização e desenvolvimento social”. E, deixando votos de que a peregrinação seja “um momento de transfiguração”, “retemperadora da força e da luz interior da Fé”, concluiu:

A missão dos Pastorinhos mostra que viver em Deus implica interesse e zelo pela humanidade. Concretizando o Evangelho, esta é a missão que nos é confiada, sabendo que o futuro do mundo depende da conversão dos homens, na resposta ao problema dos pobres e à defesa do planeta Terra.”.

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É de recordar que, durante a Procissão das Velas, houve um momento de oração junto ao monumento ao Muro de Berlim, cuja construção foi iniciada no dia 13 de agosto de 1961. Nesta oração rezou-se pela paz e pelo fim dos conflitos entre os homens.

A Peregrinação Internacional Aniversária de agosto, que integrou, pela 48.ª vez, a Peregrinação Nacional do Migrante e Refugiado, assinalou a 4.ª aparição de Nossa Senhora, que, por a 13 os pastorinhos estarem retidos em Ourém pelo administrador, ocorreu a 19, nos Valinhos, a cerca de 3 quilómetros da Cova da Iria. Além dos peregrinos migrantes e os peregrinos portugueses, inscreveram-se nos serviços do Santuário para participar nas celebrações programadas 7 grupos, 3 dos quais estrangeiros, nomeadamente de Espanha, Itália e Polónia.

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Entretanto, na homilia da Missa deste 13 de agosto, Dom José Traquina apontou a partilha e a caridade cristãs como caminho para um mundo mais justo.

A partir do Evangelho proclamado, que relata o episódio das Bodas de Caná, o presidente da peregrinação destacou o papel de intercessão da Virgem Maria na História da Salvação para deduzir a missão da Igreja na procura de um mundo mais fraterno, em especial com os migrantes explorados, os pobres, os refugiados e os deslocados. E, exortando a assembleia à partilha e caridade, metas do amor cristão, disse:  

Sejamos extensivos, a sua noiva que é a multidão de homens e mulheres que eram como ovelhas sem pastor, são hoje os atuais milhões de pobres em todo o mundo, os milhões de refugiados que têm de fugir como Jesus para terem vida, os migrantes que, por desconhecimento das formas legais de emigrar, são explorados por contrabandistas e traficantes, os milhões de pessoas deslocadas forçadamente dentro do seu próprio país, por falta de segurança. Todos estes têm direito à festa nupcial.” (vd Mt 22, 11-14).

Citando um versículo da Carta de Paulo aos Romanos, “nada, nem ninguém, “poderá separar-nos do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,39), garantiu que “é este amor indestrutível que celebramos na Eucaristia, o grande sacramento da Igreja que suscita e alimenta o zelo apostólico e a prática da caridade”. E concluiu tomando como exemplo a entrega dos Pastorinhos à “Luz de Cristo que vence as trevas” pelo serviço ao próximo.

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Gesto caraterístico no ofertório da Eucaristia da Peregrinação Aniversária de agosto, e que se manterá, é a oferta de trigo pelos peregrinos. A história deste gesto, que se realizou este ano pela 80.ª vez, remonta a agosto de 1940, quando um grupo de jovens da Juventude Agrária Católica, de 17 paróquias da diocese de Leiria, ofereceu 30 alqueires de trigo, destinados ao fabrico de hóstias para consumo no Santuário de Fátima. Desde então, os peregrinos, já não só de Leiria, mas também de outras dioceses do país e até do estrangeiro, têm vindo a dar continuidade, ano após ano, a este ofertório. 

Durante o ano de 2019 foram oferecidos 8060 quilos de trigo e 545 quilos de farinha. Consumiram-se, no Santuário, aproximadamente 15.500 hóstias e 1.089.000 partículas.

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Antes da Procissão do Adeus, o Bispo de Leiria-Fátima, Cardeal Dom António Marto, fez, como é usual, a saudação final, deixando, em primeiro lugar, um “abraço espiritual” aos migrantes presentes na Cova da Iria e aos que acompanhavam a Peregrinação pelos meios de comunicação social, vincando:

É sempre bela esta peregrinação de agosto, sobretudo por esta caraterística particular de ser dedicada a todos os migrantes: a todos os nossos irmãos que trabalham no estrangeiro e que hoje estão aqui a representar diferentes povos, mas irmanados na mesma fé e amor, formando uma só família, para além de todas as diferenças”.

Saudou o presidente da Peregrinação, a quem agradeceu a mensagem “interpeladora e bela” que apelou ao “reforço dos laços da solidariedade e da partilha fraterna e ao fortalecimento da esperança no futuro de um mundo melhor”.

Depois, citando o Papa Francisco, ao pedir a oração pela paz no mundo, em particular pelo povo libanês, avisou:

Se não cuidarmos uns dos outros não curaremos o nosso mundo enfermo”.

Dom António Marto saudou também os Bombeiros, que, nos últimos dias, combatem os incêndios no país, em especial os que faleceram no exercício desta função, tal como lembrou os doentes e seus familiares, em especial os que sofrem com a pandemia.

Fez notar a presença dos peregrinos mais pequenos, a quem enviou saudação de carinho e afeto e uma bênção especial em nome de Jesus e dos Pastorinhos de Fátima para uma infância feliz.

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Também no dia 13, Dom António Marto, à margem da Peregrinação, presidiu à bênção de 7 novas ambulâncias – 6 de socorro e uma de transporte de doentes –, da Associação Humanitária de Bombeiros de Fátima, adquiridas na sequência de campanha de angariação de fundos para o reforço e renovação de frota realizada junto de instituições, empresas e particulares, residentes em Fátima e na diáspora. A primeira destas ambulâncias foi oferecida pelo Santuário de Fátima.

Nas breves palavras que dirigiu antes da bênção, o Cardeal lembrou o papel dos bombeiros, que denominou de “nobre e bela missão”, valorizada ainda mais neste tempo de pandemia, que acentuou a vulnerabilidade de tantas pessoas. E disse:

É de louvar e reconhecer o trabalho e o empenho de tantas pessoas que manifestam o amor ao próximo, arriscando a sua vida para tratar da saúde do outro, salvar vidas e proteger a nossa casa comum”.

Dirigindo-se aos bombeiros de Fátima presentes no Santuário, onde decorreu a bênção junto ao Posto de Socorros, depois de uma primeira oração na Capelinha, declarou:

 Vós sois heróis de pleno título. (…) Deveis lembrar-vos, sempre, de que sois uma bênção para os outros; para a comunidade.”.

Por fim, o Cardeal lembrou que, além da “gratidão individual”, as palavras de reconhecimento pelo trabalho correspondem a um sentimento mais vasto. E explicitou:

É uma presença da Igreja que assim manifesta a gratidão e o afeto a esta corporação, e a todos os bombeiros, pelo trabalho em favor da pessoas e da comunidade”.

Durante a cerimónia, usaram ainda da palavra o presidente da Associação Humanitária de Bombeiros de Fátima, Amorim Gonçalves, que destacou a missão dos bombeiros e agradeceu a “generosidade de todos os que participaram desta campanha”, sublinhando:

Nós trabalhamos em função das necessidades das comunidades, mas também dependemos de todas as pessoas para podermos funcionar”.

Este dirigente associativo lamentou a falta de apoio financeiro do Governo à construção das novas infraestruturas dos bombeiros em Fátima – crítica secundada pelo Presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares. E enfatizou:

Estamos num dos lugares mais respeitados da Humanidade, um lugar sagrado e de fé”.

Depois exortou à fé e à esperança de que “o bom senso venha a prevalecer para que esses que andam distraídos tenham luz” e possam os bombeiros responder “no momento certo e na medida certa” com “o apoio para que estes homens e mulheres, heróis que se entregam, possam ter as ferramentas adequadas para a prestação do seu serviço”.

E o Presidente da Câmara Municipal de Ourém, que é simultaneamente a autoridade máxima concelhia em termos de Proteção Civil, agradeceu a ação e a entrega dos bombeiros, seja na defesa da floresta, seja na proteção da vida humana.

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De Fátima, como sempre, a preocupação espiritual e pastoral, a atenção à vida humana, o zelo pelos bens patrimoniais e o apoio à ação social. Lugar de peregrinação, o Santuário é lugar de encontro com Deus infinito e belo, Pai comum, e com as preocupações e necessidades humanas. A Casa da Mãe está aberta e a Mãe está disponível para clamar junto de Jesus pelas nossas necessidades e a junto de nós recomendar a prática do bem.

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