Foi benzida,
na semana passada, pelo Cardeal Dominik Dukas, Arcebispo de Praga, a Coluna
Mariana na Praça da Cidade Velha de Praga, na República Tcheca, reconstruída
passados mais de cem anos do seu apeamento e destruição. Milhares de pessoas
participaram na cerimónia, precedida duma novena, para comemorar a volta do
monumento ao centro histórico, enquanto um pequeno grupo de manifestantes
protestava por o considerar um símbolo do antigo regime.
Durante a
cerimónia, Petr Váňa, o autor da réplica, colocou aos pés do monumento três rosas em arenito,
mármore e granito, os três tipos de materiais usados para a sua realização,
enquanto o Arcebispo de Praga fazia um convite à reconciliação das memórias.
A coluna original
é uma realização de Jan Jiří Bendl, o escultor tcheco mais representativo do
barroco, em 1650, por ordem do imperador Fernando III em ação de graças pela
vitória, em 1648, sobre as tropas suecas protestantes, a última durante a
Guerra dos Trinta Anos.
Com Praga
sitiada pelos exércitos suecos, a população reuniu-se em oração na praça onde
estava exposto um ícone da Virgem. Afastados os inimigos e assinada
posteriormente a Paz de Vestfália, em sinal de agradecimento a Nossa Senhora,
em 1650, foi erguida uma coluna de 15 metros de altura com uma estátua no topo
feita pelo escultor Jan Jiří Bendl.
Porém, no
século XIX, a corrente nacionalista tcheca, que se considerava herdeira do
movimento protestante hussita (dos partidários da
doutrina religiosa de Jan Hus, que ensinava serem indiferentes as boas obras
para a salvação eterna), baseado nos escritos
teológicos de Wycliffe, identificava a coluna mariana como submissão ao
Império Austro-Húngaro e ao catolicismo.
Assim, seis
dias após a criação da Tchecoslováquia independente, em 3 de novembro de 1918, no
limiar do colapso da antiga monarquia dos Habsburgos, durante um comício
político de trabalhadores e organizações socialistas no país, uma multidão de
manifestantes derrubou o monumento, por o considerar uma ostentação do poder
dos Habsburgos e da Igreja Católica e, portanto, uma ode ao império e à
ortodoxia confessional. Desde então, os escassos restos de uma das colunas
marianas mais antigas e famosas da Europa foram depositados no lapidário do
Museu Nacional, onde se mantiveram e estão hoje.
Entretanto, pensara-se
na reconstrução do monumento, mas a Segunda Guerra Mundial e o advento do totalitarismo
comunista ateu fizeram o projeto naufragar. Após a “Revolução de Veludo” de
1989, foi fundada uma “Sociedade de Reconstrução” que encomendou ao escultor
Petr Váňa a confeção de uma nova estátua e uma nova coluna, idênticas às do
século XVII.
Assim, desde
1989, após a queda do muro de Berlim e a derrocada da União Soviética, a
restituição da imagem mariana à Praça da Cidade Velha de Praga tem sido objeto
de duras controvérsias – tendo até este ano o conselho municipal estado pela não
recolocação –, encerradas em 23 de janeiro, passados 30 anos (desde a Revolução
de Veludo), quando a maioria dos vereadores
aprovou o projeto várias vezes apresentado pela Sociedade para a Renovação da
Coluna Mariana e apoiado pela arquidiocese e pelo seu arcebispo, o Cardeal Dukas.
Depois do
veredicto do conselho municipal e do seu anúncio pelo prefeito de Praga, o
Arcebispo de Praga entendia que o retorno da imagem da Virgem, no alto de uma
coluna, ao centro histórico da capital tcheca será um símbolo de reconciliação
e cooperação ecuménica das Igrejas cristãs na República Tcheca. Com efeito, a
17 de fevereiro, na sua conta no Twitter o Cardeal Dominik Dukas dizia, comemorando
o início dos trabalhos prévios à construção do monumento: “Acompanho a construção da Coluna Mariana que começou hoje com a oração!”.
O post de Dukas mostrava a foto da área da praça onde, pela manhã, um grupo de
trabalhadores municipais isolou uma área de 7,5 x 7,5 m (56,25 m2) e começava a remover os paralelepípedos, o que
permitirá o devido estudo arqueológico antes da construção.
De facto, no
dia em que o prefeito de Praga finalmente aprovou a moção, o Arcebispo publicava
um tweet de agradecimento à cidade:
“Gostaria de expressar minha gratidão ao Conselho da Cidade de Praga
pela sua deliberação. Essa coluna mariana será erguida como um símbolo de reconciliação
e cooperação ecuménica das Igrejas cristãs na República Tcheca e também como
uma demonstração de respeito pela Mãe de Jesus Cristo.”.
Embora no
dia 14, alguns meios de comunicação tenham anunciado o início dos trabalhos a
partir do dia 17, a notícia, como sempre, foi tomada com cautela, pois, em
várias ocasiões, a disputa em andamento entre aqueles que veem a coluna como símbolo
da vitória dos católicos sobre os suecos – protestantes e aqueles que a
identificam com o domínio da Monarquia dos Habsburgo – o que havia levado à
anulação de qualquer tentativa de restituir o monumento ao seu local de origem.
A réplica da
coluna, feita pelo escultor Petr Váňa e cujos trabalhos se iniciaram em 1995 (embora suspensos
por não autorização da recolocação),
permaneceu durante alguns anos no porão de um navio ancorado nas margens do rio
Vltava. O artista recomeçou a trabalhar na cópia em 2008, e a última tentativa da
predita associação para instalá-la foi em 2015, quando escavou na praça com uma
pá mecânica que foi imediatamente bloqueada pela polícia municipal. Como a
original, a estrutura tem cerca de 14 metros de altura e no topo está a imagem
da Imaculada Conceição com o dragão derrotado sob seus pés. Além disso, a
escultura tem a cabeça rodeada por um halo de 12 estrelas douradas – o grande
sinal apocalíptico – e na sua base estão quatro anjos a simbolizar a luta
contra o mal.
O aludido estudo
arqueológico tentava alcançar as placas da base original, que estava cerca de
48 centímetros abaixo da superfície atual. E Váňa explicava à televisão checa (CTV) que poderiam encontrar uma primeira pedra original de
1650, sob a qual deveria haver uma placa de fundação. Segundo o artista, a
construção começaria depois da Páscoa e ficaria pronta em meados de setembro.
Porém, tudo jogou a favor da antecipação. A Coluna Mariana foi realocada na
Praça da Cidade Velha a 4 de junho.
Para alguns,
a restituição do monumento mariano à Praça da Cidade Velha pode ser um teste de
tolerância e respeito pelos valores e crenças de cada cidadão da nação. Além
disso, leva-se em conta que, por três anos, desde 1915, compartilhou o mesmo
terreno sem controvérsia com o majestoso monumento ao teólogo e escritor da
Idade Média, Jan Hus, um dos precursores da Reforma Protestante. Para outros, a
imagem mariana será um símbolo de polarização, embora talvez possa motivar
reconciliação e perdão ou apenas lembrar uma passagem na história tcheca que
não será apagada pela ausência ou presença dum monumento. E, para o Cardeal
Dukas, a recolocação da coluna com a imagem, depois de 25 anos de trabalhos, é
um símbolo de reconciliação e cooperação ecuménica das Igrejas cristãs na
República Tcheca, bem como uma demonstração de respeito pela Mãe de Jesus
Cristo.
Em suma,
venceu a História e a devoção coletiva à Virgem da Conceição, disseminada muito
antes da definição do dogma.
2020.08.24 – Louro de Carvalho
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