segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Réplica da multissecular coluna mariana é posta na Cidade Velha de Praga

 

Foi benzida, na semana passada, pelo Cardeal Dominik Dukas, Arcebispo de Praga, a Coluna Mariana na Praça da Cidade Velha de Praga, na República Tcheca, reconstruída passados mais de cem anos do seu apeamento e destruição. Milhares de pessoas participaram na cerimónia, precedida duma novena, para comemorar a volta do monumento ao centro histórico, enquanto um pequeno grupo de manifestantes protestava por o considerar um símbolo do antigo regime.

Durante a cerimónia, Petr Váňa, o autor da réplica, colocou aos pés do monumento três rosas em arenito, mármore e granito, os três tipos de materiais usados ​​para a sua realização, enquanto o Arcebispo de Praga fazia um convite à reconciliação das memórias.

A coluna original é uma realização de Jan Jiří Bendl, o escultor tcheco mais representativo do barroco, em 1650, por ordem do imperador Fernando III em ação de graças pela vitória, em 1648, sobre as tropas suecas protestantes, a última durante a Guerra dos Trinta Anos.

Com Praga sitiada pelos exércitos suecos, a população reuniu-se em oração na praça onde estava exposto um ícone da Virgem. Afastados os inimigos e assinada posteriormente a Paz de Vestfália, em sinal de agradecimento a Nossa Senhora, em 1650, foi erguida uma coluna de 15 metros de altura com uma estátua no topo feita pelo escultor Jan Jiří Bendl.

Porém, no século XIX, a corrente nacionalista tcheca, que se considerava herdeira do movimento protestante hussita (dos partidários da doutrina religiosa de Jan Hus, que ensinava serem indiferentes as boas obras para a salvação eterna), baseado nos escritos teológicos de Wycliffe, identificava a coluna mariana como submissão ao Império Austro-Húngaro e ao catolicismo.

Assim, seis dias após a criação da Tchecoslováquia independente, em 3 de novembro de 1918, no limiar do colapso da antiga monarquia dos Habsburgos, durante um comício político de trabalhadores e organizações socialistas no país, uma multidão de manifestantes derrubou o monumento, por o considerar uma ostentação do poder dos Habsburgos e da Igreja Católica e, portanto, uma ode ao império e à ortodoxia confessional. Desde então, os escassos restos de uma das colunas marianas mais antigas e famosas da Europa foram depositados no lapidário do Museu Nacional, onde se mantiveram e estão hoje.

Entretanto, pensara-se na reconstrução do monumento, mas a Segunda Guerra Mundial e o advento do totalitarismo comunista ateu fizeram o projeto naufragar. Após a “Revolução de Veludo” de 1989, foi fundada uma “Sociedade de Reconstrução” que encomendou ao escultor Petr Váňa a confeção de uma nova estátua e uma nova coluna, idênticas às do século XVII.

Assim, desde 1989, após a queda do muro de Berlim e a derrocada da União Soviética, a restituição da imagem mariana à Praça da Cidade Velha de Praga tem sido objeto de duras controvérsias – tendo até este ano o conselho municipal estado pela não recolocação –, encerradas em 23 de janeiro, passados 30 anos (desde a Revolução de Veludo), quando a maioria dos vereadores aprovou o projeto várias vezes apresentado pela Sociedade para a Renovação da Coluna Mariana e apoiado pela arquidiocese e pelo seu arcebispo, o Cardeal Dukas.

Depois do veredicto do conselho municipal e do seu anúncio pelo prefeito de Praga, o Arcebispo de Praga entendia que o retorno da imagem da Virgem, no alto de uma coluna, ao centro histórico da capital tcheca será um símbolo de reconciliação e cooperação ecuménica das Igrejas cristãs na República Tcheca. Com efeito, a 17 de fevereiro, na sua conta no Twitter o Cardeal Dominik Dukas dizia, comemorando o início dos trabalhos prévios à construção do monumento: “Acompanho a construção da Coluna Mariana que começou hoje com a oração!”. O post de Dukas mostrava a foto da área da praça onde, pela manhã, um grupo de trabalhadores municipais isolou uma área de 7,5 x 7,5 m (56,25 m2) e começava a remover os paralelepípedos, o que permitirá o devido estudo arqueológico antes da construção.

De facto, no dia em que o prefeito de Praga finalmente aprovou a moção, o Arcebispo publicava um tweet de agradecimento à cidade:

Gostaria de expressar minha gratidão ao Conselho da Cidade de Praga pela sua deliberação. Essa coluna mariana será erguida como um símbolo de reconciliação e cooperação ecuménica das Igrejas cristãs na República Tcheca e também como uma demonstração de respeito pela Mãe de Jesus Cristo.”.

Embora no dia 14, alguns meios de comunicação tenham anunciado o início dos trabalhos a partir do dia 17, a notícia, como sempre, foi tomada com cautela, pois, em várias ocasiões, a disputa em andamento entre aqueles que veem a coluna como símbolo da vitória dos católicos sobre os suecos – protestantes e aqueles que a identificam com o domínio da Monarquia dos Habsburgo – o que havia levado à anulação de qualquer tentativa de restituir o monumento ao seu local de origem.

A réplica da coluna, feita pelo escultor Petr Váňa e cujos trabalhos se iniciaram em 1995 (embora suspensos por não autorização da recolocação), permaneceu durante alguns anos no porão de um navio ancorado nas margens do rio Vltava. O artista recomeçou a trabalhar na cópia em 2008, e a última tentativa da predita associação para instalá-la foi em 2015, quando escavou na praça com uma pá mecânica que foi imediatamente bloqueada pela polícia municipal. Como a original, a estrutura tem cerca de 14 metros de altura e no topo está a imagem da Imaculada Conceição com o dragão derrotado sob seus pés. Além disso, a escultura tem a cabeça rodeada por um halo de 12 estrelas douradas – o grande sinal apocalíptico – e na sua base estão quatro anjos a simbolizar a luta contra o mal.

O aludido estudo arqueológico tentava alcançar as placas da base original, que estava cerca de 48 centímetros abaixo da superfície atual. E Váňa explicava à televisão checa (CTV) que poderiam encontrar uma primeira pedra original de 1650, sob a qual deveria haver uma placa de fundação. Segundo o artista, a construção começaria depois da Páscoa e ficaria pronta em meados de setembro. Porém, tudo jogou a favor da antecipação. A Coluna Mariana foi realocada na Praça da Cidade Velha a 4 de junho.

Para alguns, a restituição do monumento mariano à Praça da Cidade Velha pode ser um teste de tolerância e respeito pelos valores e crenças de cada cidadão da nação. Além disso, leva-se em conta que, por três anos, desde 1915, compartilhou o mesmo terreno sem controvérsia com o majestoso monumento ao teólogo e escritor da Idade Média, Jan Hus, um dos precursores da Reforma Protestante. Para outros, a imagem mariana será um símbolo de polarização, embora talvez possa motivar reconciliação e perdão ou apenas lembrar uma passagem na história tcheca que não será apagada pela ausência ou presença dum monumento. E, para o Cardeal Dukas, a recolocação da coluna com a imagem, depois de 25 anos de trabalhos, é um símbolo de reconciliação e cooperação ecuménica das Igrejas cristãs na República Tcheca, bem como uma demonstração de respeito pela Mãe de Jesus Cristo.

Em suma, venceu a História e a devoção coletiva à Virgem da Conceição, disseminada muito antes da definição do dogma.

2020.08.24 – Louro de Carvalho

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