sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A LOL e os Grupos de Cidadãos Eleitores

 

Entrou em vigor, no passado dia 24, a Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto, que procede à 9.ª alteração à Lei Orgânica (LOL) n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, alterada pelas Leis Orgânicas n.os 5-A/2001, de 26 de novembro, 3/2005, de 29 de agosto, 3/2010, de 15 de dezembro, e 1/2011, de 30 de novembro, pela Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2017, de 2 de maio, 2/017, de 2 de maio, e 3/2018, de 17 de agosto.

O pressente diploma reformula o texto em torno das seguintes inelegibilidades:

- Os membros dos corpos sociais, os gerentes e os sócios de indústria ou de capital de sociedades comerciais ou civis, bem como os profissionais liberais em prática isolada ou em sociedade irregular que prestem serviços ou tenham contrato com a autarquia não integralmente cumpridos ou de execução continuada, salvo se os mesmos cessarem até ao momento da entrega da candidatura (art.º 7.º, n.º 2, al. c);

- Nenhum cidadão pode candidatar-se simultaneamente: a) a órgãos representativos de autarquias locais territorialmente integradas em municípios diferentes; b) a mais de uma assembleia de freguesia integradas no mesmo município; c) à câmara municipal e à assembleia municipal do mesmo município (novo) (art.º 7.º, n.º 3).

Quanto a candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, o art.º 19.º estabelece como novidade:

- Os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes consideram-se distintos para todos os efeitos da presente lei, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho (n.º 4).

- Excetuam-se do disposto no n.º anterior os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura simultaneamente aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, desde que integrem os mesmos proponentes (n.º 5).

- O tribunal competente para a receção da lista promove sempre a verificação, pelo menos por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos proponentes da iniciativa, lavrando uma ata detalhada das operações realizadas e dos proponentes confirmados (n.º 8).

Por seu turno, o art.º 23.º estabelece as seguintes novidades:

- (…) Entendem-se por elementos de identificação a denominação, sigla e símbolo do partido ou coligação, a denominação e sigla do grupo de cidadãos e o nome completo, idade, filiação, profissão, naturalidade, residência e número de identificação civil dos candidatos e dos mandatários (n.º 2).

- a) A denominação não pode conter mais de seis palavras, nem integrar as denominações oficiais dos partidos políticos ou das coligações de partidos com existência legal, expressões correntemente utilizadas para identificar ou denominar um partido político, nem conter expressões diretamente relacionadas com qualquer religião ou confissão religiosa, ou instituição nacional ou local; b) a denominação dos grupos de cidadãos eleitores não pode basear-se exclusivamente em nome de pessoa singular; c) a denominação dos grupos de cidadãos eleitores apenas pode integrar um nome de pessoa singular se este for o do primeiro candidato ao respetivo órgão, salvo no caso dos grupos de cidadãos eleitores simultaneamente candidatos aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, conforme previsto no n.º 5 do artigo 19.º; e) os símbolos e as siglas de diferentes grupos de cidadãos eleitores candidatos na área geográfica do mesmo concelho devem ser distintos; f) é vedada a utilização das palavras ‘partido’ e ‘coligação’ na denominação dos grupos de cidadãos eleitores. (n.º 4).

- Na declaração de propositura por grupos de cidadãos eleitores, nos casos em que a presente lei o admitir, os proponentes são ordenados, à exceção do primeiro e sempre que possível, por ordem alfabética (n.º 8).

O n.º 3 do art.º 31.º estipula que “os recursos das decisões proferidas sobre denominações, siglas e símbolos de grupos de cidadãos eleitores têm caráter urgente sobre as demais e devem ser decididos no prazo de 72 horas”.

E o n.º 2 do art.º 170.º estabelece que “quem aceitar ser proponente de mais de uma lista de candidatos de grupos de cidadãos eleitores para a eleição do mesmo órgão autárquico é punido com pena de multa até 30 dias”.

Afora as novas normas sobre inelegibilidades, comuns a partidos e grupos de cidadãos, a presente LOL visa quase exclusivamente estes.

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Já a 10 de julho, o Público on line dava conta de que a Assembleia da República (AR) debatera, nesse dia, um projeto de lei do PSD, relativo à lei eleitoral autárquica, em que dizia querer introduzir-lhe “alterações cirúrgicas”, como “uma nova inelegibilidade”, para “aumentar a transparência na relação entre as autarquias e os seus fornecedores de serviços, “muitas das vezes concretizados por ajuste direto”, o que ficou plasmado no diploma aprovado.

Por outro lado, os sociais-democratas quiseram clarificar que “os grupos de cidadãos eleitores não se devem confundir com partidos políticos” e proceder à revogação do artigo que se refere ao cartão de eleitor, dadas as alterações promovidas no recenseamento eleitoral.

No que respeitante às candidaturas cidadãs, o PSD quis que lhes seja “vedada a utilização da palavra ‘partido'”, que não integrem “denominações oficiais dos partidos” ou “expressões correntemente utilizadas para identificar ou denominar um partido” e estabelecer que “a denominação dos grupos de cidadãos eleitores não pode basear-se exclusivamente em nome de pessoa singular ou integrar um nome de pessoa singular que não seja o do primeiro candidato à respetiva autarquia local”, o que foi acolhido na atual LOL. Todos os partidos que usaram da palavra concordaram com a alteração relativa ao cartão de eleitor, que deixou de ser emitido, mas assinalaram a necessidade de rever o projeto de lei na especialidade.

Quanto ao mais, a deputada Bebiana Cunha, do PAN, afirmava que a proposta do PSD parecia ter “destinatários bem específicos” e questionou se o proponente queria conseguir na lei o que sabe que não conseguirá nas urnas. Com efeito, como sustentou, “os cidadãos e cidadãs do Porto, quando votam no movimento de Rui Moreira, não o fazem por o mesmo ter na sua designação o termo partido, fazem-no certamente da mesma forma como quando votam no PAN ou no PSD”. Ademais, considerou a deputada que “os grupos de cidadãos eleitores são uma forma de participação na vida pública” e que, por isso, “caminho não dever ser o da restrição”.

Na verdade, Rui Moreira candidatou-se à presidência da Câmara Municipal do Porto, integrando um movimento de cidadãos intitulado “Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido”, e está a cumprir o segundo mandato, tendo sucedido ao atual presidente do PSD, Rui Rio

O CDS disse não poder “concordar com verdadeiro objeto desta iniciativa” porque “tem um nome, a iniciativa Rui Moreira”. E Cecília Meireles salientou que “não faz sentido nenhum que se proíba por lei uma iniciativa que se sufraga nas urnas” e desafiou o PSD a “resolver esse problema nas urnas e não na lei”.

Pelo PSD, a deputada Emília Cerqueira rejeitou as acusações, frisando que “não é essa a forma de estar” do partido. E, defendendo que “não se podem confundir movimentos com partidos, seja com que pretexto for”, declarou que “não pode nunca confundir-se ou tentar-se confundir necessidade de clarificação com restrição de direitos”. Porém, admitiu “alguns ajustes” na especialidade.

O BE anunciou a “aprovação genérica” e mostrou-se disponível para contribuir para essa discussão, apontando que, no atinente às candidaturas de movimentos de cidadãos, a redação está “muito confusa e suscetível de interpretações”, pelo que “deve ser melhorada”.

Pedro Delgado Alves, do PS, anuindo a que “há matérias que podemos, na especialidade, trabalhar”, manifestou esperança de que o assunto ficasse fechado até ao final da sessão legislativa. E sustentou que “a proposta apresentada faz efetivamente sentido” porque as candidaturas “não podem tentar ser ou parecer ser as duas coisas ao mesmo tempo”.

Pelo PCP, António Filipe defendeu a necessidade de “regras que sejam claras e que não favoreça nem prejudiquem”.

E o Chega considerou positivo “estabelecer uma separação clara entre movimentos e partidos”.

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Publicada que foi a atual LOL, o movimento independente liderado pelo Presidente da Câmara do Porto, reagiu de imediato considerando que o diploma que altera a lei eleitoral autárquica é “uma lei à medida da birra” do socialdemocrata Rui Rio. E, em comunicado, especificava: 

No âmbito do seu recente e subserviente casamento com o PS, negociou o dote e conseguiu ver aprovada a que tem como único alvo óbvio o movimento que venceu as duas últimas eleições no Porto e libertou a cidade do cinzentismo ‘riista’. Ou seja, uma lei à medida, à medida da sua birra.”.

Por isso, o independente Rui Moreira desafiou o presidente do PSD a candidatar-se ao Porto com “os poucos do PSD que ainda o apoiam”. E acrescentou:

Peça apoio aos seus compagnons de route e aliados do PS e, já agora, convide o Chega. Chame-lhe coligação Rio porque a lei permite isso aos partidos e venha a jogo. Às claras. O Porto cá os espera.”.

O movimento classificou o dia 21 como um “dia triste” para a democracia e de “júbilo biliar” para Rui Rio. E advertiu que “não é por isso” que desistirá, tendo de para isso de ser “inventado um outro proibicionismo qualquer”.

O Presidente da Câmara Municipal do Porto vincou que com esta alteração à lei o “Porto, o Nosso Movimento” fica impedido de se recandidatar com o nome com que venceu as últimas eleições, não podendo utilizar a palavra ‘partido’, nem o nome do candidato nas siglas das listas concorrentes às freguesias: “tudo isto engendrado, como é indesmentível, para enganar e confundir o eleitor e com o topete de afirmar nos considerandos que é isso que se pretende evitar”.

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Não morro de amores pelas candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, que normalmente são constituídos por dissidentes dos partidos ou por cidadãos que os partidos não integram ou deixaram de integrar ou que se movem por outros interesses que não os políticos e da governança, sendo de questionar donde lhes vêm os fundos para a campanha eleitoral. Todavia, entendo que, se a lei lhes reconhece esse direito de intervenção, não pode criar-lhes tantas dificuldades como tem criado.

Ora – é preciso dizê-lo – não são estas alterações à LOL de 2001 que lhes criam as verdadeiras dificuldades. Concordo que não usem a designação de “partido” ou “coligação”, mesmo que em sentido figurado, ou nomes de entidades religiosas e instituições, como concordo que não baste a designação pelo nome próprio dum candidato, mas já não concordo que o grupo deva ter designação diferente para candidaturas a assembleias de freguesia do mesmo concelho.

O que, a meu ver, dificulta a candidatura dos grupos de cidadãos é a exigência do excessivo número mínimo de proponentes, como estabelece o n.º 2 do art.º 19.º da LOL de 2001.

Por fim devo dizer que a democracia não se esgota na capacidade eleitoral, quer ativa, quer passiva. Os cidadãos, sobretudo os mais esclarecidos, têm muitas outras formas de intervir na vida pública. E as leis deveriam criar muitas mais oportunidades de intervenção.

Do meu ponto de vista, seria desejável que os cidadãos eleitores fossem propostos como independentes em listas partidárias mediante contrato de mandato, em que os independentes estariam dispensados da discussão atinente aos temas considerados fraturantes na sociedade. Seria mais claro e menos dispendioso para as bolsas dos cidadãos. Mas era preciso britar o nefasto aparelhismo partidário e promover muitas e sólidas ações de formação política.

2020.08.28 – Louro de Carvalho

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