quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Resultados dos exames nacionais ou comparação mais que manca?

Com base nas conclusões do JNE (Júri Nacional de Exames) sobre os resultados dos exames nacionais do ensino secundário, o ME (Ministério da Educação) apressou-se a divulgar, logo a 3 de agosto, dia em que foram conhecidas as classificações nas provas, indicações de resultados comparativamente com o ano anterior, o que foi uma pérola informativa para os nossos meios de comunicação social. Assim, os sinos e campainhas governamentais repicaram: “As médias nos exames nacionais deste ano subiram em todas as disciplinas em relação ao ano passado, com exceção de duas provas, segundo dados oficiais hoje divulgados”.

E, logo a seguir, se esmiúça a informação: em conformidade com os dados do JNE, as notas médias nos exames do 12.º ano realizadas pelos alunos internos, ou seja, os que frequentaram as aulas durante o ano letivo, subiram em quase todas as disciplinas, com algumas a registarem um aumento superior a três valores (na escala de 0 a 20). As médias nacionais às 24 disciplinas sujeitas a exame variam entre um mínimo de 9,5 valores em Matemática Aplicada às Ciências Sociais até um máximo de 16 a várias línguas, como Alemão e Espanhol, e 16,9 no Mandarim.

Depois, vem a especificação por disciplina. Na prova de Biologia e Geologia, a mais realizada este ano e importante para os alunos que querem entrar em Medicina, a média aumentou em 3,3 valores, registando uma classificação média de 14 valores, quando no ano anterior era de 10,7. Em Física e Química os alunos conseguiram melhorar os resultados em relação ao ano anterior em 3,2 valores, passando a nota média dos 10 valores para os 13,2 valores. Português e Matemática A, duas das provas mais importantes, registaram também melhorias, ainda que não tão significativas: em Português, a média subiu dos 11,8 valores em 2019 para os 12 valores (mais duas décimas) e em Matemática A subiu dos 11,5 valores para os 13,3 valores. E acresce referir que Filosofia passou de 9,8 valores para 13 valores.

Releva-se que a maior subida foi registada em Francês, que passou dos 11,3 valores em 2019 para os 15,1 (mais 3,8 valores), vindo a seguir Alemão com 16,1 valores (mais 3,5), Geografia A com 13,6 valores e Biologia e Geologia (ambas registaram mais 3,3 valores).

E aflora a joia de resultados, o Mandarim (iniciação), que registou a média mais elevada em exame, 16,9 valores. Porém, não se pode dizer que a informação não seja honesta, pois deixa perceber que o universo dos estudantes que se sujeitaram a exame se circunscreve a 6 alunos.

Por outro lado, é referido que, entre as disciplinas com um número de alunos superior a 2.500, foi a Inglês que os estudantes conseguiram a melhor classificação média, com 15 valores.

Não deixa de se destacar a recuperação da subida em duas disciplinas, a História A e História da Cultura das Artes, que voltaram a subir este ano, depois de em 2018 terem registado uma queda para valores negativos, registando agora a média de 13,4 valores e 13,6 valores, respetivamente.

Obviamente que a publicitação de resultados não escamoteia a tendência oposta verificada nas duas únicas ovelhas negras do painel de exames, a Geometria Descritiva A, cuja classificação média caiu em 2,3 valores, e a Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS), que registou este ano a única classificação média negativa: 9,5 valores, menos 1,5 em relação a 2019.

Todavia, tinha que vir alguém estragar um panorama tão bonito e agradável ao olfato e ao tacto, dando a já conhecida chave do segredo de tão faustoso sucesso. Num comunicado também divulgado no mesmo dia, o IAVE (Instituto de Avaliação Educativa, IP), responsável pela elaboração e aplicação das provas, sublinhava que, este ano, os alunos realizaram os exames finais nacionais apenas nas disciplinas que elegeram como provas de ingresso, justificando assim os resultados positivos. E não escondia que as novas regras, aplicadas agora como medida excecional devido à pandemia da covid-19, explicam também o menor número de inscritos, em relação ao ano anterior, que se refletiu no número também menor número de provas realizadas.

Assim, este ano e na 1.ª fase (a 2.ª realizar-se-á em setembro), os exames realizaram-se em 643 escolas de todo o território nacional e nas escolas no estrangeiro com currículo português, com 257.330 inscrições na primeira fase dos exames nacionais (menos 70.300 em relação a 2019) e 227.962 provas realizadas (menos 93.871). Mais informa o comunicado que, “entre as 24 disciplinas sujeitas a exame nacional, a que registou um maior número de provas realizadas foi a de Biologia e Geologia, com 41 460 provas, logo seguida por Física e Química A, com 39 444 provas, Português, com 36 622 provas, e Matemática A, com 35 724 provas”.

Por outro lado, a classificação das provas envolveu 9.400 docentes do ensino secundário e, na 1.ª fase dos exames nacionais, que ficou concluída em 23 de julho, colaboraram 10 mil professores vigilantes e pertencentes aos secretariados de exames das escolas.

***

Compreende-se que o ME queira fazer estatística, que pode dar um contributo significativo para a avaliação do sistema, mas estabelecer, num ano atípico, uma comparação pura e simples com resultados de um ano normal é propagandear a banha da cobra na feira das vaidades. Não fora o IAVE a recordar que houve regras específicas para este ano, que levaram à diminuição do número de estudantes inscritos nas provas e consequentemente na sujeição às mesmas, e tínhamos o JNE a tapar o sol com a peneira, dando a impressão de um ano excecional em sucesso académico, o que poderia ser lido como sendo um benefício da pandemia.

Dizem os antigos que “toda a comparação é manca”, mas é de acentuar que esta é manca e cota. 

Na verdade, em ano letivo sem paralelo, as regras dos exames nacionais foram ajustadas, com os estudantes do 11.º e do 12.º a terem de realizar apenas os exigidos para os cursos superiores a que iriam candidatar-se, de modo que os exames não foram necessários para a conclusão do ensino secundário, como dantes, e quem não tenciona ir para o ensino superior não teve de fazer qualquer prova, incluindo as obrigatórias para todos (como Português), que deixaram de o ser.

A própria estrutura das provas ajuda a explicar esta subida. Além de questões de resposta obrigatória e obrigatoriamente assumida para classificação, havia a obrigatoriedade de resposta a todas as demais, mas destas havia umas tantas de que o sistema selecionaria para classificação as mais bem cotadas pelo professor/classificador – para garantir que os estudantes não eram testados a matérias que não tivessem rodado por causa da suspensão das aulas presenciais. Por outro lado, a valorização de blocos com respostas de escolha múltipla ajudam a explicar os melhores desempenhos.

Uma das consequências de todas estas mudanças – e de a nota final de cada disciplina contar só com a classificação interna e sem qualquer ponderação da nota do exame – será uma subida as notas de entrada no ensino superior, em particular nos cursos mais procurados.

As candidaturas ao ensino superior, para os alunos com todas as provas feitas na 1.ª fase, decorrem entre 7 e 23 de agosto e os resultados são conhecidos a 28 de setembro.

Por fim, é de salientar que as instituições do ensino superior nem neste ano atípico saíram do seu lugar para colaborar no recrutamento e seleção dos seus alunos, ficando a assobiar para o lado. Mais uma vez foram os milhares de professores do ensino secundário que gratuitamente, sem serem dispensados dos seus outros múnus na escola, fizeram todo o trabalho de secretariado, vigilância, coadjuvância, correção e classificação de provas. E, se for preciso, lá virá o látego exclusivista nos primeiros anos de estudos superiores (levando alunos a desistir dos cursos) a virar-se contra os professores do secundário que alegadamente preparam mal os estudantes para o ensino superior, sem se atentar no parasitismo com que fustigam as escolas secundárias e seus docentes, que este ano tiveram de dar o litro para garantia da aprendizagem.

Porque não faz o Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior um estudo comparativo com o ano anterior sobre o desempenho em exames universitários e politécnicos?

2020.08.06 – Louro de Carvalho


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