Com base nas conclusões do JNE (Júri Nacional de Exames)
sobre os resultados dos exames nacionais do ensino secundário, o ME (Ministério da Educação)
apressou-se a divulgar, logo a 3 de agosto, dia em que foram conhecidas as
classificações nas provas, indicações de resultados comparativamente com o ano
anterior, o que foi uma pérola informativa para os nossos meios de comunicação
social. Assim, os sinos e campainhas governamentais repicaram: “As médias nos
exames nacionais deste ano subiram em todas as disciplinas em relação ao ano
passado, com exceção de duas provas, segundo dados oficiais hoje divulgados”.
E, logo a seguir, se esmiúça a informação: em conformidade com os dados do JNE,
as notas médias nos exames do 12.º ano realizadas pelos alunos internos, ou
seja, os que frequentaram as aulas durante o ano letivo, subiram em quase todas
as disciplinas, com algumas a registarem um aumento superior a três valores (na
escala de 0 a 20). As médias nacionais às 24 disciplinas sujeitas a exame variam
entre um mínimo de 9,5 valores em Matemática Aplicada às Ciências Sociais até
um máximo de 16 a várias línguas, como Alemão e Espanhol, e 16,9 no Mandarim.
Depois, vem
a especificação por disciplina. Na prova de Biologia e Geologia, a mais
realizada este ano e importante para os alunos que querem entrar em Medicina, a
média aumentou em 3,3 valores, registando uma classificação média de 14 valores,
quando no ano anterior era de 10,7. Em
Física e Química os alunos conseguiram melhorar os resultados em relação ao ano
anterior em 3,2 valores, passando a nota média dos 10 valores para os 13,2
valores. Português e Matemática A, duas das provas mais importantes, registaram
também melhorias, ainda que não tão significativas: em Português, a média subiu
dos 11,8 valores em 2019 para os 12 valores (mais duas décimas) e em Matemática A subiu dos 11,5 valores para os 13,3
valores. E acresce referir que Filosofia passou de 9,8 valores para 13
valores.
Releva-se
que a maior subida foi registada em Francês, que passou dos 11,3 valores em
2019 para os 15,1 (mais 3,8 valores), vindo a seguir Alemão com 16,1 valores (mais 3,5), Geografia A com 13,6 valores e Biologia e Geologia (ambas
registaram mais 3,3 valores).
E aflora a
joia de resultados, o Mandarim (iniciação), que
registou a média mais elevada em exame, 16,9 valores. Porém, não se pode dizer
que a informação não seja honesta, pois deixa perceber que o universo dos
estudantes que se sujeitaram a exame se circunscreve a 6 alunos.
Por outro
lado, é referido que, entre as disciplinas com um número de alunos superior a
2.500, foi a Inglês que os estudantes conseguiram a melhor classificação média,
com 15 valores.
Não deixa de
se destacar a recuperação da subida em duas disciplinas, a História A e
História da Cultura das Artes, que voltaram a subir este ano, depois de em 2018
terem registado uma queda para valores negativos, registando agora a média de
13,4 valores e 13,6 valores, respetivamente.
Obviamente
que a publicitação de resultados não escamoteia a tendência oposta verificada
nas duas únicas ovelhas negras do painel de exames, a Geometria Descritiva A,
cuja classificação média caiu em 2,3 valores, e a Matemática Aplicada às
Ciências Sociais (MACS), que
registou este ano a única classificação média negativa: 9,5 valores, menos 1,5
em relação a 2019.
Todavia,
tinha que vir alguém estragar um panorama tão bonito e agradável ao olfato e ao
tacto, dando a já conhecida chave do segredo de tão faustoso sucesso. Num comunicado
também divulgado no mesmo dia, o IAVE (Instituto de Avaliação Educativa,
IP), responsável pela elaboração e
aplicação das provas, sublinhava que, este ano, os alunos realizaram os exames
finais nacionais apenas nas disciplinas que elegeram como provas de ingresso,
justificando assim os resultados positivos. E não escondia que as novas regras,
aplicadas agora como medida excecional devido à pandemia da covid-19, explicam
também o menor número de inscritos, em relação ao ano anterior, que se refletiu
no número também menor número de provas realizadas.
Assim, este
ano e na 1.ª fase (a 2.ª realizar-se-á em setembro), os exames realizaram-se em 643 escolas de todo o
território nacional e nas escolas no estrangeiro com currículo português, com
257.330 inscrições na primeira fase dos exames nacionais (menos 70.300 em relação a 2019) e 227.962 provas realizadas (menos 93.871). Mais informa o comunicado que, “entre as 24
disciplinas sujeitas a exame nacional, a que registou um maior número de provas
realizadas foi a de Biologia e Geologia, com 41 460 provas, logo seguida por Física
e Química A, com 39 444 provas, Português, com 36 622 provas, e Matemática A,
com 35 724 provas”.
Por outro
lado, a classificação das provas envolveu 9.400 docentes do ensino secundário e,
na 1.ª fase dos exames nacionais, que ficou concluída em 23 de julho,
colaboraram 10 mil professores vigilantes e
pertencentes aos secretariados de exames das escolas.
***
Compreende-se que o ME queira fazer estatística, que
pode dar um contributo significativo para a avaliação do sistema, mas
estabelecer, num ano atípico, uma comparação pura e simples com resultados de
um ano normal é propagandear a banha da cobra na feira das vaidades. Não fora o
IAVE a recordar que houve regras específicas para este ano, que levaram à
diminuição do número de estudantes inscritos nas provas e consequentemente na
sujeição às mesmas, e tínhamos o JNE a tapar o sol com a peneira, dando a
impressão de um ano excecional em sucesso académico, o que poderia ser lido
como sendo um benefício da pandemia.
Dizem os antigos que “toda a comparação é manca”, mas
é de acentuar que esta é manca e cota.
Na verdade, em ano letivo sem paralelo, as regras dos
exames nacionais foram ajustadas, com os estudantes do 11.º e do 12.º a terem
de realizar apenas os exigidos para os cursos superiores a que iriam
candidatar-se, de modo que os exames não foram necessários para a conclusão do
ensino secundário, como dantes, e quem não tenciona ir para o ensino superior
não teve de fazer qualquer prova, incluindo as obrigatórias para todos (como
Português), que deixaram de o ser.
A própria estrutura das provas ajuda a explicar esta
subida. Além de questões de resposta obrigatória e obrigatoriamente assumida
para classificação, havia a obrigatoriedade de resposta a todas as demais, mas
destas havia umas tantas de que o sistema selecionaria para classificação as mais
bem cotadas pelo professor/classificador – para garantir que os estudantes não
eram testados a matérias que não tivessem rodado por causa da suspensão das
aulas presenciais. Por outro lado, a valorização de blocos com respostas de
escolha múltipla ajudam a explicar os melhores desempenhos.
Uma das consequências de todas estas mudanças – e de a
nota final de cada disciplina contar só com a classificação interna e sem
qualquer ponderação da nota do exame – será uma subida as notas de entrada no ensino
superior, em particular nos cursos mais procurados.
As candidaturas ao ensino superior, para os alunos com
todas as provas feitas na 1.ª fase, decorrem entre 7 e 23 de agosto e os
resultados são conhecidos a 28 de setembro.
Por fim, é de salientar que as instituições do ensino superior nem neste
ano atípico saíram do seu lugar para colaborar no recrutamento e seleção dos
seus alunos, ficando a assobiar para o lado. Mais uma vez foram os milhares de
professores do ensino secundário que gratuitamente, sem serem dispensados dos
seus outros múnus na escola, fizeram todo o trabalho de secretariado,
vigilância, coadjuvância, correção e classificação de provas. E, se for
preciso, lá virá o látego exclusivista nos primeiros anos de estudos superiores
(levando
alunos a desistir dos cursos) a virar-se
contra os professores do secundário que alegadamente preparam mal os estudantes
para o ensino superior, sem se atentar no parasitismo com que fustigam as
escolas secundárias e seus docentes, que este ano tiveram de dar o litro para
garantia da aprendizagem.
Porque não faz o Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior
um estudo comparativo com o ano anterior sobre o desempenho em exames
universitários e politécnicos?
2020.08.06 –
Louro de Carvalho
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