Como consta do boletim da Sala de Imprensa da
Santa Sé, de 6 de agosto, a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) publicou uma Nota
de 24 de junho do corrente ano, pela qual responde a dúvidas sobre a validade
de fórmulas alternativas à prescrita nos livros litúrgicos para exprimir a
forma do Batismo no ato da sua celebração, tendo as respostas sido aprovadas
pelo Santo Padre em audiência concedida ao Cardeal Luis F. Card. Ladaria, SI, Prefeito da CDF, a 8 de junho.
Por isso, foram pedagogicamente formuladas duas questões: “É válido ou
Batismo conferido com a fórmula ‘Nós te batizamos em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo’?”; “As pessoas para quem foi celebrado o
Batismo com esta fórmula devem ser batizadas de modo absoluto?”. À
primeira foi dada resposta negativa; à segunda foi dada resposta afirmativa.
A modificação da fórmula sacramental vinca o valor
comunitário do Batismo, frisando a participação da família e dos presentes e
evitando a ideia da concentração do poder sacral no padre em detrimento dos
pais e da comunidade, que a fórmula do Ritual Romano alegadamente
transmitiria. Evidencia-se aqui, por motivos discutíveis pastorais, a
antiga tentação de substituir a fórmula transmitida pela Tradição cristã por
outras julgadas mais idóneas. Já Santo Tomás de Aquino, ante a questão “utrum plures possint simul baptizare unum et
eundem” (se vários podem batizar ao mesmo
tempo uma só e a mesma pessoa), respondeu negativamente, por se tratar de prática contrária
à natureza do ministro. Por sua vez, a SC (Constituição
conciliar Sacrosanctum Concilium), reconduzindo, no rasto de Agostinho, a celebração do Sacramento à
presença de Cristo no sentido de que Ele lhe transfere a sua virtus para
lhe dar eficácia e, sobretudo, para indicar que o Senhor é o protagonista do
acontecimento que se celebra, reitera que “sempre
que alguém batiza, é Cristo quem batiza” (SC, 7). Na verdade, a Igreja, quando celebra um sacramento, age
como Corpo que opera inseparavelmente da Cabeça, sendo Cristo-Cabeça quem age
no Corpo eclesial por ele gerado no mistério da Páscoa (SC, 5). Deste modo, a SC desenvolve e interpreta a
doutrina da instituição divina dos Sacramentos proclamada pelo Concílio de
Trento, sendo que os dois concílios harmonicamente se complementam “ao
declararem a absoluta disponibilidade do septenário sacramental para a ação da
Igreja”. De facto, os Sacramentos, instituídos por Cristo, são confiados à
Igreja para que os conserve e ministre. Por isso, incumbe à Igreja,
aprovada pelo Espírito Santo como intérprete da Palavra de Deus, determinar os
ritos que exprimem a graça sacramental de Cristo, embora não lhe caiba
determinar os fundamentos do seu existir: a Palavra de Deus e os gestos de
Cristo.
Nestes
termos, compreende-se como no curso dos séculos a Igreja tem conservado com
zelo a forma celebratória dos Sacramentos, sobretudo nos elementos que a
Escritura atesta e permite reconhecer com evidência o gesto de Cristo na ação
ritual da Igreja. Assim, a SC adverte que ninguém, “mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa, adicionar, suprimir
ou mudar seja o que for em matéria litúrgica” (SC, 22 §3), pois isso “não constitui um simples abuso litúrgico,
como transgressão duma norma positiva, mas um vulnus infligido à
comunhão eclesial e à possibilidade de reconhecimento da ação de Cristo, que
nos casos mais graves torna inválido o Sacramento, já que a natureza da ação
ministerial exige transmitir com fidelidade o que se lê (cf 1Cor 15,3). Efetivamente, na celebração dos Sacramentos, o
sujeito é a Igreja-Corpo de Cristo unida à Cabeça-Cristo, que se manifesta na
assembleia concreta reunida, a qual é ministerial – não colegial – pois nenhum grupo pode fazer de si
mesmo Igreja, mas tornar-se Igreja por um chamamento que não surge internamente
da própria organização. Portanto, o ministro é sinal-presença d’Aquele que
reúne e o lugar de comunhão de cada assembleia litúrgica com a Igreja
inteira. Ou seja, o ministro é sinal exterior de subtração do Sacramento ao
nosso arbítrio e da sua pertença à Igreja universal. É por isso que o Concílio
de Trento proclama a necessidade de o ministro ter a intenção de fazer o que a
Igreja faz, intenção que não pode circunscrever-se ao nível interior, com o
risco de derivas subjetivistas, mas se exprime exteriormente com a matéria e a
forma do Sacramento, manifestando o ato a comunhão entre o que o ministro
realiza na celebração do Sacramento e o que a Igreja faz, unida à ação de
Cristo. Por isso, é fundamental que a ação sacramental se realize não em nome
próprio, mas na pessoa de Cristo, que está na Igreja, e no nome da Igreja.
Logo, o ministro não tem autoridade de dispor da fórmula, por motivos de
natureza cristológica e eclesiológica, nem pode declarar que idade deve ter o
batizando, em nome dos pais, padrinhos, familiares ou amigos, e nem mesmo em
nome de assembleia reunida para a celebração, porque o ministro age enquanto
sinal-presença da ação de Cristo, que se realiza num gesto da Igreja. Assim,
quando diz “Eu te batizo ...”, não
age como funcionário, mas ministerialmente como
sinal-presença de Cristo, que age no seu Corpo, dando a graça e dando à
assembleia litúrgica a manifestação “de genuína natureza da verdadeira Igreja” (SC, 2), pois “as ações
litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é sacramento
de unidade, isto é, povo santo, reunido e ordenado sob a direção dos bispos”
(SC,26). Ademais, alterar a fórmula sacramental significa
também não compreender a natureza do ministério eclesial, que é serviço a Deus
e ao seu povo e não exercício dum poder que leve à manipulação do que foi
confiado à Igreja com ato que pertence à Tradição. No ministro do batismo
deve estar, pois, radicada a consciência de agir na comunhão eclesial e a
convicção que Santo Agostinho atribui ao precursor, o que afirmou que haveria
em Cristo uma propriedade tal que, apesar da multiplicidade de ministros,
santos ou pecadores, que batizariam, a santidade do Batismo só seria atribuída
Àquele sobre quem desceu a pomba e do qual foi dito: “É Ele que batiza no Espírito Santo” (Jo 1,33). E
Santo Agostinho assegura:
“Batize Pedro, é Cristo quem
batiza; batize Paulo, é o Cristo quem batiza; batize até mesmo Judas,
é Cristo quem batiza” (S.
Augustinus, In Evangelium Ioannis tractatus , VI, 7).
Certamente,
na celebração “pais, padrinhos e toda a comunidade são chamados a desempenhar
um papel ativo, um verdadeiro ofício litúrgico”, mas isto, segundo a
determinação conciliar, implica que “cada um, ministro ou fiel, desempenhando
seu próprio ofício, realize somente e tudo o que, pela natureza do rito e
segundo as normas litúrgicas, é de sua competência” (SC, 28).
Concluindo, o Batismo ministrado
com uma fórmula modificada arbitrariamente não é válido e os que o receberam
desta forma devem ser batizados “de modo absoluto”, ou seja, repetindo o rito
de acordo com as normas litúrgicas.
Já em 2008,
a CDF havia respondido a duas perguntas sobre a validade de Batismos conferidos
com fórmulas arbitrariamente modificadas: “Eu
te batizo em nome do Criador, e do Redentor e do Santificador” e “Eu te batizo em nome do Criador, e do
Libertador, e do Sustentador”. A resposta foi como a de agora: o Batismo
não era válido e os que foram batizados com essas fórmulas tinham que ser
batizados “de modo absoluto”.
É de
recordar que o sacramento é um sinal eficaz da graça de Cristo, ou seja, produz
em quem o recebe aquilo que significa. Mais, embora o ministro deva ser santo
ao tratar com as coisas santas, o sacramento produz a graça em virtude da obra
realizada, independentemente da santidade efetiva do ministro, ou como diz o
Concílio Tridentino produz a graça ex
opere operato. É óbvio que o sacramento, sendo ação de Cristo, é ação da
comunidade, mas não da comunidade no sentido meramente humano, como a família,
a roda dos amigos ou o grupo social ou profissional, nem mesmo da comunidade
educativa. É a comunidade eclesial enquanto convocada por Deus e reunida em nome
e em torno de Cristo. Por isso, o Papa Bento XVI determinou que nos ritos
iniciais do Batismo, em vez de “É com muita alegria que a comunidade
cristã te (vos) recebe”, se dissesse “É com muita alegria
que a Igreja te (vos) recebe”. É, de facto, o ministro que age in persona Christi e a Igreja, como
comunidade reunida ou representada, aceita o pré-neófito em seu seio, tornada
verdadeira mãe.
É sabido
que, além do ministro, é essencial ao sacramento a matéria e a forma. No caso
do Batismo, a matéria é a água, que, em circunstâncias normais, deve ser
benzida, e a forma. Ora, o problema está na forma, já que a matéria é coisa
pacífica, desde que seja mesmo água e não outro líquido como vinhos, cervejas
coca-colas ou aguardentes. E a forma exprime-se por uma fórmula, como se viu,
que é fixada pela autoridade da Igreja, segundo critérios bíblicos, da tradição
ou da boa doutrina, decorrente esta dos peritos e validada pela autoridade
eclesial.
Não me
repugnaria que a autoridade eclesial validasse as fórmulas rejeitadas em 2008,
por manterem a índole trinitária da forma do Batismo e as atribuições
teologicamente dadas por apropriação a cada uma das pessoas divinas, mas a
autoridade eclesial escuda-se muito na sua renitência! Já a fórmula a que dá
resposta a Nota em referência, além
de ser desviante em relação ao espírito da forma, é pirosa e não constitui uma
mais-valia.
Que a
autoridade da Igreja pode modificar fórmulas está patente do novo cerimonial da
Confirmação. Com efeito, no rito tridentino, dizia-se ao fazer a cruz na fronte
do confirmando: “Signo te signo crucis et
confirmo te chrismate Salutis in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti”
(Eu te
assinalo com o sinal da cruz e te confirmo com o crisma da Salvação em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo). E agora
diz-se com grande simplicidade: “Recebe
por este sinal o Espírito Santo, o dom de Deus”. Também no Sacramento da
Reconciliação, embora mantendo a essência da fórmula absolutória, a Liturgia
enriqueceu-a com um belo e doutrinal preâmbulo:
“Deus, Pai de misericórdia, que,
pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o
Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da
Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai,
e do Filho, e do Espírito Santo.”
Porém, não é
qualquer um que pode, a critério pessoal, alterar a essência da fórmula, embora
possa esclarecê-la prévia ou posteriormente com alguma admonição, mas sempre
radicada na doutrina da fé e não em conveniências afetivas ou sociais. Um pouco
como sucede na ciência: qualquer nova teoria ou inovação tem de ser validada
pela respetiva comunidade, no nosso caso, a Igreja, que é, simultaneamente
comunitária e ministerial, igualitária e hierárquica, institucional e carismática,
sacramento do encontro com Cristo e comunidade em saída para a missão.
2020.08.07 – Louro de Carvalho
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