O Novo Banco (NB) continua na berlinda pelos piores motivos e
parece difícil dar a volta a isto.
Sendo um dos produtos
da resolução do BES como banco bom e
deixando para trás o banco mau,
denominado Banco Espírito Santo, fez crer que teria força anímica para
funcionar com boa saúde financeira, alegadamente sem pesar na carteira dos
contribuintes, pois os produtos incómodos ou os lixos ficavam por conta do
banco mau.
Porém, na sequência
do que todos pensávamos, o Tribunal de Contas (TdC), em recente relatório, concomitante com um
relatório internacional em que Portugal não fica bem na fotografia, confirma
que os contribuintes estão a entrar na solução dos inúmeros e sucessivos
problemas do NB, ao arrepio do que se dizia oficialmente. E isso acontece
através do Fundo de Resolução (FR),
que, presidido por um vice-presidente do Banco de Portugal (BdP) e que de acionista único passou a ter uma
participação de 25% após o negócio com o fundo americano Lone Star, vai injetando
convenientemente as verbas em conformidade com os termos contratuais e mediante
empréstimos a muito longo prazo concedidos pelo Ministério das Finanças, assim
recaindo sobre os contribuintes, pelo menos, o custo de oportunidade, não se
sabendo se o FR ou a entidade que lhe suceda alguma vez pagará ao Estado. Ao
todo, já lá vão 8000 milhões de euros, faltando injetar 900 milhões nos termos
contratuais se o exigirem os termos do mecanismo de capitalização contingente, acordado em 2017.
Só que o TdC fixa-se,
a meu ver, num ponto menos interessante. Em vez de “censurar” a resolução do
BES, escandalosamente exposto ao grupo GES, talvez com mais poder dilapidador
que o banco e gerido superiormente pelo mesmo DDT, frisa o conflito de
interesses evidenciado na resolução, pois alegadamente o supervisor BdP não
podia intervir na resolução, não lhe cabendo supervisionar e intervir. Mas,
logo a seguir, parece desculpar o supervisor por não ter ainda sido criada a
ANR (Autoridade Nacional de Resolução).
Afinal em que ficamos? Podia ou não o BdP ter criado o FR?
Se bem me lembro, o
Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei numa sexta-feira para viabilizar a
resolução, complementado por um outro aprovado e promulgado no domingo para o
NB entrar em funcionamento logo na segunda-feira. Ora, se o BdP interveio na
resolução, foi porque o Governo de então o permitiu. E sobre isso o relatório
não se pronuncia ou a comunicação social fez orelhas moucas ao caso. Porventura
o TdC deveria ter apontado ao Governo e ao BdP uma sujeição servil ao BCE (Banco Central Europeu),
não?
Depois, ninguém
explicou de forma cabal e inequívoca – se calhar, não existe – como é que o FR
vende 75% do NB ao Lone Star e aceita ficar responsável pelas perdas, ou seja,
vender e pagar por vender? E é pena que o TdC não se tenha metido a analisar
este aspeto.
Outros dados da
evolução mostram que, tendo surgido dúvidas sobre o desempenho dos
administradores do NB no atinente ao não cumprimento de objetivos, antes
registando a prejuízos e aumentando remunerações e prémios, sobretudo aos
gestores, o Governo pediu uma auditoria à Deloitte, cujos resultados
ainda não são conhecidos. Não obstante e apesar de o Primeiro-Ministro haver
garantido no Parlamento que o FR não injetaria mais dinheiro no NB antes do conhecimento
dos resultados da dita auditoria, isso aconteceu com a autorização do Ministro
das Finanças observando os termos contratuais, mas que alegadamente não tivera
em conta a situação excecional e não avisara o Chefe do Governo, que se obrigou
a pedir desculpa.
Recentemente, perante
a interpelação parlamentar do líder do PSD pela venda de imóveis ao desbarato,
a par do engrossamento dos prejuízos, o Primeiro-Ministro enviou uma carta à
PGR para analisar a situação, quando se veio a saber que o FR autorizara tais
vendas ao desbarato e sem que fosse analisada a situação do destinatário final
dos imóveis, tendo aqui falhado a comissão de acompanhamento do próprio NB. O
Governo pode não ter tido conhecimento formal da autorização, mas o FR tem na
sua composição um representante do Ministério das Finanças, que deveria
informar o Governo da iminência da deliberação. É óbvio que um banco na posse dum
imóvel que servia de garanta a um crédito pouco se importa com o valor
patrimonial e comercial do imóvel, desde que o preço da venda cubra largamente
o crédito por satisfazer e as despesas adicionais. Só que a situação do NB é
excecional. A par da sua condição de credor, tem a de devedor perante o Estado.
Ora, quem hipoteca um imóvel no âmbito do crédito à habitação, não vende sem autorização
do banco credor, que não a concede sem que tudo esteja devidamente estudado e
garantido.
Entretanto, Diogo
Cavaleiro, no Expesso online, de 3 de
agosto, interroga-se sobre “o que nos dizem os prejuízos do Novo Banco” e
responde que “a ‘parte boa’ já está a sofrer com a pandemia”. E é caso para
perguntar o que isso da ‘parte boa’.
O articulista afirma
que o NB continua mergulhado em prejuízos,
que ficaram mais profundos no 1.º semestre deste ano que no de 2019. E diz que
a ‘parte boa’ do banco é a que ficará quando o banco se desfizer dos ativos
tóxicos, a qual até “obteve resultados positivos, mas bem abaixo do que
alcançado um ano antes”.
E aqui passo a explicar o enunciado em epígrafe. O BES/GES é comparável a
um gigantesco corpo pluricelular, que em termos biológicos se reproduzia por
multiplicação de entes em diáspora de acordo com os interesses do grupo. Com a
Resolução, o BES descolou do GES e passou a ser uma célula quase insignificante
que se dividiu em banco mau e banco bom. Pensava-se que o banco mau iria resolver o problema dos
lesados do BES. Mas o banco mau não
tinha fundo, era um cesto roto. E, por determinação do BdP, provavelmente em
articulação com o Governo, em teoria o NB teria que responder pelos danos dos
descontentes, encargo que acabou por passar para o NB. E, há anos, António
Ramalho decidiu dividir o NB em dois na hora de apresentar contas: o banco recorrente; e o legado. O último é o depositário da
herança do BES e o causador das perdas; o outro é o da atividade que se irá
manter depois de o NB se desfazer da toxicidade. E não sabemos se a reprodução
por divisão celular ficará por aqui.
Assim, no 1.º semestre, o banco
recorrente, o agora bom, obteve um resultado positivo de 34 milhões de
euros, mas que representa uma quebra de 70% face aos 113 milhões do semestre
homólogo do ano anterior, acompanhando o sucedido em todos os restantes grandes
bancos nacionais: um deslize dos resultados por obra da pandemia. As
imparidades para crédito, na sua maioria decorrentes da pandemia de covid-19,
penalizaram os resultados, mesmo da ‘parte boa’ do que, há 6 anos, a 3 de
agosto de 2014, foi considerado o ‘banco bom’ do BES.
E, na área tóxica, as perdas foram de 493,7 milhões de euros, até aliviando
3,8% em relação ao registo do 1.º semestre de 2019.
Ao todo, o prejuízo do banco ascendeu a 555 milhões de euros no 1.º
semestre, para o que terá havido várias razões. Além das imparidades para
crédito de 289,5 milhões, há a perda de 260,6 milhões para que o banco
ajustasse o valor a que tem registado fundos de reestruturação (para onde
passou alguns dos ativos tóxicos); e o banco
foi prejudicado pela cobertura de risco (swaps) da taxa de juro da dívida portuguesa, no montante de
78,7 milhões de euros. Mas o NB fechou o semestre com um rácio de capital de
12%, o que terá de ser garantido por tais injeções.
Contudo, há um reforço da provisão que o NB tem reestruturação. O Expresso noticiou, no dia 1, que a
instituição está a contactar 115 funcionários para r saídas até ao final do
ano, a somar aos 138 que deixaram o banco entre julho de 2019 e junho deste ano,
estando o quadro nos 4.855 colaboradores.
Tendo em conta os resultados, sobretudo o desempenho dos ativos que estão
cobertos pelo mecanismo de capitalização contingente, o banco antecipa que
poderá solicitar 176 milhões de euros ao FR – pedido que só acontecerá no fim
do ano, quando houver contas de 2020 inteiro.
Ao todo, o NB poderá solicitar, como é sabido, mais 900 milhões de euros ao
FR, ao abrigo do predito mecanismo que cobre ativos tóxicos, como malparado e
imóveis. Tem ainda 4000 em carteira, que serão objeto de venda só depois
de conhecidos os resultados da auditoria em curso.
O balanço mostra que os recursos de clientes (à cabeça, os depósitos) somaram 1,7% para 35 mil milhões e a carteira de
crédito cresceu 1,4% para 27 mil milhões, sendo esta a boa notícia.
Em dezembro, 11,8% do crédito estava em incumprimento (NPL, de
‘non performing loans’), ao passo
que, no fim de junho, o rácio desceu aos 10,2%. O crédito malparado ascende a
3,1 mil milhões de euros, aproximando-se, pela primeira vez, do rácio dum só
dígito, marca importante para um banco que em 2016 tinha um rácio NPL insustentável
de 33,4%. Não obstante, o NB mantém-se com uma das carteiras com pior qualidade
do seu ativo, o que é objeto da auditoria.
Enfim, entre perdas e menos lucros, o NB passa pelos pingos da chuva,
dividindo-se e repartindo as culpas dos resultados discutíveis pelo FR e pelo
Estado. Que resultará da análise da PGR se tudo foi atempadamente autorizado?
Que nos dirá o TdC a destempo daqui por uns anos num tempo de justiça
excessivamente longo e, nestes casos, ineficaz?
E os cidadãos, nomeadamente os contribuintes, continuam a confiar
estoicamente no Estado e na sua justiça, bem como no nosso sistema financeiro
que nos defrauda pagando juros de miséria, cobrando juros altíssimos pelo crédito
ao consumo, estabelecendo pagamento exorbitante por comissões por serviços e manutenção
de conta, sem Estado que nos valha. Que remédio! Depois, queixam-se da abstenção
em eleições…
2020.07.04 –
Louro de Carvalho
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