sábado, 9 de maio de 2020

Em 2020, o Dia da Europa é celebrado com fé, sombras e avisos


É este ano a primeira vez que a União Europeia (UE) celebra o Dia da Europa sem a presença do Reino Unido no concerto dos Estados-membros e com o látego do Tribunal Constitucional (TC) alemão a pairar sobre importante instrumento do BCE para ajudar a resolver a crise das dívidas soberanas de países da Zona Euro relevantes para o projeto europeu.
Como é do domínio público, recentemente o TC alemão pronunciou-se, a solicitação de juristas, economistas e investidores alemães (em 2015), sobre o programa de Mario Draghi sobre a compra por parte do BCE (Banco Central Europeu) de dívida pública aos Estados-membros que disso necessitassem e a imposição da histórica e inédita descida dos juros. Diz o TC que a medida não constitui uma ajuda aos Estados, mas deu o prazo de 3 meses àquela autoridade da execução da política financeira da Zona Euro para demonstrar a proporcionalidade da medida. 
É certo que o acórdão não tem efeito imediato, mas, como a Comissão Europeia já reafirmou que se mantém toda a política da UE e da Zona Euro, confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a quem incumbe a guarda dos Tratados, pois é sua missão “velar por que o direito europeu seja interpretado e aplicado da mesma forma em todos os países da UE e garantir que as instituições e os países da UE respeitam o direito europeu”, e O BCE está dividido sobre a conveniência duma resposta ao TC alemão, pode suceder que, passado o tempo deste ultimatum, o Banco Central Alemão tenha de acatar a deliberação do TC do seu país e, por conseguinte, retirar-se da participação no programa delineado pela presidência de Draghi. E a bola de neve de verão pode engrossar, caso o mesmo TC se pronuncie na mesma ótica sobre a medida tomada pelo BCE de compra de dívida dos Estados-membros (total de 750 milhões de euros) sem a limitação a 1/3, determinada no programa de Draghi, para ajudar os países a enfrentar a crise económica que resultará das vicissitudes da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 que redunda na doença Covid-19, podendo servir de precedente para atuação noutros países.
Esta é, depois do Brexit, a grande sombra da UE, neste Dia da Europa, de paz e unidade.
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Não obstante, mantém-se a fé no projeto europeu, ao menos pela necessidade donde se pode mirar uma certa inevitabilidade. E uma voz representativa desta postura é a do português José Conde Rodrigues, presidente do Movimento Europeu de Portugal, para quem, “apesar de todos os sobressaltos, com todos os seus impasses, defeitos e falta de rumo, a União Europeia continua a ser a solução política e institucional para prosseguir o caminho que vale a pena trilhar(vd JN online de hoje, dia 9 de maio). E este dirigente apela à relembrança e vivificação dos valores do projeto europeu, sobretudo dos que estiveram na génese da UE que gizaram a resposta visionária e pragmática dos países que, “tendo estado confinados por duas grandes guerras mortíferas, sonharam e fundaram uma comunidade de paz e prosperidade”.
São valores a que aderiram vários países e povos e que emergem, embora sem consenso em termos operativos, nesta crise sanitária e socioeconómica. São valores de unidade, de paz e de desenvolvimento que erigem em desafios ao mundo e particularmente à Europa e se desdobram em liberdade e segurança, tolerância e responsabilidade social, igualdade de oportunidades e solidariedade entre novas e velhas identidades, economia ética e ambientalmente sustentável.
Ora, a Europa tem se se posicionar como solução da crise e não como sua componente. Neste sentido, Conde Rodrigues aponta o dedo irónico à Europa que, largando o mito, se implantou há mais de 25 séculos, “mas que parece continuar em fase de projeto”, “que fez a civilização, mas que já não é o farol da humanidade”. E, considerando que a Europa “é antiga, porque vive da memória dos seus povos e ideias”, mas, ao mesmo tempo nova, pois traz sempre algo de novo (ideias, movimentos, organizações…), frisa que ela “parece viver um tempo de retorno”, por certo, “um retorno aos seus fantasmas da falta de solidariedade e da intolerância que não estavam afinal enterrados, antes ressuscitam sob novas formas, por vezes mais ignóbeis e violentas”.
Porém, inserindo-se os portugueses nesta Europa, “com plenos direitos e deveres”, é de ter em conta que se trata duma “inserção fundamental, mas difícil, para um povo que sempre viveu movimentos de avanço e recuo”, e “tanto mais difícil”, quando o país se debate com mais “uma grande crise que abala os seus alicerces, a sua determinação, a sua vontade de seguir em frente”.
No entanto, conclui o presidente do Movimento Europeu de Portugal que, na “certeza de que o futuro estará sempre em aberto”, “nos cabe ajudar a construí-lo, devemos continuar a defender uma Europa livre, solidária e próspera, vanguarda do Ocidente, num mundo, infelizmente, cada vez mais em desordem, dividido numa poliarquia de potências imperiais”.
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Por seu turno, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse, neste dia 9 de maio, que a pandemia de covid-19 revelou que “não é solução” os países da UE “virarem-se para dentro” e advertiu para a necessidade de solidariedade no espaço comunitário. Admitindo falhas iniciais na solidariedade europeia, nomeadamente quando a pandemia se intensificou em Itália, salientou que, “a seguir”, os países europeus começaram a “ajudar-se mutuamente”.
Com efeito, numa declaração emitida a propósito do Dia da Europa, que se assinala neste dia 9 de maio, não havendo celebrações públicas devido à pandemia, observou:
Vimos paramédicos da Polónia e médicos da Roménia a salvar vidas em Itália, vimos hospitais da República Checa a tratar os doentes da França e vimos doentes de Itália a serem levados de avião para clínicas na Alemanha. Ou o Luxemburgo a entregar equipamento médico a Espanha. E esta solidariedade tem de continuar.” (vd Público online de hoje, 9 de maio).
E teceu a seguinte consideração, a que se aludiu acima:
Se já alcançámos tantos progressos, o objetivo da solidariedade ainda é válido e vou até mais longe: é mais válido do que nunca. Esta solidariedade foi posta à prova no início da atual pandemia, mas a crise mostrou-nos que virarmo-nos para dentro não é a solução.”.
Vincando que esta solidariedade “não é um dado adquirido e exige esforço e compromisso de todos”, Ursula von der Leyen adiantou que só é possível derrotar o vírus se os países assumirem a responsabilidade uns pelos outros e se trabalharem em conjunto para encontrar uma vacina”.
Este Dia da Europa assinala os 70 anos da Declaração Schumann, Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, que expôs a sua visão duma nova forma de cooperação política na Europa, e é celebrado maioritariamente online, devido à pandemia da Covid-19, em cerimónias e conferências quer ao mais alto nível quer em iniciativas nacionais e regionais.
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Não se tolera que a justiça dum país da UE (e do Euro) bloqueie um programa nevrálgico europeu. Muito menos que o faça a Alemanha, que, apesar de poderosa, foi beneficiada pela ajuda da Europa e do mundo a relevantar-se da guerra e é o país a quem os demais ajudam importando-lhe os produtos, geralmente mais caros – o que se aplica, de certo modo, aos demais países do Norte. Não vá realizar-se a asserção de Carlos Moedas no Expresso, de hoje, de que o projeto europeu está em perigo, o que Sousa Tavares desenvolve em artigo no mesmo periódico.
Mas haja fé e juízo, esperança e solidariedade!  
 2020.05.09 – Louro de Carvalho

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