É este ano a primeira vez que a União Europeia (UE) celebra o Dia
da Europa sem a presença do Reino Unido no concerto dos Estados-membros e
com o látego do Tribunal Constitucional (TC) alemão a pairar sobre importante instrumento do BCE para ajudar a
resolver a crise das dívidas soberanas de países da Zona Euro relevantes para o
projeto europeu.
Como é do domínio público, recentemente o TC
alemão pronunciou-se, a solicitação de juristas, economistas e investidores
alemães (em 2015), sobre o programa de Mario Draghi sobre a compra
por parte do BCE (Banco
Central Europeu) de dívida pública aos Estados-membros que disso
necessitassem e a imposição da histórica e inédita descida dos juros. Diz o TC
que a medida não constitui uma ajuda aos Estados, mas deu o prazo de 3 meses
àquela autoridade da execução da política financeira da Zona Euro para demonstrar
a proporcionalidade da medida.
É certo que o acórdão não tem efeito imediato,
mas, como a Comissão Europeia já reafirmou que se mantém toda a política da UE
e da Zona Euro, confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a quem incumbe a guarda dos Tratados, pois é sua
missão “velar por que o direito europeu seja interpretado e aplicado da mesma
forma em todos os países da UE e garantir que as instituições e os países da UE
respeitam o direito europeu”, e O BCE está dividido sobre a conveniência duma
resposta ao TC alemão, pode suceder que, passado o tempo deste ultimatum, o Banco Central Alemão tenha
de acatar a deliberação do TC do seu país e, por conseguinte, retirar-se da
participação no programa delineado pela presidência de Draghi. E a bola de neve
de verão pode engrossar, caso o mesmo TC se pronuncie na mesma ótica sobre a
medida tomada pelo BCE de compra de dívida dos Estados-membros (total de 750 milhões de euros) sem a
limitação a 1/3, determinada no programa de Draghi, para ajudar os países a
enfrentar a crise económica que resultará das vicissitudes da pandemia
provocada pelo SARS-CoV-2 que redunda na doença Covid-19, podendo servir de
precedente para atuação noutros países.
Esta é, depois do Brexit, a grande sombra da UE, neste
Dia da Europa, de paz e unidade.
***
Não obstante, mantém-se a fé no projeto europeu, ao
menos pela necessidade donde se pode mirar uma certa inevitabilidade. E uma voz
representativa desta postura é a do português José Conde Rodrigues, presidente
do Movimento Europeu de Portugal, para quem, “apesar de todos os sobressaltos, com todos os seus impasses, defeitos e
falta de rumo, a União Europeia continua a ser a solução política e
institucional para prosseguir o caminho que vale a pena trilhar” (vd JN online
de hoje, dia 9 de maio). E este dirigente apela à relembrança e vivificação dos valores do projeto europeu,
sobretudo dos que estiveram na génese da UE que gizaram a resposta visionária e
pragmática dos países que, “tendo estado confinados por duas
grandes guerras mortíferas, sonharam e fundaram uma comunidade de paz e
prosperidade”.
São
valores a que aderiram vários países e povos e que emergem, embora sem consenso
em termos operativos, nesta crise sanitária e socioeconómica. São valores de
unidade, de paz e de desenvolvimento que erigem em desafios ao mundo e
particularmente à Europa e se desdobram em liberdade e segurança, tolerância e
responsabilidade social, igualdade de oportunidades e solidariedade entre novas
e velhas identidades, economia ética e ambientalmente sustentável.
Ora,
a Europa tem se se posicionar como solução da crise e não como sua componente. Neste sentido, Conde Rodrigues aponta o dedo irónico à Europa que, largando o
mito, se implantou há mais de 25 séculos, “mas que parece continuar em fase de
projeto”, “que fez a civilização, mas que já não é o farol da humanidade”. E, considerando que a Europa “é
antiga, porque vive da memória dos seus povos e ideias”, mas, ao
mesmo tempo nova, pois traz sempre algo de novo (ideias, movimentos,
organizações…), frisa
que ela “parece viver um tempo de retorno”, por certo, “um retorno aos seus
fantasmas da falta de solidariedade e da intolerância que não estavam afinal
enterrados, antes ressuscitam sob novas formas, por vezes mais ignóbeis e
violentas”.
Porém,
inserindo-se os portugueses nesta Europa, “com plenos direitos e deveres”, é de
ter em conta que se trata duma “inserção fundamental, mas difícil, para um povo
que sempre viveu movimentos de avanço e recuo”, e “tanto mais difícil”, quando o
país se debate com mais “uma grande crise que abala os seus alicerces, a sua
determinação, a sua vontade de seguir em frente”.
No
entanto, conclui o presidente do Movimento Europeu de Portugal que, na
“certeza de que o futuro estará sempre
em aberto”, “nos cabe ajudar a construí-lo, devemos continuar a defender uma
Europa livre, solidária e próspera, vanguarda do Ocidente, num mundo,
infelizmente, cada vez mais em desordem, dividido numa poliarquia de potências
imperiais”.
***
Por seu turno, a presidente
da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse, neste dia 9 de maio, que a
pandemia de covid-19 revelou que “não é solução” os países da UE “virarem-se
para dentro” e advertiu para a necessidade de solidariedade no espaço
comunitário. Admitindo falhas iniciais na solidariedade europeia, nomeadamente
quando a pandemia se intensificou em Itália, salientou que, “a seguir”, os
países europeus começaram a “ajudar-se mutuamente”.
Com efeito, numa
declaração emitida a propósito do Dia da
Europa, que se assinala neste dia 9 de maio, não havendo celebrações
públicas devido à pandemia, observou:
“Vimos paramédicos da Polónia e médicos da Roménia
a salvar vidas em Itália, vimos hospitais da República Checa a tratar os
doentes da França e vimos doentes de Itália a serem levados de avião para
clínicas na Alemanha. Ou o Luxemburgo a entregar equipamento médico a Espanha.
E esta solidariedade tem de continuar.” (vd Público online de hoje, 9 de maio).
E teceu a seguinte consideração, a que se aludiu
acima:
“Se já alcançámos tantos progressos, o objetivo
da solidariedade ainda é válido e vou até mais longe: é mais válido do que nunca. Esta solidariedade foi posta à
prova no início da atual pandemia, mas a crise mostrou-nos que virarmo-nos para
dentro não é a solução.”.
Vincando que
esta solidariedade “não é um dado
adquirido e exige esforço e compromisso de todos”, Ursula von der Leyen
adiantou que só é possível derrotar o vírus se os países assumirem a
responsabilidade uns pelos outros e se trabalharem em conjunto para encontrar
uma vacina”.
Este Dia da Europa assinala os 70 anos da
Declaração Schumann, Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, que expôs a sua
visão duma nova forma de cooperação política na Europa, e é celebrado maioritariamente
online, devido à pandemia da Covid-19, em cerimónias e conferências quer
ao mais alto nível quer em iniciativas nacionais e regionais.
***
Não se
tolera que a justiça dum país da UE (e do Euro) bloqueie um programa nevrálgico europeu. Muito menos
que o faça a Alemanha, que, apesar de poderosa, foi beneficiada pela ajuda da
Europa e do mundo a relevantar-se da guerra e é o país a quem os demais ajudam
importando-lhe os produtos, geralmente mais caros – o que se aplica, de certo
modo, aos demais países do Norte. Não vá realizar-se a asserção de Carlos
Moedas no Expresso, de hoje, de que o
projeto europeu está em perigo, o que Sousa Tavares desenvolve em artigo no
mesmo periódico.
Mas haja fé
e juízo, esperança e solidariedade!
2020.05.09 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário