O Primeiro-Ministro garantiu no Parlamento que mais
nenhuma verba seria transferida do Ministério das Finanças para o Fundo de Resolução (para este depois proceder à injeção
no Novo Banco) sem que fossem conhecidos os
resultados da auditoria que ele próprio solicitara e que está em curso. Entretanto,
soube-se que as Finanças tinham procedido, no dia 6 de maio, a uma transferência
de 850 milhões antes dessa garantia política de António Costa aos deputados,
sem que o Chefe do Governo tivesse tido informação desse procedimento.
Face a tal falta de informação, o
Primeiro-Ministro sentiu-se politicamente obrigado a pedido de desculpa ao BE,
o partido que o interpelara sobre a matéria.
Mário Centeno veio, depois, assumir o que considerou ter sido uma “falha de
comunicação” com o Primeiro-Ministro, mas não deixando de vincar que estes
procedimentos decorrem das disposições contratuais, que são do conhecimento dos
deputados e dos membros do Governo.
E alguns comentadores, embora critiquem a falha de coordenação no Governo,
atribuindo uns a culpa a Costa, por incapacidade de coordenação, e outros a
Centeno, por tentação de mando e excesso de protagonismo, afirmam que não pode ser travado o normal cumprimento das
disposições contratuais sob pena de descrédito da República Portuguesa.
Alguns políticos e comentadores consideram que Centeno
deveria demitir-se por não ter condições para continuar em funções e que nem a
recente reunião com o Chefe do Governo lhas restituiu, ao passo que outros entendem
que o Ministro de Estado e das Finanças tem vindo a fazer tudo para legitimar politicamente
uma saída do Governo.
Com efeito, soa que o economista já não queria
integrar o XXII Governo e que terá sido integrado num lugar de menor relevância
política e com saída autoprogramada para junho. Terá sido a instâncias do
Presidente da República que veio garantir que não abandonaria ao barco da governação
neste contexto de crise. Porém, não distinguiu se se tratava da crise
sanitária, cujo acume se crê ter passado, segundo uns, ou se prevê vir a passar
em breve, segundo outros, ou se tinha em consideração a crise socioeconómica
resultante da pandemia. O certo é que a vontade de virar a Governador do Banco
de Portugal estaria a falar alto.
***
Entretanto, o Presidente da República tomou
posição. Assim, no dia 12,
no âmbito duma visita à Volkswagen Autoeuropa em Palmela e ao lado do
Primeiro-Ministro, evidenciou o desconforto com a situação e pareceu tirar o
tapete ao Ministro de Estado e das Finanças ao dizer:
“O senhor Primeiro-Ministro esteve muito bem
no Parlamento quando disse que fazia sentido que o Estado cumprisse as suas
responsabilidades, mas naturalmente se conhecesse a conclusão da auditoria. […]
Há uma auditoria que estaria concluída em maio deste ano… para os portugueses não é indiferente cumprir compromissos com o
conhecimento exato do que se passou, ou cumprir compromissos e mais tarde vir a
saber como se passou.”.
E, como o Presidente ligou a Mário Centeno a
esclarecer o alcance das declarações que proferiu em Palmela, o Ministro veio
dizer publicamente que Marcelo lhe telefonar a pedir desculpa.
Porém, o Presidente da República reiterou que não é
“indiferente” o “Estado cumprir o que tem a cumprir em matéria de compromissos
num banco” – uma inequívoca
referência à polémica em torno da transferência de dinheiro para o Novo Banco (NB).
Em nota publicada no portal da Presidência da República, Marcelo mantém, assim, a posição de divergência relativamente à
decisão do Ministro de aprovar a transferência de 850 milhões de euros
para o NB, sem o conhecimento do Primeiro-Ministro, que acabou por assumir um
compromisso ao Parlamento que já não se podia materializar. Lê-se na predita nota:
“O Presidente da República reitera a sua
posição, de ontem [dia 12] expressa, segundo a qual não é
indiferente, em termos políticos, o Estado cumprir o que tem a cumprir em
matéria de compromissos num banco, depois de conhecidas as conclusões da
auditoria cobrindo o período de 2018, que ele próprio tinha pedido há um
ano, conclusões anunciadas para este mês de maio, ou antes desse conhecimento.
(…) Sobretudo nestes tempos de acrescentados sacrifícios para os portugueses.”.
Esta declaração surge quando o Chefe de Estado e o Chefe do Governo
se encontravam num almoço privado para, entre outras coisas, falarem do
futuro de Centeno. Com a oposição a pedir a demissão do Ministro e
depois da reunião de Costa e Centeno em São Bento, levando Costa a
reiterar a confiança “pessoal e política” no Ministro de Estado e das Finanças,
Marcelo vem, desta forma, mostrar que não é “indiferente” ao problema.
Contudo, o Chefe de Estado prefere não comentar matérias do foro interno do
Executivo, voltando o foco para António Costa. Na predita nota da Presidência
da República, deste dia 14, lê-se que Marcelo “não se pronunciou, nem tinha de
se pronunciar, sobre questões internas do Governo, nomeadamente
o que é matéria de competência do Primeiro-Ministro, a saber a confiança
política nos membros do Governo a que preside” e que “isto mesmo transmitiu
ao senhor Primeiro-Ministro e ao senhor Ministro das Finanças”.
***
Depois da polémica autorização do Ministério das Finanças da transferência
dos 850 milhões de euros para a injeção do Fundo de Resolução no NB, Costa e Centeno
tiveram uma reunião de cerca de três horas, que permitiu, segundo o
comunicado do gabinete do Primeiro-Ministro, esclarecer a “falha de
comunicação” que existiu entre ambos, tendo Costa reafirmado publicamente a sua “confiança pessoal e política”
em Centeno.
Saíram os dois da reunião em São Bento por volta das 23 horas,
despedindo-se com sorrisos antes de entrarem cada um no seu automóvel e sem
falarem à comunicação social. Porém, Costa e Centeno emitiram um
comunicado sobre o conteúdo deste encontro onde explicam que foram
abordados vários temas, incluindo o NB.
Tratou-se duma “reunião de trabalho no quadro de preparação do Eurogrupo” e
de alinhamento do orçamento suplementar que o Governo terá de apresentar
perante a crise provocada pela pandemia. Contudo, também serviu para esclarecer totalmente a “falha de comunicação” entre
Costa e Centeno em torno da autorização do “cheque” para o NB.
Dizendo que, na reunião, ficaram esclarecidas várias questões sobre a
concretização do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, Costa reafirmou a
confiança pessoal e política no Ministro de Estado e das Finanças. Além
disso, lembra que as contas do NB, que exigiram esta nova injeção, foram
previamente auditadas. As relativas ao exercício de 2019, além da
supervisão do BCE, foram ainda auditadas previamente à concessão deste empréstimo”.
Nota, porém, que “este processo de apreciação das contas do exercício de 2019,
não compromete a conclusão, prevista para julho, da auditoria em curso a cargo
da Deloitte e relativa ao exercício de 2018, que foi determinada pelo Governo”. Aliás, este empréstimo “já estava previsto no Orçamento de
Estado para 2020, que o Governo propôs e a Assembleia da República aprovou”.
Por sua vez, Rui Rio, conhecida a posição de Marcelo, veio aumentar a pressão sobre Centeno. Após uma publicação no
Twitter, afirmou, em direto, que se fosse Primeiro-Ministro e tivesse um
ministro assim, “que fez o que fez”, “teria de se demitir ou então ser
demitido”. Salientou que foi “irresponsável não esperar para se
pagar ao Novo Banco” e afirmou que, face a isto, Centeno não tem condições para
continuar”. E acrescentou: “Estou a dizer
o que eu faria, mas tem de ser o Governo a decidir”.
Apesar das críticas do PSD, o PS defendeu Centeno. João Paulo
Correia considerou as declarações de Rio “abusivas” e “repugnantes”, pois “o
Ministro das Finanças tem feito um trabalho notável ao serviço do país. E para
o PS, nunca esteve nem está em discussão esse tipo de situação”. E este
deputado do PS afirmou que Rio “quis desviar o assunto do debate desta tarde –
em que o PS pôs dedo na ferida – da responsabilidade do PSD quando prometeu ao
país um banco bom”, o Novo Banco.
***
Não bastando toda a polémica em torno do Ministro, o debate parlamentar
deste dia 14 aqueceu. O governante foi atacado e reagiu com insinuação sobre o
lugar de deputado do PSD. Passou por entre críticas da oposição e fez uma “declaração
rápida” para defender o NB.
PSD e BE pediam ao Ministro esclarecimentos sobre o desacerto com o Primeiro-Ministro.
Centeno não se referiu nem por uma vez à crise política, mas fez insinuações
bem descabidas.
Estava em debate o Programa de Estabilidade que o Governo enviou a Bruxelas
sem o devido cenário macroeconómico. Centeno falou dele e só dele na sua
intervenção inicial. Disse que a pandemia introduziu muita incerteza e
instabilidade no comportamento da economia, pelo que decidira só apresentar
dados quando entregar, em junho, o Orçamento Suplementar.
Em dias em que a instabilidade política espreitou à porta, na sua intervenção
inicial, Centeno vincou, por duas vezes, a necessidade de garantir “previsibilidade
e estabilidade” e frisando que “assistimos a um interregno temporário do
crescimento económico”, “não podemos deixar que afete o funcionamento das
instituições, nem muito menos a estabilidade social e institucional”.
Álvaro Almeida (PSD) deu-lhe ironicamente
os parabéns pela “vitória frente ao Primeiro-Ministro” e acusou-o de ser um
ministro de “faz de conta”. Duarte Pacheco (PSD) diria que Centeno só é ministro “formalmente”, pois, quando “sai um
comunicado àquelas horas a dizer que tem confiança no Ministro, significa que
já não a tem”. António Filipe (PCP) recusou
entrar em “psicodramas” da relação do Ministro das Finanças com o Primeiro-Ministro”.
E Mariana Mortágua (BE), que trouxe
o tema da auditoria ao NB a debate porque “não é uma polémica vazia”, mas um
assunto sobre um “compromisso político”, referiu-se ao compromisso de Costa,
que no debate quinzenal disse que a transferência para o NB só seria feita
depois de conhecidos os resultados de uma auditoria ainda em curso.
Centeno, por um lado, insinuou sobre a carreira política de Álvaro Almeida,
falando sobre o “preço” que o deputado tinha pago para o ser, com o deputado a
exigir a defesa da honra dizendo que foi eleito, ao que Centeno retorquiu
dizendo que também o fora, mas que “os portugueses deram mais votos à lista em
que eu estava e é por isso que eu estou aqui e o senhor está na oposição”. Por outro
lado, defendeu o NB em resposta a Mariana Mortágua:
“Não podemos falar do Novo Banco quando
queremos falar do BES. Não permitirei, enquanto for ministro, que uma
instituição bancária que tem as portas abertas possa ser prejudicada por um
debate parlamentar sem qualquer sentido.”.
E reiterou que nada se fez que não tivesse sido apresentado e aprovado em
devido tempo.
***
Ora, Centeno, sabendo da auditoria ao NB, devia ter avisado Costa da
necessidade ou não de fazer a transferência e falhou na solidariedade perante o
órgão colegial que integra e na lealdade institucional. Por sua vez, Costa
deveria ter pedido esclarecimento ao Ministro ou não assumir o compromisso
parlamentar, no que pecou por imprudência e vontade política (em excesso). E Marcelo, que tudo comenta dizendo que não comenta,
parece ter merecido o anúncio da 3.ª visita à Autoeuropa conjunta com António
Costa no segundo mandato presidencial. Rico baile!
2020.05.14 –
Louro de Carvalho
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