sexta-feira, 1 de maio de 2020

Problemas do teletrabalho em tempo da pandemia do SARS-CoV-2


A situação de pandemia fez aumentar, quase generalizar, as situações de teletrabalho, ou seja, o trabalho a partir de casa, sem a deslocação à empresa ou serviço – estilo que estava circunscrito a um número relativamente diminuto de pessoas por motivos de facilitação, mas sem a dispensa da ida ao escritório ou empresa e que permitia a solução rápida de negócios e decisões. 
Faço um parêntesis para especificar que o novo coronavírus que está em causa é o SARS-CoV-2 (síndrome respiratória aguda grave – coronavírus 2), que foi detetado na China, no final de 2019, e que significa “síndrome respiratória aguda grave – coronavírus 2”. E a Covid-19 (das palavras “Corona”, “rus” e “Doença” com indicação do ano em que surgiu) é a doença provocada pela infeção por este coronavírus. Os coronavírus são um grupo de vírus que podem causar infeções nas pessoas. Normalmente estas infeções estão associadas ao sistema respiratório, podendo ser parecidas com uma gripe comum ou evoluir para uma doença mais grave, como pneumonia.
Ora, o pânico que o SARS-CoV-2 criou um pouco por toda a parte fez com que as pessoas tivessem de vir para casa para evitar contágio e tratar dos filhos pelo facto de as instituições que os recebem terem encerrado. Porém, teletrabalhar em tempos de pandemia faz que muitas pessoas trabalhem mais horas por dia que o normal. Ao fim de mais de um mês em casa, muitas pessoas estão sobrecarregadas, stressadas e ansiosas para voltar ao local de trabalho.
Segundo o “Jornal de Negócios”, que cita um artigo da “Bloomberg”, são vários os exemplos de excesso de trabalho ou trabalho fora de horas, em tempos de Covid-19. Escreve o periódico:
Um executivo do JPMorgan Chase recebe mensagens à noite e nos fins de semana sem um pedido de desculpas dos colegas, incluindo uma notavelmente exigente no domingo de Páscoa. Um web designer cujo quarto serve de escritório tem de acionar um alarme para se lembrar de almoçar durante a horário de trabalho sem parar. Na Intel, uma vice-presidente com quatro filhos fica ligada 13 horas por dia enquanto tenta conciliar a tarefa de cuidar das crianças e do trabalho.”.
Este “cenário” e outros como este permitem concluir que, neste período, o teletrabalho já dura há mais de um mês e que estão a ser quebradas as fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal.
Nos EUA, as pessoas que trabalham em casa estão ligadas 3 horas a mais por dia que antes do confinamento, segundo dados da NordVPN, que permitem rastrear quando os utilizadores se conectam e desconectam. Entre todos os países que a NordVPN analisa, os trabalhadores dos EUA eram os que se ligavam por mais tempo. Em França, Espanha Reino Unido, o horário de trabalho aumentou duas horas. Outro exemplo de excesso de trabalho vem de Toronto (Canadá): Huda Idrees, diretora-presidente da Dot Health, uma startup de tecnologia, confirma que os seus 15 funcionários estão a trabalhar, em média, 12 horas por dia, acima das 9 horas pré-pandemia, pois, como ninguém sai há noite, estão no computador sem tempo de deslocação.
Em Portugal, além do que ocorre noutros países, acrescem situações como estas. Há pais que estão em casa em teletrabalho com filhos que têm aulas pelos meios digitais, ministradas pelos respetivos professores, e aulas difundidas pela RTP Memória, com intervenção dos professores dos alunos antes e depois para preparação, apoio e dissipação de dúvidas. Muitas vezes há mais pessoas em casa a precisar de computador ou tablet que máquinas e os pais a dividirem-se pelo apoio vigilante aos filhos, pelo trabalho profissional e pelas lides de casa. E há muitos professores que ministram, pelos meios digitais e outros meios de comunicação à distância, aulas síncronas e assíncronas, respondem a questões do alunos e dos encarregados de educação, apoiam os alunos em torno das aulas ministradas pela TV, fazem reuniões por videoconferência, vão dar aulas presenciais e farão serviço de exames nacionais e exames de equivalência à frequência. Tanto uma como outra situação são esgotantes. E acresce referir que muitos desses professores também são pais ou mães.    
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Por norma, as casas de habitação são de exíguas dimensões e há dificuldades em manter todos no domicílio e em teletrabalho e “telescola”. Mas, como teletrabalho, quarentena, confinamento e isolamento são palavras que passaram a fazer parte do dicionário na sequência da pandemia, a Deco (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) forneceu ao “idealista/news” dicas, que aqui se sintetizam, para instalar um escritório em casa, de forma a manter o profissionalismo. 
Poucas pessoas contemplaram na decoração da casa a existência (pelo menos em permanência) dum escritório cómodo e eficiente para cumprir as atividades profissionais à distância. E, agora, toda a família está confinada na casa aumentando o ruído ambiente e a disputa pelo monitor mais eficaz, a cadeira mais confortável ou a mesa com a melhor iluminação.
Embora, não raro, seja difícil encontrar o local ideal para instalar o computador, há que descobrir uma área da casa em que a luz entre a partir duma janela, na lateral (da esquerda para a direita e ao invés para canhotos), evitando a luz direta intensa e os consequentes reflexos no ecrã.  
Como é complicado trabalhar concentradamente em ambiente ruidoso por toda a família estar em casa, há que ter em conta a existência de auscultadores no mercado que reduzem ativamente o ruído, sendo de escolher os mais eficazes, ainda que mais caros. Tais auscultadores, que têm grande versatilidade, podem ser usados para ouvir música num momento de lazer ou enquanto se trabalha, incluem microfone, permitem controlar chamadas e servem para conversar com os colegas de trabalho, via app de videoconferência. Além disso, funcionam como sistema de mãos livres para atender telefonemas ou como controlo do leitor de música do smartphone. 
27 a 32 polegadas: não há monitores para computador maiores. Acima destes valores, a distância de visionamento na mesa de trabalho não é confortável. Portanto, se se pondera ligar o computador a um televisor, tem de se usar um televisor pequeno, de 20 a 24 polegadas, não precisando de guardar distância especial para o ecrã, equiparável ao de monitor normal. Se o televisor tiver 27 polegadas, medida equivalente a um monitor de computador de grandes dimensões, convirá prever, pelo menos, uns 50 cm de distância, até porque a resolução destes televisores nunca é muito elevada. E, sendo as 32 polegadas o limite aconselhado, a distância mínima deve andar pelos 60 cm. Para ligar o computador portátil ao televisor tem de se usar um cabo HDMI e, nos televisores menos recentes, pode-se recorrer a um cabo VGA. 
Também é de relevar a necessidade de organizar a casa agora que os filhos se juntam aos pais para trabalharem e terem aulas à distância pela internet e pela nova telescola.
Assim e para que o teletrabalho não se torne entediante e uma dor de cabeça, ao mesmo tempo que é preciso acompanhar as crianças e jovens nas tarefas escolares, é de toda a importância a reorganização do espaço em casa de acordo com as possibilidades: desde a mesa simples, que se pode abrir na sala de estar, até aos ambientes mais acolhedores, com mesas de escritório, sem esquecer as mesas de trabalho para espaços maiores e as casas pequenas (como os estúdios).
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É preciso prestar atenção ao facto de serem proibidas “soluções tecnológicas para controlo à distância do desempenho”. O alerta é dado pela CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados), que tem sido confrontada com “múltiplas questões” relacionadas com este tema, pelo que decidiu dar orientações sobre o mesmo, esclarecendo, desde logo, que “soluções tecnológicas para controlo à distância do desempenho do trabalhador não são admitidas”. Assim, os patrões não podem pedir aos trabalhadores que tenham a câmara sempre ligada. E, em comunicado recentemente divulgado, avisa:
São disso exemplo os softwares que, além do rastreamento do tempo de trabalho e de inatividade, registam as páginas de Internet visitadas, a localização do terminal em tempo real, as utilizações dos dispositivos periféricos (ratos e teclados), fazem captura de imagem do ambiente de trabalho, observam e registam quando se inicia o acesso a uma aplicação, controlam o documento em que se está a trabalhar e registam o respetivo tempo gasto em cada tarefa”.
Segundo a CNPD, “no regime de teletrabalho, o empregador mantém os poderes de direção e de controlo da execução da prestação laboral”, mas não há, neste regime, “qualquer disposição legal que regule o controlo à distância, pelo que a regra geral de proibição de utilização de meios de vigilância à distância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, é plenamente aplicável à realidade de teletrabalho”. Por isso, os empregadores não podem impor a quem está a trabalhar a partir de casa que mantenha a câmara sempre ligada ou gravar as conversas – situação que implicaria “uma restrição desnecessária e seguramente excessiva da vida privada do trabalhador”.
No entanto, a CNPD considera legitimo fixar a obrigação de envio de email, SMS ou modo similar que permita, além do controlo da disponibilidade do trabalhador e dos tempos de trabalho, a demonstração de que não foram ultrapassados os tempos máximos de trabalho permitidos por lei. E nada impede que o empregador faça o controlo da disponibilidade do trabalhador e do cumprimento dos tempos de trabalho por contacto telefónico ou eletrónico .
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Por fim, é de esclarecer que os trabalhadores em regime de teletrabalho mantêm todos os direitos estipulados no Código do Trabalho, incluindo o direito ao subsídio de refeição. Com efeito, o art.º 169.º, no âmbito da “igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho”, estabelece:
1. O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional. 2. No âmbito da formação profissional, o empregador deve proporcionar ao trabalhador, em caso de necessidade, formação adequada sobre a utilização de tecnologias de informação e de comunicação inerentes ao exercício da respectiva atividade. 3. O empregador deve evitar o isolamento do trabalhador, nomeadamente através de contactos regulares com a empresa e os demais trabalhadores.”.
Na administração pública o entendimento já era de que o subsídio de refeição é pago aos trabalhadores em regime de teletrabalho. E os peritos da ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) e da DGERT (Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho) entendem que as empresas com trabalhadores em regime de teletrabalho por causa das medidas de contenção do surto do novo corona vírus deverão continuar a pagar o subsídio de refeição.
A posição das duas entidades que estão na alçada do Ministério do Trabalho foi confirmada à UGT (União Geral de Trabalhadores) pelo gabinete da Ministra Ana Mendes Godinho, como revelou a central sindical num comunicado enviado às redações no dia 3 de abril. Embora houvesse entendimentos diferentes, esta posição da ACT constitui um aviso aos empregadores, já que este é o serviço do Estado a quem incumbe fiscalizar se as relações laborais no setor privado são cumpridas de acordo com a lei.0%
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Segundo o gabinete da Ministra do Trabalho, tanto a ACT como a DGERT entendem que “o trabalho prestado em regime de teletrabalho confere ao trabalhador os mesmos direitos que este vinha auferindo quando estava a exercer funções presenciais no posto de trabalho, tendo por fundamento a redação atualmente em vigor do n.º 1 do artigo 169.º do Código do Trabalho”, em que se estabelece que “o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”.
A própria ACT, num instrumento de perguntas com respostas publicado no seu site, esclarece que nada muda relativamente ao subsídio de almoço: “Os trabalhadores em regime de teletrabalho mantêm os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores”.
Esta interpretação leva a UGT, sabedora de que há empresas que não estão a pagar o subsídio aos trabalhadores que agora exercem funções à distância, a exigir que as empresas apliquem este entendimento “sob pena de incumprimento legal”.
Para a UGT, quando o teletrabalho se tornou massivo por obrigação legal, passando a ser o modo de prestação de trabalho sem qualquer decisão do trabalhador, em que o teletrabalho é determinado por razões de saúde pública que obrigam os trabalhadores a comportamentos, incluindo alimentares diversos do habitual, e é realizado na ausência de um qualquer acordo com o empregador que permita regular aspetos como a compensação das despesas acrescidas suportadas pelo teletrabalhador (utilização e desgaste de equipamentos – quase sempre próprios –, aumento de despesas com gás, eletricidade, etc.), é “ainda mais indubitável que o pagamento de subsídio de refeição deva ser pago integralmente a todos os teletrabalhadores”.
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Enfim, questões que a generalização do teletrabalho levanta e que têm de ser resolvidas pela lei e pelo sentido da equidade, a ninguém sendo permitido o aproveitamento para abuso ou fuga às responsabilidades laborais e sociais.
2020.05.01 – Louro de Carvalho

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