Passaria
hoje, dia 20 de maio, mais um aniversário do seu nascimento, mas faleceu a 14
de janeiro de 1980, uma segunda-feira, já lá vão 40 anos. Sucedi-lhe na
paróquia de Freixinho (Sernancelhe), donde era natural e que
paroquiou nos últimos anos de vida, tendo-o acompanhado nos seus últimos meses.
Conheci os seus pais António da Cunha Rebelo e Ângela Rebelo.
É certo
que o conhecimento que tive deste sacerdote ordenado em e para a arquidiocese
de Luanda – falava com unção e saudade do arcebispo Dom Manuel Nunes Gabriel –
não dá para tecer muitas considerações. Não obstante, não posso deixar de
salientar alguns factos.
Regressou
à metrópole em virtude de se sentir doente, pelo que, residindo na casa materna,
coadjuvava em Freixinho e Fonte Arcada (aí residia o pároco) o Padre Alfredo Pedrinho, que
terá falecido de pneumonia em que não fora assistido supostamente por o então
Hospital de Sernancelhe não estar munido de oxigénio e a deslocação a Lamego ou
a Viseu ser ao tempo complicada, bem como a tendência natural dos doentes era
ir esperando a ver se passava com as mezinhas caseiras.
Apesar
da doença, o Padre Manuel Rebelo da Cunha Souto, passou a paroquiar Fonte
Arcada e Freixinho, até que, impossibilitado de se deslocar e de manter uma
atividade regular, Fonte Arcada foi entregue ao Padre José Amorim, então pároco
de Ferreirim e de Macieira, e o Padre Manuel ficou apenas com Freixinho até à
sua completa debilitação.
Entretanto,
na tarde do dia 10 de março de 1979, Dom António de Castro Xavier Monteiro,
Arcebispo-bispo de Lamego, que se encontrava em Vila Nova de Paiva, numa
reunião do clero do então arciprestado, mandou-me chamar ao saber que eu estava
de serviço na Escola Preparatória. Fiquei admirado quando o Padre Sílvio Pinto
do Amaral me sussurrou que aceitasse tudo o que o prelado me pedisse. O pedido
de Dom António era que eu me encarregasse da paróquia de Freixinho, promovesse
as catequeses, presidisse à celebração da Palavra ao domingo na ausência de
sacerdote, com homilia e distribuição da Comunhão, presidisse a funerais e
chamasse sacerdotes para o serviço de confissões, santa unção, batismos e
matrimónios e acompanhasse o Padre Manuel, que tinha sido operado a um tumor
cerebral e estava cada vez mais debilitado, na celebração da Missa em privado
em sua casa. A única credenciação que eu tinha era o curso de Teologia e a
instituição nos ministérios de Leitor (27 de abril de 1974) e de Acólito (15
de junho de 1974).
Apenas referi
ao prelado lamecense que só era preciso o entendimento com o Padre Lucas
Ribeiro, com quem ainda estava em estágio, o que obviamente não era difícil de
conseguir. Assim, o Arcebispo levou-me a Freixinho a apresentar-me ao Padre
Manuel, à família e a algumas pessoas que por ali se encontravam. Depois,
viemos falar com o Padre Lucas. E, como eu não tinha meio de transporte
próprio, o senhor Manuel Salgado, da Sarzeda, vinha buscar-me para Freixinho ao
domingo, o que sucedeu logo no dia seguinte pela primeira vez, levando-me, a
seguir, para a Sarzeda, onde faria também a celebração da Palavra, sendo que no
fim do dia me traria a casa do Padre Lucas, em Caria.
Advertindo-me
o prelado de que tivesse cuidado porque o sacerdote poderia não ter capacidade
para celebrar a missa, tranquilizei-o nos termos seguintes: ajudá-lo-ia a
celebrar a missa sempre que ele o desejasse (arranjaria meio de ir
a Freixinho muitas vezes para esse efeito).
Se ele não conseguisse fazer a consagração, não havia missa, pelo que as coisas
se deixariam no ponto em que estavam; se conseguisse fazer a consagração, eu
próprio e/ou outra pessoa que ali estivesse faríamos a comunhão. E não haveria
problema, pois casos excecionais merecem tratamento adequado.
E assim
se procedeu. Os padres do arciprestado organizaram-se para as confissões
quaresmais; o Padre Amorim celebrou a Missa e fez a procissão no dia 8 de maio,
festa de São Miguel; o Padre Adélio da Cunha Fonte, espiritano, fez a procissão
e celebrou a Missa da Páscoa (em Freixinho e Sarzeda), aonde eu fui na segunda-feira
fazer a celebração da palavra e a visita pascal, tendo ficado no domingo a
ajudar o Padre Lucas. A partir de 15 de agosto, ordenado diácono, já podia
oficiar em batismos e matrimónios; e, a partir de 29 de setembro, ordenado de
presbítero, podia assumir a gestão normal da paróquia e celebrar a Missa, a
Reconciliação e a Unção dos doentes. E, a 1 de novembro, passei também a Vila
da Ponte e Granjal e deixei Sarzeda.
O Padre
Manuel Souto, cada vez mais debilitado e choroso, por vezes, “incomodava” os
conterrâneos, que não compreendiam que tudo provinha da doença que o consumia.
Porém, alguns lembravam-se da ajuda que ele dispensava a muitos graças à sua
habilidade na reparação dos motores e sistemas de regra e na reparação de
avarias em eletrodomésticos e da sua boa disposição e jeito um pouco para tudo
quando a situação de doença ainda era controlável.
Quem
mostrou sempre um carinho especial pelo sacerdote foram as crianças da época,
mercê do jeito pedagógico das catequistas e da professora do então ensino
primário Odete Duarte.
A este
propósito, recordo que acompanhei estas crianças à peregrinação a Fátima, a 9 e
10 de junho de 1980 (segunda e terça-feira). E foi uma verdadeira festa
tanto no Santuário como na casa das Irmãs da Apresentação de Maria, onde
ficaram alojadas.
Devo
ainda recordar que, a 20 de maio de 1982, estando eu em serviço como capelão
militar no Regimento de Infantaria de Viseu, a assinalar postumamente o
aniversário do Padre Manuel, as crianças de Freixinho, como fora previamente
combinado com o comando, foram recebidas no quartel, tendo-lhes sido mostrado o
que era de mostrar. Aquilo que mais apreciaram foi ver passar os soldados em
formatura e o museu regimental. Almoçámos ao ar livre no Parque do Fontelo e, a
meio da tarde, celebrámos missa de grupo pelo Padre Manuel.
Não
posso deixar de sublinhar que no seu funeral, além do Arcebispo, compareceram
em massa os sacerdotes como era é usual – e penso que ainda é – na diocese de
Lamego e que o Seminário de Lamego promoveu, anos depois, uma celebração de
sufrágio e ação de graças pelo dom deste sacerdote na Igreja de Freixinho, que
envolveu toda a paróquia.
Bem
recordo aqueles tempos, assim como a oferta da batina preta e da batina branca.
Esta ainda a utilizei várias vezes no verão ou noutras ocasiões sob a capa
negra – parecendo um pinguim. E ainda há dias folheei um livrinho de canto
coral que ele me deu, editado em Angola em 1958.
Porém, o
que é de salientar é o testemunho do padre dedicado e macerado pelo sofrimento num
termo de vida em que os amigos nem sempre mostraram a conveniente compreensão e
a devida tolerância, não por maldade, mas por falta da avaliação concreta da
realidade concreta. Só Deus é que sabe dar o justo valor a todos e a cada um,
usando mais a misericórdia que a justeza.
2020.05.20
– Louro de Carvalho
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