quarta-feira, 27 de maio de 2020

O teletrabalho ajuda à solução, mas não é a solução



O ECO, reportando-se a uma entrevista de José António Vieira da Silva ao Jornal de Negócios (acesso pago), dá conta das declarações do antigo Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, ditas conservadoras, em que refere que “o teletrabalho levanta problemas muito delicados”, sendo mais fácil de controlar a forma como o trabalho é prestado e remunerado quando feito em regime presencial.
Os ditos “problemas muito delicados” têm a ver com a dificuldade de regular a duração diária do trabalho, os entraves à interação e o controlo das remunerações, pelo que o economista e antigo ministro não é partidário das “visões de que isto é uma oportunidade para passarmos de um paradigma de organização do trabalho para um outro radicalmente diferente, em que todos nós trabalhamos nesta rede de nuvem etérea em que tudo funciona no melhor dos mundos”.
Na verdade, como em tempos aduzi, a tentação para o aumento de horas de trabalho, por solicitação de chefias e clientes, é enorme; facilmente se bloqueia a interação (ou dela se abusa) e entram intrusos nalgumas redes; e não creio que os gestores de trabalho e remunerações estejam atentos às horas de trabalho que se dão a mais.
Por outro lado, se a dispensa de deslocação ao local de trabalho é facilitadora, não deixa a permanência em casa de ser ocasião de aumento de despesa pessoal em energia elétrica e consumíveis, quando não mesmo em equipamentos cuja aquisição o trabalhador suporta por desresponsabilização do empregador. 
Já não falo da experiência a que a pandemia nos obrigou com os pais a levar com o teletrabalho e o acompanhamento dos filhos na família em tempo laboral, nas aulas pela nova telescola e pela internet, sendo tantas vezes insuficiente o equipamento para todos. E já não falo da falta de acesso à internet em várias zonas do país e na necessidade de adaptação a mata-cavalos por parte de alguns profissionais em virtude da formação para o efeito.
Acresce que, em muitos casos, as relações de trabalho e a sobrecarga de tarefas se tornaram insuportáveis, a ponto de, para alguns, o confinamento ter sido difícil a todos os títulos.       
Questionado relativamente ao aumento do desemprego e ao maior risco associado às pessoas com mais idade e se a política de adiamento da idade de reforma se deve manter, Vieira da Silva é perentório a considerar um erro inverter esse caminho e a alertar que “antecipar a idade da reforma é uma solução perigosa”.
Quer-me ainda parecer que algum desemprego ocorrido no tempo do confinamento se deve à confiança de alguns empregadores no teletrabalho: mantiveram os serviços e o teleatendimento, a empresa foi sobrevivendo e os clientes, mesmo sem a acorrência aos balcões, foram sendo servidos. Assim, trabalhadores dos quadros de empresa temporariamente desnecessários foram remetidos para lay-off  e os precários, se tinham contrato, recambiados para o IEFP.
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O teletrabalho deixará de ser obrigatório no próximo mês (era obrigatório sempre que possível e com as exceções previstas), mas ainda poderá continuar. Com efeito, após a definição da segunda fase de desconfinamento em Conselho de Ministros, no passado dia 15, o Primeiro-Ministro afirmou que o teletrabalho parcial poderá ser regra até que haja uma vacina ou um tratamento contra o novo coronavírus. Por agora, o desconfinamento será parcial e acontecerá por turnos diários ou semanais. Assim, António Costa disse em conferência de imprensa subsequente à predita sessão do Conselho de Ministros:
No dia 1 de junho, tal como previsto, iremos começar a desconfinar parcialmente as pessoas que têm estado em teletrabalho obrigatório. O que não significa que seja obrigatório deixar de estar em teletrabalho. Pelo contrário, para quem se quiser manter assim e que possa ser feito. Mas gostaríamos que houvesse um desconfinamento parcial.”.
Costa diz que o teletrabalho servirá para se treinarem metodologias de trabalho “que porventura teremos de adotar ao longo do próximo ano para continuar a conviver com este vírus indesejável até termos uma vacina”. E, questionado se o trabalhador terá poder de decisão a ponto de contrariar a decisão do empregador,  clarificou que está em vigor a lei laboral, segundo a qual pode exercer a atividade em regime de teletrabalho o trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito, mediante a celebração de contrato para prestação subordinada de teletrabalho.
Além do fim do teletrabalho obrigatório, que se mantém para as atividades passíveis de serem realizadas a partir de casa, em junho reabrirão as lojas de cidadão e toda a atividade comercial, independentemente da dimensão, tal como os jardins de infância, creches, estabelecimentos de educação pré-escolar, centros de ATL, cinemas, teatros, salas de espetáculo e auditórios.
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De acordo com a 4.ª edição do Observatório OIT/Covid, os jovens são os mais afetados pela pandemia e o aumento considerável e rápido do desemprego jovem, verificado desde fevereiro, atinge mais as mulheres que os homens.  A pandemia vem causando triplo choque nos jovens: destrói o emprego; perturba os estudos e a formação; e põe grandes obstáculos a quem procura entrar no mercado de trabalho ou mudar de emprego. Cerca de 267 milhões de jovens nem trabalham, nem estudam nem frequentam qualquer tipo de formação.  
O relatório, vincando que o desemprego jovem já era mais elevado que o de qualquer outro grupo (13,6% em 2019), defende a necessidade de políticas urgentes, de grande envergadura e direcionadas a apoiar os jovens, incluindo programas de garantia de emprego e/ou formação nos países desenvolvidos, e programas e garantias de emprego intensivo nas economias de baixo e médio rendimentos. E, analisando as medidas de criação de ambiente seguro para o regresso ao trabalho, conclui que testes rigorosos e rastreio das infeções por coronavírus estão fortemente relacionados com menor perturbação do mercado de trabalho e com menores perturbações sociais que as outras das medidas de confinamento. De facto, em países com forte capacidade de realização de testes e rastreabilidade, a diminuição média do horário de trabalho é reduzida em 50% porque os testes minoram “o recurso a medidas rigorosas de confinamento, promovem a confiança do público, incentivando o consumo e apoiando o emprego, e ajudam a minimizar as perturbações de funcionamento no local de trabalho”. O custo dos testes é um fator a considerar, mas a relação custo-benefício “é altamente favorável”.
Em comparação com o 4.º trimestre de 2019, foram perdidas 4,8% das horas de trabalho durante o 1.º trimestre de 2020, o equivalente a cerca de 135 milhões de empregos a tempo completo. E o número estimado de perda postos de trabalho no 2.º trimestre continua nos 305 milhões. Um em cada cinco jovens deixou de trabalhar desde o início da pandemia; e os que mantiveram o emprego viram o seu horário de trabalho reduzido em 23%. Por isso, o observatório reiterou o apelo à criação de medidas imediatas e urgentes de apoio aos trabalhadores e às empresas para estímulo da economia e do emprego.
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Tendo em conta os alertas de Vieira da Silva, bem como a necessidade, apontada por António Costa, de estarmos preparados para surtos sanitários de igual ou semelhante dimensão e de acautelar o aumento do desemprego, é importante manter o teletrabalho como complementar da prestação do trabalho em regime presencial. Para tanto, os empregadores devem dispor de equipamentos suficientes e atualizados e cuidar da formação dos profissionais nesta matéria; o Estado deve garantir o acesso à internet em todo o território; e a ACT deve inventar formas de controlo das condições em que se desenvolve o teletrabalho.
Em suma, o teletrabalho é solução complementar do trabalho presencial e pode eventualmente ser uma solução substitutiva temporária, mas nunca a solução.
2020.05.27 – Louro de Carvalho

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