quinta-feira, 7 de maio de 2020

A arte é luz na escuridão da crise e viático para a esperança


Partindo das intenções da Missa que Francisco celebrou em Santa Marta na manhã deste dia 7 de maio, quinta-feira da IV Semana da Páscoa, o Papa Francisco voltou a rezar pelos artistas, pediu a Deus que os abençoe e afirmou, que sem a beleza, não se pode entender o Evangelho.
Assim, na introdução, dirigiu o seu pensamento aos artistas e falou:
Ontem recebi uma carta dum grupo de artistas: agradeciam pela oração que fizemos por eles. Gostaria de pedir ao Senhor que os abençoe porque os artistas fazem-nos compreender o que é a beleza, e sem o belo não se pode compreender o Evangelho. Rezemos mais uma vez pelos artistas.”.
E, na homilia, recordou que ser cristão é pertencer a um povo escolhido gratuitamente por Deus e que, sem essa consciência, se cai no dogmatismo, no moralismo, nos movimentos elitistas.
Evocando a passagem dos Atos dos Apóstolos (At 13,13-33) em que Paulo, chegado a Antioquia da Pisídia, explica, na sinagoga, a história do povo de Israel para anunciar que Jesus é o Salvador esperado, o Pontífice observa que Jesus é a grande referência dos cristãos e que, por trás de Jesus, há uma história de graça, eleição, promessa. Na verdade, o Senhor, ao escolher Abraão e os demais antepassados nossos, comprometeu-se a caminhar com o seu povo. Mateus (cf Mt 1,1-17) e Lucas (cf Lc 3,23-38), quando começam a falar de Jesus, partem da genealogia de Jesus. E Francisco infere:
Quando é pedido a Paulo que explique o porquê da fé em Jesus Cristo, não parte de Jesus Cristo: parte da história. O cristianismo é uma doutrina, sim, mas não só. Não só as coisas em que nós cremos: é uma história que traz esta doutrina que é a promessa de Deus, a aliança de Deus, ser eleitos por Deus.”.
Por outro lado, o cristianismo não é apenas uma ética. Diz o Papa que tem obviamente “princípios morais, mas não se é cristão somente com uma visão ética, nem se é cristão pela pertença a uma elite de pessoas escolhidas para a verdade, apesar de a tentação do elitismo ser um facto na Igreja, quando o relevante é o cristianismo como pertença a um povo escolhido por Deus gratuitamente. Ora, se nos faltar a consciência de pertença a um povo, “seremos cristãos ideológicos”, com uma doutrina de afirmações de verdades, uma ética, uma moral, mas tendo a veleidade de descartar para o inferno os que não pertencem a esta elite ou admitir que apenas se salvarão graças à misericórdia de Deus.
Já a consciência ou a memória de povo, sem dogmatismos moralismos ou eticismos, que nos faz chegar até Jesus Cristo, dá-nos o sentido da pertença à História da Salvação. Assim, embora com a noção de que, à mistura de pecados e virtudes, a famosa “multidão” que seguia Jesus “tinha o faro de pertença a um povo”. E, como diz o Papa, alguém que se diz cristão, mas que não tenha esse faro, não é um verdadeiro cristão”, porque “se sente justificado sem o povo”.
Assim, nós somos um povo pecador, que tem o faro de povo eleito, que caminha tendo recebido uma promessa e que fez uma aliança que talvez não cumpra, mas sabe que é Povo de Deus.
Por isso, Francisco exortou a que peçamos ao Senhor esta consciência de povo, que Nossa Senhora cantou no Magnificat e Zacarias no Benedictus: “consciência de povo”, de “santo povo fiel de Deus” que “em sua totalidade tem o faro da fé e é infalível neste modo de crer”.
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A respeito deste dia em que o Papa volta a rezar pelo mundo pelos artistas, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, recordou ao “Vatican News” a “Missa dos artistas” celebrada pelo Papa São Paulo VI na Capela Sistina a 7 de maio de 1964, porfiando que quem cria a beleza ajuda a “abrir o invólucro que cobre as coisas que estamos imersos para descobrir algo que é mais profundo”.
O purpurado considera a criatividade como viático para a esperança e a confiança no futuro, principalmente num momento marcado por tantas preocupações como é o atual e elegeu este como tema para a reflexão evocativa do 56.º aniversário da Missa aos Artistas, celebrada pelo Papa Montini na Capela Sistina a 7 de maio de 1964.
Um ano depois, São Paulo VI, na sua mensagem aos Artistas no Concílio Vaticano II, repetiu que o mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero, sendo o elemento central o restabelecimento do vínculo entre arte e fé. Aos artistas, que “são prisioneiros da beleza e que trabalham para ela”, a Igreja do Concílio afirmava pela voz do Papa: “se sois os amigos da autêntica arte, sois nossos amigos”. Na verdade, eles têm edificado e decorado os templos, celebrado os dogmas, enriquecido a Liturgia e “ajudado a Igreja a traduzir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a tornar percetível o mundo invisível”. Assim, importa que não fechem o seu espírito ao Espírito Santo, pois o mundo tem necessidade de beleza para não cair no desespero. De facto, a beleza, como a verdade, traz alegria ao coração dos homens. E é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração, o que acontece pelas mãos dos artistas. E Ravasi observa que esta ligação se baseia no facto de ambas não representarem o visível que está na realidade, o invisível que está no visível, como afirmava como Paul Klee”.
Na Capela Sistina – “cenáculo para artistas” e cenário de história, arte, religião, destinos humanos, memórias, presságios” –, o Papa Montini, falando aos artistas, propôs-lhes “fazer as pazes” e voltarem a ser amigos, reconheceu que a Igreja precisa da colaboração dos artistas, falou do paralelo entre o artista e o sacerdote de terem em comum o objetivo de tornar acessível e compreensível o mundo do espírito, assegurou que, “nesta operação que transfere o mundo invisível para fórmulas acessíveis e inteligíveis”, os artistas são mestres e explicou:
A vossa arte consiste em recolher do céu, do espírito, os seus tesouros e revesti-los com palavras, com cores, com formas de acessibilidade”.
Mais: o Papa do Concílio Vaticano II afirmava que, se faltasse a ajuda dos artistas, o ministério eclesial seria “gaguejante e incerto” e teria que fazer um esforço acrescido “para se tornar artístico ou, melhor, para se tornar profético”. Com efeito, para alcançar a força da expressão lírica da beleza intuitiva, será preciso “combinar o sacerdócio com a arte”.
Porém, Ravasi não se fica, neste aspeto, no pontificado do Pontífice de Brescia, antes considera que, nas décadas subsequentes, São João Paulo II e Bento XVI aprofundaram esta relação. E agora, as palavras de São Paulo VI reafloraram na memória quando Francisco na Casa Santa Marta rezou pelos artistas, observando que com a sua criatividade nos indicam o caminho para a esperança. Por isso, Ravasi sublinha:
E é esta a força dos artistas, principalmente nestes dias de horizontes fechados e de desolação pela situação que estamos vivendo”.
Para o cultíssimo purpurado, “o artista deveria ser aquele que, mantendo os pés na realidade a interpreta, a transfigura e a transforma”, tal como “impede que o olhar da pessoa se perca dentro do pó da história”. E, considerando que, em dias de quarentena e emergência, os artistas trouxeram companhia às casas com o seu trabalho através da mídia e, com isso, “nos convidam a abrir o invólucro das coisas” em estamos imersos “para descobrir algo que é mais profundo”.
A via pulchritudinis é efetivamente via de Deus, tal como as da bondade, compaixão e verdade.
2020.05.07 – Louro de Carvalho

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