quinta-feira, 28 de maio de 2020

Plano de Recuperação da Europa, uma boa pedrada no charco


A comunicação social destacou, no dia 27 de maio, o facto de a Comissão Europeia da UE (União Europeia) ter apresentado, na sessão plenária extraordinária do Parlamento Europeu (PE), a proposta revista para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e para o Plano de Recuperação da Europa, na sequência da crise originada pela pandemia da Covid-19.
A Delegação Socialista Portuguesa no PE emitiu um comunicado a saudar a proposta que aponta para a resposta europeia, solidária e coordenada a esta crise. E destaca três pontos: desde logo, “o princípio da mutualização da dívida” indo a Comissão aos mercados de capitais, “sendo as garantias asseguradas pelo Orçamento da UE, sem impacto nas dívidas públicas dos Estados-membros”; “a repartição de valores pelos Estados-membros, com critérios bem definidos”, a fazer maioritariamente “através de subvenções e não de empréstimos, o que exige um aumento dos recursos próprios”; e “a criação de um Fundo de Recuperação no valor de 750 mil milhões de euros, adicional ao Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia (QFP) 2021-2027, cujos montantes estarão disponíveis a curto prazo” para a política de coesão e apoio à solvência das empresas, na linha do que o PE tem vindo a pedir.
Assim, a proposta parece “uma boa base de trabalho para negociação, mas há ainda um caminho a percorrer”, pelo que os eurodeputados esperam que o Conselho Europeu (CE) chegue a acordo político o mais rapidamente possível, sendo que o PE, pronto para encetar as negociações, competindo-lhe a última palavra sobre o acordo, só dará o seu consentimento a um bom acordo. E os eurodeputados dizem vir a fazer tudo para que o acordo final constitua “a resposta europeia necessária capaz de minorar o impacto negativo desta crise na vida das pessoas, nas economias e nos Estados”. E, se o Orçamento Plurianual 2021-2027 não for aprovado em devido tempo, garantem que “o PE continua a pedir à Comissão que apresente um Plano de Contingência para assegurar a continuidade do financiamento aos beneficiários dos programas europeus”, pois não seria aceitável que houvesse um hiato entre o fim do atual QFP e o início do próximo, quando “os países tanto precisam de uma efetiva resposta europeia à crise”.
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A COMECE (Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia), como refere a agência Ecclesia, considera que a recuperação da Europa deve acontecer “através da justiça ecológica, social e contributiva” e avalia positivamente o plano de 750 mil milhões de euros da Comissão Europeia para enfrentar a crise. Escreve, neste dia 28, a Comissão de Assuntos Sociais da COMECE:
Apelamos a um rápido acordo entre os Estados membros e o Parlamento Europeu sobre o plano de recuperação e o próximo quadro financeiro plurianual (QFP). Embora a discussão deva ser dirigida ao bem comum e guiada por um espírito de solidariedade, a UE deve procurar um acordo que ajude a Europa a recuperar-se através da justiça ecológica, social e contributiva.”.
Isto quer dizer que os episcopados católicos dos 27 países comunitários consideram que esta proposta dum plano económico de 750 mil milhões de euros, o Plano de Recuperação para enfrentar a crise causada pela pandemia do novo coronavírus, “estabelece uma perspetiva clara para uma Europa que procura crescer unida”. E os Bispos explicam:
Um acordo rápido sobre um ambicioso plano de recuperação seria um sinal visível que a UE e seus Estados membros voltaram ao caminho da solidariedade. Complementaria as muitas iniciativas imediatas da UE em resposta à crise, incluindo o primeiro pacote de resgate, as súbitas reações do Banco Central Europeu e os roteiros conjuntos para a recuperação e o levantamento das medidas de contenção da Covid-19.”.
Concordando com um plano de recuperação que “coloque a questão da justiça no seu centro”, os Bispos apelam à UE a que renove o espírito de solidariedade. Com efeito, a pandemia de Covid-19 e as suas consequências atingiram a UE inesperada e brutalmente, de modo que o surto “expôs a vulnerabilidade a crises de saúde pública” e a fragilidade e fraquezas de a UE agir em tempos de crise”. E a COMECE assinala que o “fracasso em demonstrar solidariedade”, o encerramento unilateral das fronteiras e as ações autocentradas dos Estados-Membros em março “causaram deceção entre muitos cidadãos em relação ao projeto Europeu”. Porém, incentiva:
Vamos encontrar uma nova esperança para a Europa numa recuperação conjunta que expressa o nosso renovado espírito de solidariedade e nossa ambição de trabalhar por um futuro justo”.
Na análise do plano económico para a recuperação da Europa, a Comissão de Assuntos Sociais da COMECE recorda as palavras do Papa, na Bênção Urbi et Orbi no dia de Páscoa, 12 de abril:
Neste momento, em que a unidade é muito necessária entre nós, entre as nações, rezemos hoje pela Europa para que consiga criar esta unidade fraterna sonhada pelos pais fundadores da União Europeia”.
No seu documento, a COMECE frisa que o projeto comunitário nasceu há muito tempo como resposta à tragédia humana causada pela II Guerra Mundial, que inspirou os pais fundadores a criar o que se tornou a UE, que tem agora, nas palavras do Bispo Antoine Hérouard, presidente da Comissão Social da COMECE, “a oportunidade de dar um passo importante para reafirmar sua solidariedade e expressá-la de maneira direcionada”. Com efeito, “um plano ambicioso de reconstrução será um sinal visível de que a UE e seus Estados-membros estão no caminho da solidariedade novamente”. E um fundo de reconstrução que permita à Comissão da UE arrecadar fundos para os Estados-membros carentes também seria importante para muitos cidadãos da UE que se sentiram dececionados com as medidas egocêntricas adotadas por alguns países no início da pandemia. Um plano desse tipo também atenderia ao apelo do Papa por “mais evidências de solidariedade, inclusive recorrendo a soluções inovadoras”.
Por fim, a COMECE insta a UE e as autoridades nacionais a moldarem a discussão sobre o plano de reconstrução para o bem comum visando “recuperação compartilhada que expresse ambição com um renovado espírito de solidariedade por um justo trabalho futuro”.
Já a 20 de abril, a COMECE exortava todos os Estados-membros a mostrarem generosidade, oferecendo asilo aos refugiados que se encontram nas ilhas gregas, para minimizar o risco de infeção pelo novo coronavírus nos campos, que estão sobrelotados. A este respeito, perguntava Jean-Claude Hollerich, Arcebispo do Luxemburgo e presidente daquele organismo:
Nós estamos nas nossas casas, com medo. Penso nos mais vulneráveis: como se sentirão aqueles que estão nos campos de refugiados, aqueles que não têm nada, nem sequer medicamentos para a gripe sazonal?”.
Considerando as consequências letais dum foco contagioso de Covid-19 teria num campo de refugiados, a COMECE, a Cáritas Europa e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sublinhavam num comunicado divulgado a 16 de abril que reiteravam “a necessidade de realocar os requerentes de asilo das ilhas gregas, porque a situação ali é particularmente dramática: cerca de 20 mil pessoas estão no campo de Moria, na ilha de Lesbos, cujas instalações foram preparadas para acolher apenas três mil”. Sendo então o Luxemburgo e a Alemanha os únicos países a receber parte destes migrantes (tendo acolhido, respetivamente, 12 e 50 menores não acompanhados), Jean-Claude Hollerich insistia que os restantes países deveriam ser mais solidários, sobretudo no quadro da pandemia, “respeitando as obrigações jurídicas internacionais dos requerentes de asilo e das suas famílias”.
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Na verdade, se a justiça ecológica impõe sério cuidado da casa comum, a justiça social implica atenção aos mais pobres e a justiça contributiva urge os deveres para com a sociedade.
2020.05.28 – Louro de Carvalho

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