É um dos tópicos mais relevantes que o Bispo de Leiria-Fátima, cardeal
Dom António Marto convocou na homilia da Missa Internacional Aniversária deste
dia 13 de maio ao perspetivar a atual crise mundial como uma oportunidade para a
“conversão em profundidade” e apresentar a esperança da mensagem de Fátima como
chave de leitura para este tempo um tanto parecido, em termos de drama, com
aquele em que a Virgem visitou os pastorinhos.
Diante dos três metropolitas (Cardeal
Patriarca, Arcebispo Primaz de Braga e Arcebispo de Évora) – em representação do clero
das três províncias metropolitanas portuguesas – de dois médicos, dois
enfermeiros, dois assistentes de saúde, dois bombeiros e dois dirigentes de
IPSS, em homenagem ao pessoal da linha da frente na luta contra o coronavírus SARS-CoV-2,
Dom António Marto iniciou a sua reflexão homilética, em jeito de oração à Mãe
de Misericórdia, com a verificação de que é esta a primeira vez, desde 1917 (103 anos), que o povo, “vindo dos
mais diversos ângulos do mundo não pode estar aqui, em multidão, impedido pelos
riscos da saúde pública”. Nem a neblina que se abateu sobre o Recinto de Oração
mascarou o vazio sentido pela ausência física da habitual multidão de
peregrinos. Com efeito, um vírus caprichoso de quem ninguém está imune, de
súbito, “confina-nos nas nossas casas e priva-nos dos momentos mais desejados e
afetuosos da vida, como este que vivemos cada ano” junto de Maria.
O cardeal fatimita apontou a
crise mundial humana gerada pela pandemia da Covid-19, que “põe a nu e revela a
vulnerabilidade e a fragilidade da nossa condição humana”, como uma situação
“dramática e trágica, sem precedentes”, mas perspetivou-a como oportunidade
para “refletir sobre a vida e, em primeiro lugar, a ir ao essencial”. E disse:
“Às vezes, parecemos tão tremendamente
fortes e somos tão tremendamente frágeis, vulneráveis. (…) (Esta situação)
obriga-nos a repensar os nossos hábitos, o nosso estilo de vida, a escala de
valores que orienta a nossa vida. Coloca-nos perante o grande mistério último
da vida e da humanidade que nós, os crentes, chamamos Deus, o Deus de Jesus
Cristo. Tudo isto exige uma reflexão interior, espiritual.”.
Apresentando
a pandemia como “chamamento à conversão espiritual mais em profundidade”, o
prelado apresentou como resposta para a crise a responsabilidade e a
solidariedade e vincou:
“A nossa vulnerabilidade e fragilidade
fazem-nos sentir a todos unidos em humanidade. (…) E damos conta de que a nossa
liberdade só pode ser exercida na responsabilidade e na solidariedade, que
somos interdependentes e solidários uns [com os] outros e, por isso, nos
salvamos todos juntos ou nos afundamos todos juntos.”.
Sublinhou o
“suporte humano e espiritual” que a família assume como “pequena igreja
doméstica em tempos de confinamento” e, ao alertar para as “terríveis”
consequências económicas, sociais e laborais geradas pela pandemia, o purpurado
desafiou os cristãos a não ficarem indiferentes perante a “pobreza, a fome e a
exclusão social”, uma realidade social “que já bate à porta das Cáritas
diocesanas e de várias paróquias e soa a sinal de grito de alarme”.
Citando o
Papa e denunciando a indiferença como cobertura da pandemia mais grave que a da
Covid-19 – a da pobreza, fome e exclusão social –, interrogava os peregrinos se
era possível continuarmos com o mesmo modelo económico e social, sem distribuir
por todos o alimento, que chega para todos, deixando na penúria tanta gente, ou
se continuaremos com os focos de conflito e de guerra na busca de mais domínio.
No apelo à
conversão, o cardeal apresentou a mensagem de Fátima como chave de leitura para
a crise. Com efeito, também hoje a “Senhora tão bonita” nos é apresentada, na
1.ª leitura, sob a imagem da “mulher revestida de sol” que irradia a luz de
Deus, nos convida a ver a nossa vida e a história do mundo à luz da fé e
convida à confiança no triunfo do bem e da vida sobre o mal e a morte. Na
verdade, como referiu, “a Palavra de Deus motiva-nos, pois, a atualizar a
mensagem de Fátima de esperança e de paz e do apelo à conversão: é possível
recomeçar, com esperança”.
E, por falar
em esperança, o presidente da Peregrinação dirigiu uma oração de agradecimento
e louvor a Nossa Senhora, firmando o compromisso de ali voltarmos logo que seja
possível:
“Mãe querida, queremos agradecer-te esta
peregrinação interior, a luz, a esperança, a consolação e a paz de Cristo que
levas às nossas casas. Hoje fazes tu o caminho da ida; o caminho da volta
fá-lo-emos nós quando superarmos esta ameaça que no-lo impede. Voltaremos: é
a nossa confiança e nosso compromisso. Voltaremos… Sim, voltaremos! É a
nossa confiança e o nosso compromisso, hoje. Voltaremos, juntos aqui, em
ação de graças, para te cantar: ‘aqui vimos, mãe querida, consagrar-te o nosso
amor’!”.
É de
registar que, na homilia, o prelado fatimita fez referência aos profissionais
de saúde, aos doentes e àqueles que partiram sem que os familiares se pudessem
despedir, assegurando que ocupam um lugar no coração da Mãe.
E, após a
habitual saudação aos peregrinos, nas diversas línguas (bandeiras
de vários países, de todos os continentes, incorporaram-se na procissão a
representar os grupos inscritos), António
Marto comunicou que não haverá, a 10 de junho, a peregrinação das crianças, mas
assegurou que, em breve, seriam enviadas indicações para que possam peregrinar
a partir de casa. Depois, leu uma carta, datada de 8 de maio, que o Santo Padre
enviou aos peregrinos de Fátima para este 13 de maio.
Na sua carta
autógrafa, Francisco diz saber que os peregrinos se encontram ali, “embora apenas de alma e coração”, porque “um
filho, uma filha não se pode ver longe da mãe e clama por ela; a confiança que
lhe inspira é tal que basta a sua companhia para cessarem todos os medos e
inquietações, abandonando-se a um sono tranquilo logo que se vê no regaço dela”.
O Papa quis tranquilizar-nos sobre a companhia que nos faz a nossa Mãe
do Céu. De facto, somos “tão limitados, tão pequeninos que um inesperado vírus
pôde facilmente transtornar tudo e todos” – escreveu o Santo Padre, que
prosseguiu:
“Nossa Senhora é pequenina como
nós, mas abandonou-Se a Deus e Ele engrandeceu-A, fazendo-A Mãe sua e nossa.
Hoje, gloriosa em corpo e alma, toda Ela é um coração materno ocupado e
preocupado em restabelecer a sua ligação connosco e a nossa ligação com Deus.
Não esqueçais a sua promessa de 13 de junho de 191 7: ‘O meu Imaculado
Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus’.”.
Falando da missão de Maria, afirmou:
“A Deus, Ela confia todos e cada
um de vós, desde os zeladores do Santuário de Fátima, que hoje nos personificam
e representam a todos aos pés de Nossa Senhora, à semelhança do apóstolo João
no Calvário – ‘Mulher, eis o teu filho!’ (Jo 19,26) e, pela casa dentro,
entrou-Lhe todo o mundo ... –, até os
doentes, pobres e abandonados, sem esquecer os profissionais e voluntários
empenhados a servi-los.”.
E, pedindo que rezemos, disse:
“Uma oração particular vos peço
– enquanto vos asseguro a minha – pelas vítimas sem conta desta pandemia da
covid-19 e todos os defuntos; a quantos se viram sozinhos na sua travessia para
a eternidade, sei que a boa Mãe do Céu lhes fez companhia até Deus. Que o bom
Deus vos abençoe e Nossa Senhora de Fátima vos guarde e proteja.”.
A este
respeito, é digna de registo a saudação que Francisco fez em língua portuguesa
no termo da catequese semanal desta quarta-feira, dia 13, na Biblioteca do
Palácio Apostólico:
“Saúdo os ouvintes de língua portuguesa
e, neste dia treze de maio, a todos encorajo a conhecer e seguir o exemplo da
Virgem Maria. Para isso procuremos viver este mês com uma oração diária mais
intensa e fiel, em particular rezando o terço, como recomenda a Igreja,
obedecendo a um desejo repetidamente expresso em Fátima por Nossa Senhora. Sob
a sua proteção, vereis que os sofrimentos e as aflições da vida serão mais
suportáveis. Hoje, gostaria de me abeirar, com o coração, da diocese de
Leiria-Fátima, do Santuário de Nossa Senhora. Saúdo todos os peregrinos que lá
estão em oração; saúdo o Cardeal Bispo, saúdo a todos. Todos unidos a Nossa
Senhora, para que nos acompanhe neste caminho de conversão diária rumo a Jesus.
Que Deus vos abençoe!”.
***
Os
peregrinos que viveram a Peregrinação a partir de casa foram o foco da noite do
dia 12. Na reflexão homilética da celebração da Palavra, Dom António Marto
proclamou que estavam ali “todos, com a luz e o calor acesos da fé que enche os
vossos corações”, em eco que se propagou pelo Recinto de Oração deserto,
alumiado pelas mil velas solitárias que “cintilavam” no seu perímetro,
simbolizando as vítimas mortais da Covid-19, e outras 21 velas, em
representação das dioceses de Portugal. E expressou proximidade, afeto e oração
aos que “mais sofrem e continuam a sofrer com a pandemia e aos que mais lutaram
e lutam pela saúde de todos”, concretamente: “aos defuntos e seus familiares, aos doentes, a todos os profissionais
de saúde, aos cuidadores, idosos, pobres, famílias, sacerdotes, trabalhadores
da proteção civil, dos transportes, limpeza, alimentação e outros que não se
pouparam a sacrifícios, como bons samaritanos”.
Ao lembrar o
apelo do Papa Francisco para responder à atual pandemia com a união, a
universalidade da oração, da compaixão e da ternura, junto dos mais
necessitados, o prelado fatimita evocou o apelo que a Senhora deixou na Cova da
Iria à oração do Rosário, recitado, momentos antes, na Capelinha das Aparições:
“Tendo meditado os mistérios dolorosos,
unimo-nos a toda a humanidade sofredora, evocada na leitura do profeta Isaías;
confiámos as suas dores e todos os sofredores ao coração materno de Maria;
pedimos-lhe que leve a todos a ternura e o conforto para superar esta provação
como na sua visita a Isabel e que também nós, com toda a nossa solidariedade,
sejamos testemunhas de que ‘o Senhor salva os corações atribulados’.”.
“Fica connosco, Senhor, porque se faz noite!”,
foi a invocação que Dom António Marto repetiu na homilia e definiu esta noite como
a “de quem vive uma noite escura da fé perante o aparente silêncio e ausência
de Deus e a de quem estremece e estranha esta noite tão diferente daquelas
noites inigualáveis de 12 de maio – autênticos mares de luz – e que hoje mais
parece um deserto escuro”. E, apontando a Virgem como a luz pela qual “o Senhor
faz sentir a Sua proximidade”, (…) apresentando-A como “Mãe das dores, da
esperança, e estrela que orienta a navegação dos peregrinos da fé sobre o
grande mar da história em direção ao porto da eternidade”, exortou a, “com a
doçura de Maria no coração”, entrarmos “tranquilos na noite com uma breve
oração” e terminou com uma oração de Bento XVI dirigida a Nossa Senhora:
“Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa,
ensinai-nos a crer, a esperar e a amar convosco. Indicai-nos o caminho para o
seu reino! Estrela do mar, brilhai sobre nós e guiai-nos no nosso caminho.”.
A noite
terminou com a homenagem a todos os peregrinos que não puderam estar presentes
na celebração. Dom António Marto, acompanhado por dois servitas, lavou os pés a
três peregrinos, que representavam os milhões que seguiam espiritualmente esta
Peregrinação a partir de casa, através dos meios de comunicação, ao Santuário
de Fátima, para, com este sinal, os honrar e dizer que os “espera em nome da
mãe, como uma mãe espera a visita dos filhos à sua casa”.
***
Na habitual
conferência de imprensa que antecipa as celebrações da Peregrinação
Internacional Aniversária de maio, o cardeal disse aos jornalistas que, pelo
contexto da pandemia, esta é a peregrinação mais difícil do Santuário e a mais
interpeladora. Porém, assegurou que “o vazio que os olhos alcançam nunca esteve
tão preenchido: O Santuário de Fátima,
hoje e amanhã, é do tamanho do mundo”. E, mostrando-se otimista em relação
à participação espiritual de muitos peregrinos nas celebrações, confidenciou:
“Quando anunciei a suspensão da Peregrinação
nos termos habituais, sem a presença física dos peregrinos, acrescentei que estaríamos
aqui espiritualmente todos unidos, como Igreja, com Maria e, segundo os ecos
que me têm chegado, muita gente estará unida espiritualmente às celebrações”.
Estabelecendo
“alguma semelhança” entre a pandemia atual e a que o mundo viveu há cem anos, o
purpurado elencou as “caraterísticas devastadoras e desastrosas” geradas por
ambas: “mortes; doentes; desamparados; abandonados; e gente possuída pelo medo,
angústia, incerteza e insegurança face ao futuro”, ao projetar dias difíceis
gerados por uma “pandemia que não é só um fenómeno biológico, mas de
repercussões e consequências graves em todos os âmbitos da vida: pessoal;
familiar; educativo; laboral; económico-financeiro”.
E, ao
apresentar a fraternidade, pela responsabilidade e solidariedade, como resposta
ao medo na atual de crise mundial, o prelado observou:
“Nós, cristãos, percebemos uma coisa que
está no centro do anúncio do Evangelho: a salvação chega-nos pelo outro, pelo
seu comportamento, pelo seu respeito e pela sua responsabilidade. Por isso,
temos de ultrapassar aquela atitude espontânea do medo, diante das ameaças que
estão à nossa frente, e assumir exigências que se põem diante dos nossos olhos…
Todos somos interdependentes e esta interdependência tem de se traduzir na
responsabilidade e na solidariedade.”.
Sobre as
consequências sociais e económicas da pandemia, o Bispo de Leiria-Fátima sublinhou
a “exigência de um novo impulso de solidariedade e responsabilidade centrado na
dignidade humana”. E, ao exprimir a sua proximidade com as vítimas da pandemia,
lembrou a mensagem de confiança e esperança trazida pela Senhora, nas Aparições
de Fátima, e afirmou que a pandemia não exige apenas uma terapia física, mas
também espiritual. E garantiu:
“Unimo-nos à dor das vítimas diretas e
indiretas e queremos que sintam que não estão sós. Recordo a comunicação de
confiança que Nossa Senhora trouxe aos Pastorinhos para um mundo que, então,
vivia também em condições dramáticas: ‘Eu nunca vos deixarei… O meu Imaculado
Coração será o vosso refúgio e o caminho que vos conduzirá até Deus’.”.
Dom António
Marto realçou o papel de responsabilidade que a Igreja em Portugal assumiu na atual
de pandemia, demonstrando “grande preocupação com a saúde pública, procurando
evitar o contágio do vírus, tomando todas as precauções e chegando à suspensão
das celebrações comunitárias”. E, admitindo que, “mesmo depois desta fase de
desconfinamento, não quer dizer que a pandemia já está vencida”, assumiu a
continuação das “precauções necessárias”, por parte da Igreja, em articulação
com as autoridades governamentais e da saúde, para evitar o contágio.
O
vice-presidente da CEP (Conferência Episcopal portuguesa) lembrou ainda a comemoração, no passado dia 8 de
maio, do final da II Grande Guerra Mundial na Europa; e, no dia 9, a
comemoração da declaração de Schuman, que marca a origem da fundação da União
Europeia (UE), perspetivando estes momentos como “interpelação para
a Europa continuar unida e solidária, para fazer face às consequências da
pandemia atual”.
No final,
evocou o Papa São João Paulo II, na comemoração do seu nascimento, afirmando
que “foi o Papa de Fátima e da Europa,
porque foi um lutador pela queda dos muros que dividiam o continente,
convidando-a a respirar com os dois pulmões: o do ocidente e o do oriente,
convergindo na cooperação comum”.
***
Uma
peregrinação condignamente preparada e executada pelo pessoal do Santuário e
alguns colaboradores, acentuando as marcas de representação e os apelos à
interioridade e ao coração, só faltando efetivamente a multidão, que não foi
esquecida na sua diáspora quase obrigatória pelas próprias casas. Oxalá
constitua esta peregrinação o milagre interior de que o mundo dos homens
precisa para assumir a marca da solidariedade que não deixa ninguém para trás!
2020.05.13 –
Louro de Carvalho
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