O professor universitário André Ventura era o candidato da
coligação “Loures Primeiro”, do PSD-CDS à Câmara
Municipal de Loures. Mas ficou com nome na praça pública por ter desencadeado
uma inusitada polémica, ao sustentar, referindo-se à etnia cigana, que “somos
muito tolerantes com as minorias”. E insiste nessa tese. Em entrevista ao
jornal I, afirmou que “os ciganos
vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”. Por isso, tem vindo
a ser acusado de
xenofobia, o que não o demove de entender e dizer que os ciganos se
transformaram em “minorias de privilégio” e que o Estado não consegue impor a
lei por “medo da reação”.
O candidato socialdemocrata à Câmara de Loures dá
diversos exemplos de ilegalidades que se fazem acompanhar de impunidade:
“Eu tenho imensos relatos em Loures
de situações em que são ocupados imóveis ilegalmente e a câmara nada faz para
os tirar de lá. Porquê? Porque seria racismo e xenofobia. Mas não é racismo, é
fazer cumprir a lei.”.
E acrescenta:
“Há
pessoas de etnia cigana que entram nos transportes, usam os transportes e nunca
pagam, e ainda geram desacatos. Quem está a pagar isso somos todos nós.”.
Mais tarde, rebatendo as críticas de xenofobia, fala
em igualdade e acusa alguma esquerda (mas o CDS que lhe retirou apoio não
é esquerda) de se aproveitar destas
declarações para retirar dividendos políticos. Disse, a propósito, na predita entrevista
ao I:
“Nada tenho contra as pessoas de
etnia cigana, isto tem a ver com um grupo que acha que está acima do Estado de
Direito. Eu, como candidato, tenho o dever de denunciá-lo, porque corremos o
risco de uma guetização e isso é preocupante: são zonas do Estado em que a
ideia de autopoder começa a funcionar. São zonas onde são eles que mandam e não
entra polícia…”.
A posição de Ventura levou o CDS a romper com a
coligação e a construir uma candidatura autónoma ao município de Loures. Francisco
Mendes da Silva, dirigente do partido, manifestou repúdio no Facebook, nos
termos seguintes:
“Não há
praticamente nada que André Ventura diga que eu não considere profundamente
errado, ligeiro, fruto da ignorância e de um populismo que tanto pode ser
gratuito, telegénico ou eleitoralista. Já o vi falar de tudo e mais alguma
coisa, em muitos casos de assuntos que conheço técnica e/ou factualmente. Nunca
desilude na impreparação e no gosto em ser o porta-estandarte das mais variadas
e assustadoras turbas. Se perder, tudo bem: que nem mais um dia o meu partido
fique associado a tão lamentável personagem.”.
***
O PSD apresenta uma
dupla posição. Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e candidata à Câmara
de Lisboa, repudiou claramente, em comunicado, as declarações proferidas por
André Ventura em relação à comunidade cigana, explicando:
“Por um lado, por
considerarmos que afirmações que
generalizam comportamentos só
perpetuam os preconceitos e estigmatizam
comunidades que fazem parte integrante do tecido demográfico das nossas cidades;
por outro lado, porque não nos revemos nem em pensamento, nem em discurso de
natureza discriminatória”.
E, pela positiva, acentua:
“Defendemos uma sociedade
inclusiva, solidária e justa no âmbito da qual a diversidade e a
multiculturalidade devem ser plenamente respeitadas e celebradas”.
Ao invés, Ricardo
Andrade, presidente da concelhia do PSD de Loures, afirma que o PSD reitera a
confiança política” no candidato e que “em nenhum momento foi equacionado
a retirada de apoio ao candidato”. Ao Observador,
este dirigente socialdemocrata frisou:
“Ao mesmo tempo que a
candidatura acredita que qualquer cidadão tem os mesmos direitos
independentemente da raça ou da religião, também destaca que todos têm de ter
os mesmos deveres e obrigações“.
Ricardo
Andrade sustenta que “para haver integração as pessoas não podem ser votadas ao
abandono” e que o PSD, nessa matéria, não recebe lições de outros partidos, já
que “foram
muitas as autarquias do PSD que lideraram políticas de inclusão em Lisboa e nos
concelhos limítrofes”; e sublinha que “vivemos em democracia”,
onde existe “liberdade de expressão” e, uma vez que o “candidato explicou o que
queria dizer” e que “o PSD sabe muito bem o que o André Ventura pensa sobre o assunto”,
não há motivo para pôr em causa a sua candidatura.
***
Enquanto o CDS-PP deixou cair o apoio a Ventura, autor das declarações
polémicas sobre a comunidade cigana, que originaram mal-estar, Passos Coelho
diz-se “tranquilo” com decisão do PSD de apoiar o candidato. Com efeito, após as
declarações polémicas do candidato, que afirmou que existia “uma excessiva
tolerância com alguns grupos e minorias étnicas” e que “os ciganos vivem quase
exclusivamente de subsídios do Estado”, os dois partidos reuniram-se para
avaliar o caso. As conclusões, foram, no entanto, em sentido diverso. O CDS-PP
avançou primeiro, retirando-se da coligação e retirando assim o seu apoio ao candidato
do PSD, e comunicou ter escolhido “seguir um caminho próprio no concelho de
Loures nestas eleições autárquicas de 2017”. No comunicado enviado às redações,
o CDS argumenta que manifestou “no seio da coligação o seu profundo incómodo
com as referidas afirmações”. André Ventura, autor das polémicas declarações
sobre a comunidade cigana, encabeçava a coligação que unia PSD e CDS. E foi Mendes
da Silva quem pediu que o seu partido não ficasse associado a “tão lamentável
personagem” por nem mais um dia.
Já o PSD não só manteve o seu apoio ao candidato Ventura, como lamentou a
decisão tomada pelo partido liderado por Assunção Cristas. Fonte da direção do
PSD disse, em declarações à Agência Lusa:
“O PSD mantém o apoio ao candidato do partido à Câmara
Municipal de Loures. Lamentamos que o CDS não mantenha esse apoio, mas
respeitamos a posição agora assumida pelo CDS.”.
E o próprio Presidente do partido, Pedro Passos Coelho veio a terreiro em
apoio de Ventura, aduzindo que “foi importante que tivesse oportunidade de
clarificar o que é que queria ter dito” e afirmando estar “tranquilo” quanto à
posição do PSD, que “é uma posição não racista e não xenófoba”.
***
Segundo o semanário “Sol”, a que deu entrevista a 17 de julho,
o jurista André Ventura, doutorado em Direito pela Universidade de York, além
do trabalho na Academia, é comentador político e desportivo, não escondendo a
predileção desportiva pelo Benfica. Está em dúvida se, por exemplo, um
sportinguista votará num benfiquista, mas espera que tal aconteça, o que será
esclarecido em outubro.
À
Academia, que é o mundo onde trabalha e diz que gosta de estar, classifica-a de
“mundo algo conservador que nem sempre aprecia o estilo televisivo” como o do tipo
de programas em que o académico entra. E destaca os dois tipos de reação com
que é recebido: “dos alunos, uma excelente, de questões e de aproximação”; e
das instituições diz que não tem “razões de queixa” e que é “muito bem tratado
nas duas universidades” onde dá aulas, embora sinta uma certa desconfiança no
tipo de perfil de comentador desportivo, que espera vir a ser
ultrapassada.
Confessa
que não abdica de si próprio
no comentário desportivo e que tal independência passou para a política, explicando:
“Não abdico nem nunca vou
abdicar disso. Quando fui eleito [para o conselho nacional], as pessoas sabiam.
Nenhum partido, incluindo o meu – que estimo –, vai limitar-me na minha
opinião. Uma coisa é a solidariedade que devemos ter com o partido em
momentos-chave, outra é a nossa opinião.” .
Como
exemplo apresentou “uma coisa nada popular” em que até é contra o que o PSD
defende: as penas criminais. Acha que “temos cada vez mais uma sociedade com
certos tipos de crimes que devia permitir a prisão perpétua dos delinquentes”, designadamente
em casos de terrorismo e de violência com consequências similares (caso de Pedro Dias). E elucida o seu argumento
com o caso de Espanha, em que o sistema não bloqueia o prolongamento do
cumprimento de pena:
“Espanha, há dois anos, fez uma reforma que vai neste sentido. Não
introduziu a prisão perpétua, mas, enquanto se mantiverem índices de
perigosidade, a pena pode alargar-se. No fundo, é dizer prisão perpétua, mas de
uma forma mais pragmática.”.
Ao falar de
solidariedade partidária em relação a momentos-chave do PSD, admitiu que o
partido está a viver um dos momentos que requerem solidariedade. E, apesar de
fazer valer as suas críticas “em relação ao processo autárquico em
Lisboa”, tal não o impede de ser solidário e de estar em todos os momentos em
que o partido entenda que deva estar.
***
Voltando às suas
declarações polémicas em que sublinhava que somos demasiado “tolerantes com algumas
minorias”, explicou-se “muito direto” ao
Sol;
“Eu acho, e Loures tem
sentido esse problema, que estamos aqui a falar particularmente da etnia
cigana. É verdade que em Loures há mais, com uma multiculturalidade grande, mas
em Portugal temos uma cultura com dois tipos de coisas preocupantes: uma é
haver grupos que, em termos de composição de rendimento, vivem quase exclusivamente de
subsídios do Estado; outra é acharem que estão acima das regras do Estado
de direito.”.
Sustenta que é
preciso “cumprir com as regras de habitação social”. Critica as situações
de Loures “em que são ocupados imóveis ilegalmente e a câmara nada faz para os [os ciganos] tirar de lá”, por
alegadamente ser “racismo e xenofobia”; verbera as situações em que, a qualquer
hora do dia, se veem pessoas “a ocupar o espaço público no meio da rua”; e
compreende as queixas de utentes dos transportes públicos sobre “pessoas de
etnia cigana que entram nos transportes, usam os transportes e nunca pagam, e
ainda geram desacatos”. E conclui que somos todos nós “quem está a pagar isso”.
Entende que a solução
passa por urgir o cumprimento da lei. Não vale a argumentação de que, se os tiram de casa, “vão
acampar para o meio da rua ou para a porta da câmara municipal”.” Acima de
tudo, defende que “o Estado de Direito não pode ter medo de grupo nenhum nem de
minorias nenhumas, tem de estar acima de tudo”. Se as pessoas ditas “normais” ou
da “maioria”, não pagarem a casa ou renda, são despejadas. Ora, isto deve valer
para as minorias. Diz o candidato e jurista que “a ideia de maioria e minoria
inverteu-se a partir do momento em que as minorias se tornaram minorias de
privilégio”. A lei tem de estar acima do preconceito e deve ser ela o
fator de igualdade. Assim, diz o candidato a autarca, “temos de ser todos
tratados como iguais” e “a etnia cigana tem de interiorizar o Estado de Direito
porque, para eles, as regras não são para lhes serem aplicadas”. Tem de acabar
o sentimento de enorme impunidade para os que pensam que “nada lhes vai
acontecer”. E isto não se tem feito
“por medo da reação”, pelo medo de “dizerem que estamos a ser ‘fascistas’, ‘racistas’,
‘xenófobos’ e pelo aproveitamento político. De facto, “sempre que alguém
denuncia isto, acusam-no de racista e começam a falar em políticas de
integração”, mas sem dizerem quais.
Para o candidato à
autarquia, a verdadeira integração passa pelo cumprimento do estipulado na lei por
parte de todos e nos contratos por parte daqueles a quem eles dizem respeito. E a Câmara deve apoiar
aqueles que precisam, não aqueles que não querem fazer nada: “famílias que
perderam o emprego, famílias que têm mais de três filhos e não os conseguem
sustentar, famílias que não conseguem satisfazer necessidades básicas devido à
carga fiscal…”.
***
Em
que está a falhar o discurso de André Ventura? Será a sua postura tão absurda ou
tão ortodoxa a dos seus críticos ou demasiado solidária a dos seus apoiantes?
Do
meu ponto de vista, o candidato cometeu o erro de estender generalizadamente os
erros de ocupação de casas a todos os ciganos ou o acampamento desordenado e
ilegal na via pública, bem como a utilização sem pagar dos transportes públicos
e os eventuais desacatos. Por princípio, nem todos os membros da etnia cigana
cometem os mesmos erros. É certo que grupos minoritários, porque se sentem mais
diminutos e acossados, tendem a tomar atitudes congéneres e em massa. E havemos
de admitir que tem faltado aos poderes públicos lucidez, coragem e pedagogia
social para integrar e incluir minorias, articulando o cumprimento da lei com
as necessidades e peculiaridades das mesmas minorias. Por outro lado, não têm sabido
equilibrar o respeito pelas minorias com aquilo que pode parecer – e, às vezes
é, tratamento privilegiado das minorias. A tolerância e a aceitação não podem
originar a predominância acima dos demais. Porém, há que estar com atenção a
que a vontade das maiorias não se exerça de forma absoluta e esmagadora sobre as
minorias.
De
resto, perguntemo-nos como é que podem os nossos deputados respeitar a vontade
das maiorias se muitos, às vezes, não sabem como funciona o Parlamento, não
sabem o que estão a votar e são obrigados à disciplina partidária em matérias
que não a deviam exigir. Ademais, como é que são escolhidos os membros de uma
lista partidária para um círculo eleitoral?
Outro
erro que o pretendente ao trono da liderança do município de Loures cometeu foi
circunscrever aquelas situações erróneas e as impunidades à etnia cigana.
Deixemo-nos de cantigas. Só os ciganos é que são impunes? Não o são, por
exemplo, os ex-gestores de topo da CGD, do BCP, do BES, da PT, do BPN, do Banif,
da CIMPOR ou os responsáveis por alguns contratos Swap ou pelos vistos Gold
e alguns ex-governantes? Há tanta gente que está acima da lei e do Estado! Assalta-se
banco, multibanco, bomba de combustível, comunica-se conteúdo de provas de
exame nacional, foge-se ao fisco e à segurança social, há corrupção e
branqueamento de capitais… E que acontece? E quando?
Quanto
à prisão perpétua, tenha lá paciência o jurista, mas discordo, porque significa
a morte pessoal e social. Porém, creio que a pena máxima deveria poder ser mais
dilatada no tempo. E, se o indivíduo não é imputável, mas é perigoso, a
custódia em estabelecimento de saúde deveria manter-se enquanto durasse a periculosidade
do indivíduo.
Estaremos
mesmo num Estado de Direito efetivo ou ainda andamos no reino da hipocrisia e do
“salve-se quem puder” ou do politicamente correto? Ora, na política não vale
tudo: ofender etnias e minorias ou privilegiá-las ou chamar os outros de
racistas e xenófobos. Atrair eleitores, sim, mas não a qualquer preço!
2017.07.20 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário