O já confirmado maior
assalto de sempre a instalações militares portuguesas “rendeu” material de
guerra (granadas,
lança-granadas, granadas-foguete anticarro, munições e até engenhos explosivos
“prontos a detonar”) que, segundo a investigação poderá
ir parar ao mercado negro internacional. Por outro lado, sabe-se que só foi reparada parte da
cerca em redor dos paióis e que a decisão da reparação da parte restante levou
três meses para ser aprovada pelo Ministro da Defesa Nacional, tendo já sido
lançado o respetivo concurso e inscrita a conveniente verba no orçamento.
Segundo
informação de fontes policiais, em Tancos, foram roubados 44 lança-granadas e 4
engenhos explosivos “prontos a detonar” e, ainda, foram roubadas 120 granadas
ofensivas, 1.500 munições de calibre 9 milímetros e 20 granadas de gás
lacrimogéneo.
Em
comunicado, na tarde do dia 30, o Exército confirmou o furto e enumerou uma
série de material de guerra em falta nos paióis, incluindo “granadas-foguete
anticarro” e “material diverso de sapadores como bobines de arame,
disparadores e iniciadores”.
O
comunicado ainda esclarece que “os trabalhos de contagem de materiais foram
elaborados pelo Exército na presença da Polícia Judiciária Militar, sendo,
portanto, do conhecimento das autoridades competentes e da tutela”. Contudo,
não serão divulgadas as quantidades exatas do material furtado “para não investigar
as investigações em curso”. O caso já está a ser investigado pela Polícia
Judiciária Militar.
***
No furto
de material de guerra guardado em Tancos, os assaltantes terão furado a rede
que cerca o terreno dos PNT (Paióis Nacionais de Tancos). A segurança faz-se apenas por rondas aleatórias com tropas
apeadas ou autotransportadas. No local, não há videovigilância e as torres de
vigia foram abandonadas, algo que o comunicado do Exército vem confirmar,
referindo:
“No
que respeita a medidas de segurança eletrónica, esclarece-se que o sistema de
vídeo vigilância, cuja cobertura é apenas parcial para uma área do PNT onde
estariam os materiais mais relevantes, encontra-se inoperacional”.
Além
disso, o comunicado adianta que a Lei de Programação Militar “previa a disponibilização
de verbas em 2018” para a “implementação de vigilância e controlo de acessos
eletrónico”.
Quanto
às redes que circundam Tancos, uma interior e outra exterior, “considerando as
necessidades de renovação causadas pelos anos da rede exterior, o Exército
tinha já iniciado os procedimentos legais para a adjudicação da obra, de forma
faseada e com verbas da Lei de Programação Militar”. Sucede que, até agora,
apenas uma parte da rede exterior, a oeste, tinha sido renovada. A reparação da
restante vedação esteve 3 meses a aguardar despacho do Ministro, como confirma
o Exército e se pode ler:
“A adjudicação do restante perímetro foi solicitada pelo Exército a
8 de março de 2017 e, tendo recebido aprovação de SExa o Ministro da Defesa Nacional
(por seu despacho de 5 de junho, publicado no DR de 30JUN), foi publicado em
Diário da República em 19 de junho de 2017 (DR 116)”.
***
O general Rovisco Duarte, chefe do Estado-Maior do
Exército (CEME),
reconheceu que quem furtou o material de guerra do quartel de Tancos
tinha “conhecimento do
conteúdo dos paióis” e admitiu a possibilidade de fuga
de informação. Por isso, além da investigação conduzida pela Polícia
Judiciária Militar e pela Polícia Judiciária, decorrerá um inquérito no
Exército para apuramento de eventuais responsabilidades. De facto, o furto
ocorreu na zona cuja vedação ainda não tinha sido reforçada com material mais
resistente, no âmbito das medidas de melhoria da segurança das instalações,
sendo visível um buraco de grandes dimensões.
Segundo o chefe do Estado-Maior do Exército, “estes roubos podem acontecer em qualquer
país e em qualquer Exército, desde que haja vontades e capacidades”.
Rovisco Duarte sublinhou que o material de guerra furtado foi selecionado por
quem tinha “conhecimento
do conteúdo dos paióis”.
O Exército revelou, no dia 30 de junho, que entre o
material de guerra roubado, no dia 27 de junho, dos Paióis Nacionais de Tancos
estão “granadas-foguete
anticarro”, granadas de gás lacrimogéneo e explosivos, mas não
divulgou quantidades.
Face ao incidente, a segurança foi reforçada nos
paióis com “o aumento de
efetivos” e com “patrulhas
mais robustas”, mas o General CEME ainda “não se permite ajuizar” sobre a falta de
funcionamento do sistema de videovigilância do quartel, parado há dois anos. No
entanto, frisou que os planos de segurança e vigilância foram cumpridos.
O Ministro da Defesa Nacional assumiu a “responsabilidade política” pelo
furto de Tancos, depois de os partidos terem criticado o sucedido, com o CDS-PP
a exigir a audição parlamentar de Azeredo Lopes e o PSD a pedir também a
audição de Rovisco Duarte.
Já antes o Ministro Azeredo Lopes reconhecera, no dia 29,
em Bruxelas, que o furto de granadas de mão ofensivas e munições das
instalações militares dos Paióis Nacionais de Tancos “é grave”, embora se
tenha recusado a aceitar que seja o maior furto de material de guerra de
sempre, e garantiu que não ficará “nada por levantar” nas averiguações. Disse o
Ministro:
“Evidentemente
é um facto grave, não vale a pena estar a desvalorizar esse facto. É sempre
grave quando instalações militares são objeto de ação criminosa tendente ao
furto justamente de material militar”, para mais quando “não foi roubada uma
pistola, não foram roubadas duas, foram roubadas granadas”.
O Ministro, que falava aos jornalistas à margem da
reunião ministerial da NATO, em Bruxelas, disse que, “evidentemente”, Portugal
vai informar os seus parceiros do ocorrido. E garantiu que, paralelamente às
investigações já em curso – “a questão ficou imediatamente sob alçada da
Polícia Judiciária militar e da Polícia Judiciária e, a partir de agora, das
diferentes instâncias de investigação criminal” –, a questão da segurança do
material militar será assunto de debate com as chefias militares. E, a este respeito,
especificou:
“Vamos evidentemente informar através da
Intel os nossos congéneres, porque estamos a falar de um espaço sem fronteiras
e, por isso, é nossa obrigação dar conta do desaparecimento desse tipo de material
(…); e, do ponto de vista da Defesa nacional, tenho a intenção de solicitar às
chefias militares que falemos sobre o assunto, que possamos desenhar um plano
para verificar quais são e se existem plenamente as boas práticas quanto a este
assunto do material militar e eventualmente até envolver, se for esse o caso, a
Inspeção-Geral de Defesa Nacional”.
Azeredo Lopes admitiu não ter, ao tempo, “uma noção
exata do material que realmente foi furtado”, sendo já “certo que foram
furtadas granadas e algumas munições”, mas acrescentou que não pode “dizer em
boa verdade se há mais que tenha sido furtado”. Apontando que, neste furto, se
tratou, “pelos vistos”, de algo “bastante profissional”, admitiu preocupação
com a finalidade do mesmo, ainda por apurar, pois “quando se furtam granadas
não pode por definição ser para boa coisa, e isso evidentemente justifica
preocupação, mas não justifica receio”.
O importante agora, realçou, é “procurar estancar o
mais depressa possível as consequências” do furto do material militar, na
certeza de que “o Exército vai desencadear medidas de investigação necessárias”,
de natureza diversa das que já estão a cabo da Polícia Judiciária.
***
Em consequência do furto de Tancos, o CEME anunciou
ontem, dia 1 de julho, que demitiu cinco comandantes de unidades do ramo para
não interferirem com os processos de averiguações. A este propósito, disse à
RTP:
“Não quero que haja entraves às averiguações e decidi
exonerar os cinco comandantes das unidades que de alguma forma estão relacionadas
com estes processos”.
Os militares exonerados são o comandante
da Unidade de Apoio da Brigada de Reação Rápida, o comandante do Regimento de
Infantaria 15, o comandante do Regimento de Paraquedistas, o comandante do
Regimento de Engenharia 1 e o comandante da Unidade de Apoio de Material do
Exército.
Rovisco Duarte disse que decidiu
exonerar estes comandantes “por uma questão de clareza e para não interferirem
com o processo de averiguações até se esclarecer”.
***
Face a tudo isto, apraz-me tecer as seguintes
considerações:
Obviamente que não interessa discutir se este foi ou
não o maior furto de material militar de sempre. Importa é saber que se trata de
material de guerra (diversificado e em grande quantidade) que não se sabe em que mãos se encontra e num
contexto de ameaça generalizada de terrorismo e crime organizado.
É claro que o Ministro tem responsabilidades
políticas, mas não concordo que a leitura das consequências das mesmas tenha de
passar pela demissão do Ministro. Demitido, responde sobre o quê e perante
quem? E pode fazer o quê? Vai para a cadeia, se não cometeu crime? Paga, se não
tem dinheiro? É, antes, bom que se explique, corrija as falhas de pessoal, de material
e de logística, promovendo a agilização de procedimentos. Acabe-se com a
entrega da segurança ao acaso, a privados ou exclusivamente a meios
eletrónicos. Depósitos de material de guerra devem ser guardados predominantemente
por militares em presença e militares em ronda aleatória para verificar as
condições de guarda. As câmaras de vigilância podem ser um instrumento auxiliar
para verificação da identidade de autores de tentativas de assalto. Mas as
câmaras até foram desligadas por falta de dinheiro para sua manutenção. Ademais,
elas só retêm imagens de quem assalta, não detêm os assaltantes; e estes podem desativá-las
previamente.
Quanto aos militares, o CEME foi infeliz ao dizer publicamente
que houve fuga de informação. Se o disse, tinha de demonstrar e ter encontrado
os responsáveis. Poderia e até deveria admitir essa possibilidade e prometer a
competente investigação dos factos e apuramento de responsabilidades. Demitir os
cinco comandantes só para não perturbarem a investigação é excessivo; bastava a
suspensão preventiva e nomeação de comandantes interinos. Ou o CEME já sabe o
que se passa e não o quer dizer? Por outro lado, um conjunto de paióis ser
defendido por rede de arame é comparável à casa forte dum estabelecimento que
eu conheci. As suas paredes eram de madeira e a porta é que era blindada – antifogo
e antirroubo!
As responsabilidades políticas e logísticas pelas
instalações militares repartem-se por vários governos e várias chefias
militares: desde a abolição do serviço militar obrigatório (e não recrutamento
suficiente de voluntários) até
ao ataque descarado ou obnubilado às Forças Armadas atribuindo-lhes, a par de
funções externas, funções internas residuais, passando pela diminuição dos orçamentos,
pela entrega da segurança de aquartelamentos e postos-chave do país a empresas,
nalguns casos, e a separação quase absoluta entre defesa e segurança – muito haveria
a dizer! Por exemplo: Quem acabou com os
postos fixos de sentinela e rondas de verificação, há 15 anos?
2017.07.02 – Louro de Carvalho
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