Segundo
o educare.pt, a diretora
de um dos centros de investigação do Instituto Politécnico do Porto, disse à Lusa, a 19 de julho, que o desafio
da escola pública “é continuar a elevar a qualidade da educação”, tornando-se
cada vez mais eficiente e inclusiva.
A professora Manuela Sanches-Ferreira falava à Lusa a propósito da 1.ª edição da “Porto International Conference on Research in Education” (Porto
ICRE'17), evento organizado pelo inED, que
decorreu entre os dias 19 e 21, reunindo especialistas, agentes educativos e
investigadores de 28 países.
Aquela investigadora e diretora do Centro de Investigação e Inovação em
Educação (inED), da ESE (Escola
Superior de Educação) do
Instituto Politécnico do Porto insiste em que a escola pública seja
reconhecida pela boa educação que proporciona, de forma que não sejam criados “sistemas
paralelos” em que “as pessoas mais esclarecidas inscrevem os filhos”, por não
acreditarem naquela instituição. E a especialista, para quem o “conhecimento é
poder”, sustenta que a educação é cada vez mais um assunto que faz a diferença
e que a discriminação social passa mais pelo nível de educação do indivíduo do
que pelas questões económicas.
Verificando que, nas últimas duas décadas, tem aumentado a preocupação com
a educação, Sanches-Ferreira considera que existe, hoje em dia, uma consciência
clara da importância que esta tem na mobilidade social, na qualidade de vida e
na cidadania. E, questionada sobre os atuais desafios que se colocam aos
docentes, afirmou que estes devem perceber quais são as suas funções
primordiais e os conhecimentos essenciais das áreas científicas que vão
lecionar.
Aqui, tenho de recordar algo que recentemente li no facebook dum amigo:
“Se um dia, por obra dum cataclismo qualquer,
toda, mas mesmo toda a papelada da escola pegasse fogo, … e, no final, apenas
sobrassem alunos, professores e coisas para aprender, … afinal, não se tinha
perdido nada!”.
Com efeito, a escola está tão enroscada em grelhas, planos, projetos,
relatórios, fichas, tabelas, folhas Excel, atas de dezenas de páginas,
papeletas de justificações de classificações negativas, plataformas, que o
essencial fica obnubilado. Definem-se perfis de aluno e competências-chave, mas
esbarra-se de frente nos contornos da flexibilização curricular e funcional,
continuando a afunilar na preparação para exames finais nacionais de figurino
único!
Em vez da respiração da escola e da sua população discente docente,
sobrecarrega-se com instrumentos de controlo, monitorização e avaliação do
pretenso impacto no sucesso escolar como se este fosse suficiente se reduzido a
resultados obtidos à pressão (a ponto de Ronaldo ser aproveitável como personalidade
feminina de destaque nacional ou internacional ou a fatorização se poder
exprimir em “X - 2 x X + 2) e sem se
criar o horizonte da necessidade da educação ao longo da vida.
A mencionada eminente especialista em educação especial e inclusão referiu
terem sido feitos esforços consistentes para melhorar a situação de pessoas com
incapacidade ou que estejam em situação de exclusão, por motivos sociais ou
culturais. Porém, defende que “falta uma avaliação clara das boas práticas”
para que possam ser ensinadas às escolas que ainda “não estão tão capazes de as
promover”. E, embora saiba que a evolução é necessária, afirmou que
existem rotinas que as escolas precisam de manter, tornando assim as boas
práticas sistemáticas.
Durante a predita conferência, foram abordados os desafios da sociedade e
educação social, a investigação sobre contextos e processos educativos, a
aprendizagem ao longo da vida, a formação de professores e educadores, o
desenvolvimento profissional e a cultura, o património e a educação. E, com
este evento, pretendeu-se dar a conhecer a investigação que se faz na ESE, de
forma a devolver à comunidade local e nacional o que de melhor se vai produzindo
em Portugal e noutros países.
***
Por outro lado,
os dados recentes sobre sucesso escolar parecem querer subvalorizar as
preocupações que a especialista diz terem sido vincadas nas duas últimas
décadas. Se é certo que as retenções e desistências vêm
diminuindo em todos os níveis de ensino, o ensino secundário lidera a taxa de
insucesso, seguindo-se-lhe o 3.º ciclo e o 2.º e vindo por último o 1.º ciclo.
E, em 2015/2016, 28,2% dos alunos do 12.º ano (quase um
terço) não o concluíram.
Segundo
relatório da DGEEC (Direção-Geral de Estatísticas da
Educação e Ciência), divulgado no início de julho, as
retenções /não aprovações e desistências das escolas públicas e privadas são
mais baixos no 1.º ciclo e mais elevados no ensino secundário, sobretudo no
12.º ano. Há mais retenções à medida que os alunos sobem de ano, embora a
taxa de retenção e desistência dos alunos tenha vindo a baixar ao longo dos
anos letivos e em todos os níveis de ensino.
O ensino secundário regista a
mais elevada taxa de retenções e desistências do sistema público e privado:
15,7% em 2015/2016 (menos que os 16,6% de 2014/2015, que os
18,5% de 2013/2014 e bastante menos que os 39,4% registados em 2000/2001). E a taxa é de 18% nos cursos científico-humanísticos,
maior que nos profissionais e artísticos, que é de 11,6%. Mas nem sempre assim foi.
Em 2000/2001, os alunos dos cursos científico-humanísticos tinham menor taxa de
insucesso do que os dos tecnológicos, profissionais e artísticos, 37,4% e
46,7%, respetivamente – o que se manteve até ao ano letivo de 2007/2008.
Ora, 2007/2008 foi o ano letivo
em que o ensino profissional entrou generalizadamente nas escolas secundárias
públicas, que viram nesta modalidade uma forma mais óbvia de financiamento das
respetivas escolas, mas que, em contrapartida, se viram na obrigação de
apresentar sucesso. E não se pode esquecer o facto de estes alunos não se
sujeitarem a exame nacional para concussão do ensino secundário. E o que
gostava de saber era a percentagem dos alunos do ensino profissional que têm
sucesso nos módulos todos ao cabo dos três anos de financiamento do respetivo
curso. Quantos não ficam pendurados por uma caterva de módulos!
No ensino secundário, são os alunos
do 12.º ano que registam maior insucesso e desistência com uma taxa de 28,2%,
seguindo-se os estudantes do 10.º, ano com 12,5%, e os do 11.º ano, com 7,1%.
Em todos estes anos, a taxa vem diminuindo ao longo dos anos letivos e em
proporções significativas. Assim, em 2000/2001, mais de metade dos alunos do
12.º ano (mais concretamente 52,5%) não concluíram, baixando para
os 48,8%, no ano letivo seguinte, para os 45,3%, a seguir, e subindo para os
48,7%, em 2003/2004. A partir de 2007, andou na casa dos 30%, descendo para os
29,9%, em 2014/2015. A descida foi significativa também no 10.º ano, com
retenções de 39,4% no início do século, atingindo os 20,3%, em 2006/2007, e os
13%, em 2013/2014. No 11.º ano, a diminuição é algo significativa de 24,4%, em
2000/2001, para 16%, em 2006/2007, para os 9,9%, em 2013/2014, e 8,6% no ano
letivo seguinte. Do 10.º ano ao 12.º, há mais retenções nos cursos
científico-humanísticos do que nos profissionais e artísticos. No ano de 2015/2016,
essa taxa é de 29,9%, no 12.º ano, de 16,5%, no 10.º ano, e de 8,4%, no 11.º.
Estes valores percentuais descem
para os 25,1% nos cursos profissionais e artísticos, no 12.º ano, para os 6,9%,
no 10.º ano, e para os 4,5%, no 11.º ano.
É de recordar que os alunos não
terminam o ensino secundário enquanto não concluírem com êxito todas as
disciplinas do seu plano de estudos.
No ensino básico, a taxa de 12,7%
de retenções e desistências, em 2000/2001, do 1.º ao 3.º ciclo, passou para
6,6% em 2015/2016. De 2001 a 2007, a taxa andou entre 13,6% e 10,1%. Depois,
desceu para a casa dos 7%, voltando a subir para os 10,4%, em 2012/2013, e para
os 10%, em 2013/2014, baixando para os 7,9% no ano letivo seguinte. No ensino
básico, é o 3.º ciclo que tem a maior taxa de retenções / não aprovações, 10%
em 2015/2016, enquanto o 2.º ciclo, no mesmo ano, está nos 6,7% e o 1.º ciclo
nos 3,7%. Mesmo assim, no 3.º ciclo, a taxa diminuiu de 18,2%, em 2000/2001,
para 12,3%, em 2014/2015, fechando o ano letivo passado com 10%. E continua a
ser o 7.º ano de escolaridade que regista mais retenções com 12,6%, seguindo-se
o 9.º ano com 9% e o 8.º ano com 8%.
O 3.º ciclo é aquele em que o
número de disciplinas é maior e a carga horária semanal mais diminuta, sem que
os programas fossem diminuídos significativamente.
No 2.º ciclo, entre o início do
século e o ano letivo 2015/2016, a taxa diminuiu sensivelmente para metade, de
12,7% para 6,7%. Não há muitas diferenças entre o 5.º e o 6.º anos: o 5.º tem
uma taxa de retenção e desistência de 6,8% e o segundo, de 6,7%, representando
as menores percentagens desde 2000. No 1.º ciclo, as percentagens são mais
baixas. Neste nível de ensino, a percentagem desceu de 8,8%, em 2000/2001, para
5%, em 2013/2014, para 4,1%, em 2014/2015, e para 3,7%, em 2015/2016. No 1.º
ano, não tem havido retenções (A LBSE não o permite) ou desistência, à exceção de
2013/2014 com uma taxa de 0,4%. É no 2.º ano que há mais retenções, com 8,9%,
seguindo-se o 3.º ano, com 3%, e o 4.º ano, com 2,5%. É uma tendência que se
tem mantido nos últimos anos, mas é de recordar que, em 2000/2001, o 2.º ano
tinha uma taxa de 14,8%, o 4.º ano de 10,2% e o 3.º ano de 8,7%. (cf
educare.pt, 13 de julho).
***
Os resquícios da
propalada política da escolha de escola não ficam eclipsados pelas mudanças
legislativas. E os encarregados de educação contornam a dificuldade pelo
processo não inédito da mascaração da morada. Por via de reclamações de
encarregados de educação que viram preteridas as pretensões para os filhos por
inscrição e aceitação de alunos que, à face da legislação em vigor, não podiam
ser inscritos em determinados estabelecimentos de ensino, bem conhecidos, a
IGEC (Inspeção-Geral da Educação e Ciência) abriu um inquérito para apuramento das eventuais irregularidades nas moradas que os pais indicam para matricular os
filhos nas escolas da sua preferência. E o CDS-PP (um dos paladinos da escolha de escola que o estado deve pagar) quer saber se a tutela publicou mapas que definem as áreas de influência
e que orientação deu para a morada não ser utilizada de modo abusivo. De facto, a residência dos pais/encarregados de educação é o 5.º
critério da lista de prioridades no momento das matrículas e o que está a
provocar mais contestação. Há pais que não conseguem matricular os filhos em
escola da sua área de residência e apontam o dedo a estratégias não
recomendáveis que recorrem a moradas doutras pessoas (pais, familiares, amigos), para ficarem no
estabelecimento de ensino pretendido.
A revolta vem espelhada em duas
petições públicas que pedem o fim de moradas falsas e propõem alterações nos
critérios de prioridades nas matrículas. Dar prioridade à confirmação da morada
fiscal do aluno e só depois à morada de residência do encarregado de educação é
uma das mudanças que os signatários reclamam.
O critério de residência atinge o
aluno cujo encarregado de educação resida “comprovadamente, na área de
influência do estabelecimento de ensino” que assim tem prioridade sobre outro
que não resida nessa zona de influência. A escola pede comprovativo de morada (que
pode ser recibo de água, luz ou gás).
Se o comprovativo confere com o nome do encarregado de educação, não é difícil
detetar casos fraudulentos. O critério do local de trabalho de o encarregado
de educação estar na área de influência da escola surge como o 7.º em 8
critérios. De acordo com o despacho normativo das matrículas em vigor (despacho
normativo n.º 7-B/2015, de 7 de maio, com a redação que lhe foi dada pelo
despacho normativo n.º 1-B/2017, de 17 de abril – artigos 10.º e 11.º), quando não há vagas em nenhuma
das 5 escolas indicadas nas preferências, a matrícula ou sua renovação
“Fica a aguardar
decisão no estabelecimento de educação e de ensino indicado como última
escolha, remetendo este o referido pedido aos serviços competentes do
Ministério da Educação, para se encontrar a solução mais adequada”.
***
O exposto induz várias questões. Desde logo, como é que se entende que uma
escolaridade obrigatória (do 1.º ao 12.º ano) não tenha de ser oferecida a todos os alunos na sua área de residência,
devendo caber aos conselhos municipais de educação (e não ao ME
a autorizar turmas em cada escola) organizar
a distribuição da população escolar e, em caso, de insuficiência de meios,
colmatá-la e arranjar solução para os residentes? Ser obrigado à escolaridade e
não ter escola é absurdo. Mude-se a lei, reveja-se a rede escolar, morigerem-se
os comportamentos.
Por outro lado, a escola pública não pode andar a reboque da escola
privada, que trabalhe para testes e exames com a mira dos bons lugares nos
rankings, privilegiando o conhecimento académico, excluindo os indisciplinados,
pobres e portadores de necessidades educativas especiais e quiçá socorrendo-se
de esquemas para inflacionar notas. É concorrência desleal com a escola
pública! E esta não pode descer os seus níveis de exigência ou tornar-se
parecida com a escola privada. Aliás, porque não experimenta o Governo obrigar
todos os alunos (do público e do privado) à prestação de provas nacionais em estabelecimentos de ensino públicos?
Experimente-se a ver se os privados ficam no topo dos rankings! Mais: valide-se
apenas a escola privada que inclua indisciplinados, pobres e necessidades
educativas especiais. E diminuirão as bazófias!
E a escola pública – bem como as privadas que estejam dispostas à prestação
do serviço de educação – tem de fazer a quadratura do círculo: receber,
acolher, integrar e incluir todos os alunos residentes na sua zona de
influência; prestar a todos a educação e o ensino de qualidade em termos do
conhecimento académico, do desenvolvimento das capacidades e da educação para a
cidadania e para a política; e preparar os alunos para o acesso ao ensino
superior e/ou para o mundo do trabalho. A todos um mínimo razoável e estímulo a
quem deseje mais.
Se nem toda a educação formal e ensino cabem ao Estado, a este compete
definir orientações (embora não pautadas por critérios ideológicos,
filosóficos, estéticos e religiosos), exercer o
papel regulador e promover a fiscalização assídua do cumprimento das
diretrizes, deixando às escolas toda a margem de autonomia científica,
pedagógica, organizativa, administrativa, cultural e uma certa autonomia
financeira – segundo os critérios e parâmetros do rigor, exigência,
responsabilidade e razoabilidade.
Para tanto, há que investir em educação: alunos acolhidos, professores
motivados, escolas apetecíveis, pais mais cooperantes que hipercríticos,
pessoal não docente bem capacitado, disponibilidade de recursos curriculares e
de apoio. Enfim, quer-se escola que ensine a aprender.
2017.07.28 –
Louro de Carvalho
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