quarta-feira, 5 de julho de 2017

O geomorfismo inspirou-se nos sete astros errantes para criar a semana

Diz-se comummente, e a própria wikipédia o refere, que a origem do período de 7 dias para constituição da semana está intimamente conexa com a sua proximidade em duração com as fases da Lua, que acabaram por gerar os primeiros calendários anuais, hoje conhecidos como calendários lunares, e que, a nível global, também deram origem aos calendários semanais. Ou seja, cada uma das 4 fases da lua fica praticamente circunscrita a essa fase de cerca de 7 dias. Ora, 29 : 4 = mais ou menos 7. Daí os 7 dias da semana.
Porém, o conceito de divisão não era conhecido dos povos mais antigos. Contar, somar e subtrair eram operações aritméticas recorrentes; ao invés, dividir não era algo que as primeiras civilizações fizessem.
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Sendo assim, a razão tem de ser outra. E, como explica Neil de Grasse Tyson no seu livro “Just Visiting This Planet”, a semana (de 7 dias) deve-se ao facto de os antigos saberem da existência de 7 astros errantes (ou volantes) no céu. Com efeito, à vista desarmada, podem-se ver muitos astros no céu, mas 7 deles movem-se pelo firmamento: Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus e Saturno. Os próprios Sumérios em 3000 a.C. já registavam e estudavam estes astros. E, durante 4700 anos, mais nenhum astro errante foi descoberto. Só em 1781 foi descoberto Úrano. E, em 1930, Clyde Tombaugh descobriu Plutão, que até 2006 foi considerado o 9.º planeta do Sistema Solar.
Com efeito, a partir de 1992, com a descoberta de vários outros objetos similares a ele no Sistema Solar externo, começou a questionar-se a sua classificação como planeta, sobretudo após a descoberta, em 2005, de Éris, 27% mais massivo que Plutão, Em 2006, a UAI (União Astronómica Internacional) criou a definição formal do termo “planeta”, que fez Plutão deixar de ser planeta e ganhar a classificação de “planeta anão”, com Éris e Ceres. Há cientistas que sustentam que Plutão, como outros planetas anões e candidatos, deveriam ser classificados como planetas.  
Anos após a deliberação, a AIU reclassificou o mundo gelado e restabeleceu Plutão de volta à sua posição como planeta. Disse o Dr. Amy Joggy, professor do Instituto de Estudos Planetários e chefe da Força Tarefa de Nomenclatura e Classificação Planetária da IAU:
“Simplesmente subestimamos o apego do público a Plutão. Percebemos o nosso erro logo após a decisão de o rebaixar. Nós não achamos que alguém realmente se importaria se um pequeno grupo de gelo e rocha nos arredores do sistema solar fosse reclassificado. Claramente, nós erramos, o que me deixa triste. Hoje, tomamos medidas para corrigir esses erros graves”.
Além da reclassificação de Plutão, o Dr. Joggy propôs que a UAI crie uma nova categoria de planeta chamada “hiperplaneta”. Estes hiperplanetas são como planetas regulares, mas pelo menos duas vezes mais Impressionantes. Também foi proposto que Plutão fosse membro honorário desta nova classe planetária. “Com toda a honestidade, declarou, sentimo-nos mal pela maneira como nós tratamos Plutão e, mais importante do que isto, todos aqueles que se importaram tanto – o público – mostraram o erro. Esperançosamente, a nova classe de planeta será criada; e Plutão será adicionado como o seu primeiro membro.
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Os Antigos pensavam que os preditos astros errantes eram deuses a voar pelos céus. Por isso, cada um desses astros está associado a um deus. E a forma de eles “voarem” continha mensagens divinas para os terrestres (um dado da geocentralidade) – falsidade que foi aproveitada por alguns para vigarização das pessoas. E esta vigarice subsiste na forma da pseudociência da astrologia, como diz Isaac Asimov no seu livro “Guia da Terra e do Espaço”.
E o costume de atribuir nomes de deuses a estes astros terá começado com os Sumérios, sendo perpetuado por Babilónios, Egípcios, Gregos, Romanos, Incas, Maias, etc.
Os Babilónios, aproveitando este conhecimento dos 7 astros errantes, criaram a semana dos 7 dias de modo a homenagear cada um dos 7 deuses, homónimos dos 7 astros. Os Hebreus, muito mais tarde, importaram esse conhecimento dos Babilónios, adotaram a sua semana, mas deram-lhe um cunho religioso dentro do itinerário que os conduziu ao monoteísmo.
Já os Gregos, de forma mais científica, tentaram detetar e perceber padrões naturais de comportamento nesses astros. E inventaram esferas cristalinas, transparentes, onde esses astros se moviam cada um no seu céu (eram 7 os céus circunscritos sucessivamente no firmamento, no cristalino, no 1.º móbil e no empíreo – máquina do mundo de Ptolomeu). Assim, apesar de haver culturas antigas com semanas de 5, 6 ou 11 dias, a mais normal era a de 7 dias, em que a cada astro móvel vinha associado um dia. Ainda hoje, em várias línguas, se vê esta ligação entre os astros e os dias da semana, como se verá a seguir:
Domingo (Dia do Senhor no cristianismo) era para os romanos dies Solis (dia do Sol). Sunday é o dia do Sol, em inglês, que, em alemão, se diz Sonntag, em francês Dimanche, em espanhol Domingo e em italiano, Domenica; segunda-feira, dies Lunae (para os romanos), dia da Lua, é para os ingleses Monday, Montag em alemão, Lundi em francês, Lunes em espanhol e Lunedi em italiano; terça-feira, dies Martis (para os romanos), dia de Marte, é para os ingleses Tuesday (era Teutons Tiu: deus da guerra), em alemão, Dienstag, Mardi em francês, Martes em espanhol e Martedi em italiano; quarta-feira, dies Mercurii (para os romanos), dia de Mercúrio, é para os ingleses Wednesday, para os alemães Mittwoch e para os franceses Mercredi, Miércoles em espanhol e Mercoledi em italiano; quinta-feira, dies Iovis (para os romanos), dia de Júpiter, é para os ingleses Thursday, para os alemães Donerstag, para os franceses Jeudi, Jueves em espanhol e Giovedi em italiano; sexta-feira, dies Veneris (para os romanos), dia de Vénus, é Friday em inglês, Freitag em alemão, Vendredi em francês, Viernes em espanhol e Venerdi em italiano; e sábado, dies Saturni (para os romanos), dia de Saturno, é Saturday em inglês, Samstag em alemão, Samedi em francês, Sábado em espanhol e Sabato em italiano.
Segue o quadro com os nomes dos planetas (no sentido de astros errantes) e os dias da semana:

Língua
Planetas ou astros errantes
Sumério
Nanna
Enki
Innana
Utu
Gugalanna
Enlil
Ninurta
Babilónio
Sin
Nabû
Ishtar
Shamash
Nargal
Marduk
Ninurta
Grego
selénê
Hermes
Aphodítê
Hélios
Ares
Zeus
Krónos
Latim
Luna
Mercurius
Venus
Sol
Mars
Iuppiter
Saturnus
Inglês
Moon
Mercury
Veneus
Sun
Mars
Jupiter
Saturn
Língua
Dias da semana
Latim
Lunae
Mercurii
Veneris
Solis
Martis
Iovis
Saturni
Inglês
Monday
Wednesday
Friday
Sunday
Tuesday 1
Thursday 1
Saturday
Alemão
Montag
Mittwoch 2
Freitag
Sonntag
Dienstag
Donnerstag
Samstag
Francês
Lundi
Mercredi
Vendredi
Dimanche +
Mardi
Jeudi
Samedi
Espanhol
Lunes
Miércoles
Viernes
Domingo +
Martes
Jueves
Sábado *
Italiano
Lunedi
Mercoledi
Venerdi
Domenica +
Martedi
Giovedi
Sabato *

1 O equivalente na mitologia nórdica a Marte é o deus Týr, de onde derivaram as palavras equivalentes à terça-feira em inglês e alemão. 2 Palavra alemã que significa “meio da semana”. + Denominação de origem cristã – (dies) Dominicus ou dominica (dies no singular era masculino ou feminino). * Denominação de origem judaica: sétimo dia, dia do repouso.

Carlos F. Oliveira, astrónomo e educador científico, concluiu a licenciatura em Gestão de Empresas e a licenciatura em Astronomia, Ficção Científica e Comunicação Científica. Fez o doutoramento em Educação Científica com especialização em Astrobiologia, na Universidade do Texas em Austin, EUA, onde criou e lecionou durante vários anos um inovador curso de Astrobiologia. Foi Research Affiliate-Fellow em Astrobiology Education na dita Universidade do Texas. Trabalhou no Maryland Science Center, EUA, e no Astronomy Outreach Project, UK; recebeu dois prémios da ESA e realizou várias palestras e entrevistas nos media.
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O grego moderno e o português têm cristãmente o 1.º dia, como o dia do Senhor, domingo (adjetivo, que em grego se diz Kyriakê, subentendendo-se êméra – dia do Senhor); e o 7.º dia como sábado e sábbato, respetivamente, à maneira hebraica. Os dias são denominados pelo numeral ordinal (hoje, adjetivo numeral), acrescentando-se, em português, o nome feira (do latim: feria) – eram dias comuns, não de festa – e subentendendo-se, em grego, o nome êméra. Assim, em português, é segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira; e, em grego, é deutéra, tríti (ou trítê), terátê, pémptê e paraskevê (preparação) – sendo que este também é de origem hebraica.
Ora, se víssemos no céu apenas dois planetas, ou víssemos 20 planetas ou apenas dois sóis (como têm grande parte dos planetas), ou 5 luas, ou… etc…, ou se não fosse a influência religiosa, então o nosso calendário seria bem diferente.  
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Os dias já são contados há muito tempo. O nascer e o pôr do sol são eventos muito imponentes para que passassem batidos, sobretudo quando não se sabia iluminar a noite. A natureza separava-os e os humanos marcavam-nos num tronco, o precursor rudimentar do relógio.
Os primeiros calendários estavam vinculados aos fenómenos astronómicos, como a Lua Nova, de forma que o número de dias em cada calendário variava. Se se regiam pela Lua, por exemplo, os ciclos duravam entre 29 e 30 dias. No primeiro milénio a.C. os judeus introduziram o novo sistema: o Sabbat seria cada 7.º dia ad infinitum, independentemente da posição dos planetas. Ao contrário de outras culturas, em hebraico os dias da semana não têm nomes de deuses, de festas, de elementos ou de planetas, mas de números (representáveis por letras), com exceção de sábado, Yom Shabbat (ou dia Sabbat). Assim, emanciparam-se das leis da natureza, colocando a regularidade numérica no centro da prática religiosa e da organização social e política. E a semana de 7 dias tornou-se a tradição de calendário ininterrupta mais antiga da história.
O 7 já era um número místico quando os judeus declararam que Deus levou seis dias para fazer o mundo e que ao sétimo dia descansou da sua obra que “julgou muito boa” (cf Gn 1,31; 2,1-4).
Outros povos mais antigos também haviam organizado os calendários em períodos de 7 dias, mas nunca in perpetuum. A explicação comummente aceite para o predomínio do 7 no contexto religioso é que os antigos viam 7 ‘planetas’ ou astros voadores no céu (Sol, Lua, Vénus, Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno). Os babilónios foram um dos povos que associaram o número 7 aos corpos celestes. E o 7.º dia passou a ser marcado com rituais. E o número influenciou os agrupamentos de anos. Assim, de 7 em 7 heptanas (conjuntos de 7 anos), celebrava-se entre os judeus o jubileu.
A semana de 7 dias ligada aos astros foi adotada até no Extremo Oriente. Mas pode haver outras explicações para sua importância simbólica. Uma das explicações é que os egípcios usavam a cabeça humana para representar o 7, porque há nela 7 orifícios: olhos, ouvidos, nariz e boca.
Psicologicamente há outra explicação: 6 dias seria o período ótimo de tempo que a pessoa pode trabalhar sem descansar. Por outro lado, 7 pode ser o número mais apropriado da nossa memória, o número de coisas que a pessoa média pode manter em mente é 7, mais ou menos 2.
Depois, o 7 entrou no imaginário popular, na ciência e artes, na doutrina cristã e na simbólica.
Por exemplo, são 7 os anões da Branca de Neve. Porque não 6? Seriam suficientes, mas poderiam separar-se em 3 + 3 e em 3 x 3, dividir-se em grupos de dois. Se são 7, têm de ser vistos como um grupo. Assim, o 7 é poderoso: faz com que todos sejam iguais.
Também as notas musicais são 7: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si. As cores do arco-íris são 7. E são 7 as chacras ou xacras (centros energéticos) no corpo humano.
São 7 os sacramentos e 7 os dons do Espírito Santo; 7 são as obras de misericórdia corporais e 7 as obras de misericórdia espirituais; são 7 os pecados capitais e 7 as virtudes que se lhes opõem; 7 são os pecados contra o Espírito Santo e 7 os Espíritos que estão diante de Deus; 7 são as Igrejas a que se dirige o Anjo do Apocalipse, como 7 são as suas trombetas, os selos e os livros (do Juízo Final).
Apesar de os números existirem desde sempre por razões práticas, eles também revelam padrões abstratos, o que fez com que passassem a objeto de estudo (numerologia).
Cada número tem um significado em si: o 1, por exemplo, é o mais popular de todos como 1.º dígito (num conjunto de dados, cerca de 30% dos números começam com 1) e o 5, no Oriente Médio, repele o mal. Mas o 7 ocupa um lugar privilegiado.
Quando se escolhe um número favorito, é provável que se escolha um número ímpar, porque parecerá mais interessante – dizem alguns. Com efeito, “os pares parecem mais cómodos – 2, 4, 6, 8 –, enquanto o 3, 7, 9 fazem pensar um pouco mais. E o 7 é o mais perigoso, porque mais difícil. Dizem que um dos testes de demência ou para pessoas que saíram de um coma que se faz é pedir que, partindo do 100, subtraíam de 7 em 7 até ao 0. Fazem-no porque é muito mais difícil. O 5 seria bastante mais fácil. E, se fosse 6 ou 8, como os números se repetem bastante mais ou bastante menos do que com 7, então não seria tão complicado.
Há quem refira que mesmo pessoas avessas à matemática ou que acham impossível a tabuada de 7 o elegem como preferido. Mas não é só um número de que as pessoas gostam: também tem história. Ao longo da história, de todos os números, o 7 é o que tem mais simbolismo cultural, místico e religioso, aliás como se entreviu em cima. Os 7 mares (que foram de reais a imaginados ao longo dos séculos e através das culturas), as 7 idades do homem de Shakespeare, os 7 metais da Alquimia, as 7 maravilhas do mundo ou as 7 partidas que os portugueses calcorrearam.
A razão por que se conferem tantas qualidades ao 7 tem a ver com a sua unicidade numérica. O 7 é o único dos primeiros 10 números que não é multiplicável ou divisível dentro do grupo. Se se multiplica por 2 algum dos números 1, 2, 3, 4 ou 5, o resultado é menor que 10 ou igual, ou seja, multiplicados por um do grupo, não saem dele. Os números 6, 8 e 10 podem dividir-se por 2 e 9, por 3, e seguem dentro do grupo. É 7 o único que não produz nem é produzido.
Grande Sete!

2017.07.05 – Louro de Carvalho

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