segunda-feira, 10 de julho de 2017

Para ter floresta é necessário gerir a vegetação

Sim, não podemos estar à espera da polícia, porque, tal como refere Maria José Morgado no Expresso do dia 8, “a polícia não prende o fogo”. Por outro lado, há duas coisas que ficam a beliscar a memória dos portugueses. E a célebre magistrada do Ministério Público aponta a ajuda que “o carreirismo e a incompetência” emprestam à “massa combustível” – que se tornou incontrolável mercê do não investimento na prevenção e da ausência de “programas de prevenção com brigadas especializadas de intervenção rápida”, da não existência dum eficaz “sistema de comunicações de emergência”, da não profissionalização suficiente de bombeiros e da negociação obscena de Estado e empresas – e põe ao acento no “eco do sino da aldeia de Pedrógão” a “perseguir-nos durante muito tempo”.
Como todos querem e parecem exigir, havia que já se ter concluído sobre o défice de segurança a que o território e as populações têm direito. E os raios, os incendiários, os arcos voltaicos, a convecção ambiental adormecem as consciências dos verdadeiros responsáveis pelos estragos. Como assinala Morgado, atrás da “tese hipnótica dos incendiários” vem “a desresponsabilização do Estado pela prevenção, a estupidificação da população, o laxismo, a negligência crónica”.
E diz a douta magistrada que a resolução do assunto não é para a polícia e para os tribunais, “que reprimem crimes, mas não protegem a floresta”. Ademais, quaisquer que tenham sido as origens do fogo, todos os especialistas na área florestal concluem pelo “falhanço institucional inadmissível na segurança das pessoas e bens”, ao mesmo tempo que vem que se deixa crescer o mato anarquicamente e campear o próspero negócio obsceno e descabelar a corrupção.
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É num contexto destes que vem a propósito a reflexão do engenheiro florestal Tiago Oliveira, vertida para o Expresso do dia 8 no formato de entrevista concedida a Carla Tomás, em que fica sublinhada a necessidade de “gerir a vegetação”, vindo o entrevistado a associar a perda da área arborizada aos incêndios, “que se devem a não reconhecermos que para ter floresta é necessário gerir a vegetação”. Com efeito, em consonância com a asserção jornalística de que “desde os anos 70, metade do país ardeu e foi perdida superfície florestal”, o reputado técnico sustenta:
“No sul, onde há mais dias prováveis para haver incêndios, arde menos, porque se gere a vegetação e se evita o fogo. Não ficam à espera do sistema, que está cativo na lógica de proteção civil. A norte, esse aprisionamento perdura, a par com o colapso agrícola.”.
E, das duas uma: ou reconhecemos que estamos “presos na armadilha do combate e que a prevenção é o melhor caminho” ou, continuando “nesta armadilha, vai sempre escapar um fogo, e esse ‘um’ vai queimar tudo de forma trágica, como aconteceu em Pedrógão”, uma vez que “o combate não serve de bala de prata”.
Com efeito, “a prevenção sempre foi o parente pobre”, graças às “resistências políticas”, fundadas “no imediatismo do resultado”. Dá muito mais nas vistas o facto de o poder político “financiar um camião ou um helicóptero do que investir na prevenção”, a qual pode evitar uma catástrofe no futuro, mas que não facilita a lembrança do detentor do cargo político na posteridade. Vivendo manietados por ciclos políticos de quatro anos ou menos, “atacam-se as consequências e não as causas do problema”.
Apesar de se sucederem “planos e estratégias de defesa da floresta contra incêndios”, “acabou tudo quase na mesma”, porque “o sistema está montado nas tropas que combatem os incêndios e não está preocupado em governar o risco e o seu impacto”. Trata-se de um grave problema “sistémico”, que “exige uma relação mais madura da sociedade com os processos de longo prazo, o que será essencial no futuro, tendo em conta as alterações climáticas”.
Sobre a “reforma mais rápida de sempre da floresta”, badalada pelo Ministro da Agricultura, o crítico assenta em que “não basta ter leis sem os meios para as implementar e para os proprietários aderirem”, pois, “leis feitas a mata-cavalos para ter um sound bite não produzem resultados”.
Falando da evidência dum “colapso institucional” desde os anos 80, atribui-o “a terem desmanchado os serviços florestais, a não terem tido energia nem recursos para chegarem ao proprietário privado e à armadilha do combate”. Na verdade, “o Ministério da Agricultura descartou-se do problema desde os anos 80 e achou que tudo se resolveria com bombeiros e entregando aos municípios a execução de uma obra que não está supraplaneada”. E adverte que, sendo a floresta “como o mar”, não pode ser dividida “por 308 municípios”. Como “ainda agora se viu, o incêndio começou em Pedrógão e chegou a Góis, passando por sete concelhos”.
E não tem o técnico superior pejo em identificar as diferenças entre o que faz uma empresa de celulose e a maioria do país, ao explicar:
“O sucesso das empresas de pasta de papel reside em estarem focadas em defender um ativo com conhecimento e eficiência na gestão do orçamento de que dispõem. Para isso, não compram um avião, que seria um custo, e apostam na gestão da vegetação como um investimento. Executam a obra no terreno 365 dias por ano e com uma única equipa, que aborda a prevenção e o combate.”.
Aí, embora concorde com a verificação que o engenheiro faz, só tenho a contradizê-lo num aspeto: se há uma falha na prevenção, vigilância e combate da parte das empresas da pasta de papel, logo se inventam formas encapotadas de atribuição das responsabilidades ao Estado, às empresas e entidades envolvidas no combate ou às causas naturais e aos putativos incendiários.  
Como antídoto preventivo contra a praga incendiária, Tiago Oliveira defende, além do racional ordenamento da floresta e da necessidade de gerir a vegetação, a criação de “um comando único nacional”.
A este respeito, justifica:
O comando tripartido não funciona e é um sistema de ‘passa culpas’. É essencial um comando único de base florestal focado na organização e execução da obra, que depois é acompanhado no combate aos incêndios por bombeiros e equipas mais profissionais. Pode ser criado emprego e colocar-se os bombeiros a fazer prevenção. Seria transformar um custo num investimento com trabalho no inverno e no verão.”.
Com efeito, a existência de responsabilidades distribuídas pelo Ministério da Agricultura, Ministério da Administração Interna e pelo Ministério do Ambiente – ou um comando no terreno repartido por bombeiros, polícias e autoridade nacional de proteção civil – é pasto de alijamento de responsabilidades, descoordenação e ‘passa culpas’. Há dificuldade em suscitar um dinamismo de subordinação a uma autoridade estranha à corporação a que se pertence. E quem sofre é povo e o pundonor da dedicação até ao esvaimento das forças físicas e psíquicas!
Um comando único, forte, de competências pluridisciplinares e de conhecimento do terreno será uma boa solução.
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Também o bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), Carlos Mineiro, bradando “Portugal a arder: problema sem solução a curto prazo”, defende uma estratégia consistente baseada num pacto de regime à prova de fogos políticos (vd Expresso, de 8 de julho, pg 33).
Só é de esperar que não seja mais um pacto de regime que não ande nem desande!
Perante o crónico, mas com marcas de acutilância, cenário de incêndios florestais, que todos os anos e em quase todo o ano vêm flagelando o país, consumindo muitos bens significativos do ponto de vista ecológico e económico e até integridades e vidas humanas, Carlos Mineiro, ao invés de se debruçar sobre as várias “questões mediáticas e algo inquisitórias” que afloram nos períodos pós-incêndios, vem “salientar aspetos que têm sido desconsiderados”. E diz:
“Entre eles avulta o papel que devia caber aos engenheiros de diversas especialidades, com natural relevância para os engenheiros florestais, pois são estes profissionais que detêm conhecimento e competência adequados para gerir e lidar com a floresta”.
Terá sido pela desvalorização do papel destes profissionais e pela falta de mercado de trabalho para eles e para os peritos em engenharia geográfica que os respetivos cursos ficaram quase ou totalmente desertos – o que, a par da “extinção e menorização das instituições conhecedoras da floresta e da sua gestão”, deu o resultado catastrófico que agora somos obrigados a encarar.
Atualmente, a quantidade e diversidade de “ferramentas e tecnologias com múltiplas possibilidades podem facultar “uma gestão mais eficaz e segura do território, fruto da investigação e da engenharia” – podendo e devendo a floresta passar do problema que é anualmente fonte e palco de incêndios e mais incêndios a “valioso recurso ambiental e económico, produtor de matéria-prima transacionável e com elevado valor energético”, o que postula “uma gestão cuidada” da floresta e dos recursos a ela atinentes.
Refere que o colapso do SIRESP, uma solução para não falhar quando as outras falham, deve ser objeto de “uma auditoria idónea” para retomar a confiança dos utilizadores e dos cidadãos, “ou seja, uma tarefa para engenheiros e para as instituições que a eles terão de recorrer”; e recorda o estudo que o Conselho de Engenharia Florestal da Ordem dos Engenheiros produziu no rescaldo dos fogos de 2016, que se mantém disponível no portal da OE e cuja leitura recomenda pela sua inovadora atualidade e pelo seu caráter holístico e setorial.
E sustenta a urgência da mudança de paradigma: a passagem das políticas mais de reação que de prevenção à gestão que assegure o “adequado planeamento e a alocação de recursos”.
Na convicção de que “o envolvimento da engenharia é crucial num novo e adequado ciclo, a par da promoção do ensino e da investigação e inovação nestas áreas” entende que deve ser redefinido o “papel e funções que deverão caber ao Estado”.
Por mim, creio que o papel e as funções do Estado não podem ser reduzidos aos mínimos. Deve, pelo menos, caber-lhe a superior orientação e definição de políticas, a coordenação de topo e a supervisão da alocação de recursos, com a competente e assídua vigilância e fiscalização dos procedimentos.
Como advoga Carlos Mineiro, se enfrentamos um problema sem solução a curto prazo, estamos confrontados com a exigência da “perenidade de novas medidas”, que se materializa numa “estratégia consistente baseada num pacto de regime que também resista a sucessivos fogos políticos”.
Que o ouçam todos os políticos do hoje e do amanhã, bem como todos aqueles e aquelas que se dedicam à gestão, à preservação e à remediação e reconstituição da manha florestal.
Prosit!

2017.07.10 – Louro de Carvalho 

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