A
Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (CCDDS), a 8 de julho, recorda aos bispos diocesanos e àqueles
que pelo direito lhe são equiparados que lhes compete “providenciar dignamente a
tudo o que é necessário para a celebração da Ceia do Senhor”, em carta-circular,
de 15 de junho (Solenidade
do Corpus Christi),
enviada a pedido do Papa Francisco. Lê-se no documento adrede publicado pela
Sala de Imprensa da Santa Sé (também em português):
“Ao bispo, primeiro dispensador dos
mistérios de Deus, moderador, promotor e garante da vida litúrgica na Igreja
que lhe está confiada, compete vigiar a qualidade do pão e do vinho destinado à
Eucaristia e, por isso, também, aqueles que o fabricam”.
Considerando
a matéria do Sacrifício e do Sacramento, observa a CCDDS que hoje o pão e o
vinho para a celebração da Eucaristia se vendem “também, em supermercados,
lojas ou mesmo pela internet”, não se limitando às comunidades religiosas que se
dedicavam a essa preparação. As diretivas deste dicastério, estribadas em
documentação da CDF (Congregação
para a Doutrina da Fé),
CIC (Código de Direito Canónico), IGMR (Instrução Geral do Missal Romano) e Catecismo da Igreja católica, recomendam
que o pão e o vinho destinados à Eucaristia tenham “um tratamento conveniente”
nos lugares de venda. E, a teor das normas existentes, sugere “algumas
indicações práticas”, por exemplo, “garantindo a matéria eucarística mediante a
concessão de certificados”. O objetivo é que “não fiquem dúvidas acerca da
validade desta matéria eucarística”.
No
contexto do múnus santificador da Igreja, o § 1 do cân. 835 do CIC refere que
“exercem este múnus santificador em primeiro lugar os Bispos, que são os sumos
sacerdotes, principais dispensadores dos mistérios de Deus e bem assim os
moderadores, promotores e guardiães de toda a vida litúrgica na Igreja que lhes
está confiada”. Isto sem descurar a doutrina plasmada nos restantes parágrafos
deste cânone no atinente aos presbíteros, diáconos e demais fiéis:
§ 2.
Exercem-no ainda os presbíteros, que, também eles participantes do sacerdócio
de Cristo, são consagrados como seus ministros, sob a autoridade do Bispo, para
celebrarem o culto divino e santificarem o povo.
§ 3. Os
diáconos participam na celebração do culto divino, segundo as prescrições do
direito.
§ 4.
Também os demais fiéis, ao participarem ativamente, a seu modo, nas celebrações
litúrgicas, sobretudo na eucarística, têm uma parte que lhes é própria no múnus
santificador; de modo peculiar participam neste múnus os pais, vivendo em
espírito cristão a vida conjugal e cuidando da educação cristã dos filhos.”.
Assim,
os bispos diocesanos devem recordar aos sacerdotes, em especial aos párocos e
aos reitores das igrejas, “a responsabilidade” de verificarem “quem é que
fabrica o pão e o vinho” para a celebração e a “conformidade da matéria”. Compete-lhes
“informar e advertir para o respeito absoluto das normas os produtores de vinho
e do pão para a Eucaristia”, frisa a CCDDS, pedindo “honestidade,
responsabilidade e competência” a quem confeciona o pão e produz o vinho para a
Eucaristia, com a “consciência” do fim que tem o seu trabalho.
O
documento recorda que a CDF já “indicou as normas” para as pessoas que, “por
diversos e graves motivos”, não podem consumir pão normalmente confecionado ou
vinho normalmente fermentado, na carta-circular aos presidentes das
Conferências Episcopais de 24/07/ 2003: “As hóstias completamente sem glúten
são matéria inválida para a eucaristia”, mas podem ser usadas hóstias
“parcialmente desprovidas de glúten”, o suficiente para “obter a panificação”,
“sem acréscimo de substâncias estranhas”. Já o mosto, o sumo de uva, fresco ou
conservado, de forma a interromper a fermentação mediante métodos que “não lhe
alterem a natureza”, como por exemplo o congelamento, é matéria válida para a
Eucaristia”. A mesma CDF decidiu que a matéria eucarística confecionada com
organismos geneticamente modificados pode ser considerada válida. O documento da
CCDDS sugere também às conferências episcopais que “encarreguem” uma ou duas
congregações religiosas para “verificar a produção, conservação e venda” do pão
e do vinho para a Eucaristia num determinado país ou “para outros países” para
os quais exportem.
Nestes termos, os alimentos utilizados na Eucaristia
devem manter a sua composição mais comum e mais aproximada possível da confeção
tradicional, sem a utilização de aditivos ou outras substâncias. Segundo a
missiva da CCDDS, as hóstias têm de ser feitas com proteínas do trigo em
quantidade suficientes para que não seja preciso juntar aditivos à sua
confeção, embora se admita que o pão utilizado na celebração possa ter um teor
de glúten mais reduzido, mas recusando a sua eliminação total. Igualmente
utilizado na Eucaristia, o vinho deve ser “natural, proveniente da fruta da
uva, puro e incorrupto, sem ser misturado com outras substâncias”. Porém, pode
ser utilizado o mosto – vinho não fermentado – e conservado mesmo pelo sistema
de congelamento. E o comungante pode fazê-lo unicamente sob a espécie de vinho,
devendo, em articulação como celebrante, preparar uma pequena porção em
recipiente adequado, que será consagrada com a restante matéria do Sacrifício e
consumida no local e momento da celebração.
***
No texto, o cardeal Robert Sarah, Prefeito, e o arcebispo Arthur Roche, secretário, justificam as normas com as alterações no modelo de
abastecimento, pois atualmente os ingredientes [para confecionar as hóstias] são vendidos em supermercados e outras lojas e até
pela internet, pelo que se julgou necessário “esclarecer quaisquer dúvidas
sobre a validade da matéria da eucaristia”.
De resto, as
normas acerca da matéria eucarística vêm prescritas no cân. 924 do CIC e nos
números 319 a 323 da IGMR.
Na verdade, o cân. 924 dispõe sobre a matéria da Eucaristia:
“§ l. O sacrossanto Sacrifício
eucarístico deve celebrar-se com pão e vinho, a que se há de juntar uma pequena
quantidade de água. § 2. O pão deve ser de trigo puro e recentemente confecionado,
de modo que não haja nenhum perigo de corrupção. § 3. O vinho deve ser natural,
do fruto da videira e não corrompido.”.
O cân. 925 refere-se à distribuição da sagrada comunhão:
“Distribua-se a sagrada comunhão
apenas sob a espécie de pão ou, nos termos das leis litúrgicas, sob as duas
espécies; em caso de necessidade, somente sob a espécie de vinho”.
O cân. 926 prescreve a condição de liceidade para a Igreja latina:
“Na
celebração eucarística, segundo a antiga tradição da Igreja latina, o sacerdote
utilize o pão ázimo, onde quer que celebre”.
E o cân. 927 estabelece a concomitância dos dois elementos da
matéria do Sacrifício:
“Não se pode, nem mesmo em caso de
urgente necessidade, consagrar uma matéria sem a outra, ou consagrá-las ambas
fora da celebração eucarística”.
O n.º 319 da IGMR
explica a razão de ser da utilização do pão e vinho com água:
“Seguindo o exemplo de
Cristo, a Igreja utilizou sempre o pão e o vinho com água para celebrar a Ceia
do Senhor”.
Os n.os
320-321 abordam as questões referentes ao pão.
Assim,
o n.º 320 refere as condições da natureza do pão e da sua especificidade na
Igreja latina:
“O
pão para celebrar a Eucaristia deve ser só de trigo, confecionado recentemente
e, segundo a antiga tradição da Igreja latina, pão ázimo”.
E o n.º
321 trata da aparência do pão eucarístico:
“A natureza de sinal
exige que a matéria da Eucaristia tenha o aspeto de autêntico alimento. Convém,
portanto, que o pão eucarístico, embora ázimo e apresentando a forma tradicional,
seja confecionado de modo que o sacerdote, na Missa com participação do povo,
possa realmente partir a hóstia em várias partes e distribuí-las pelo menos a
alguns dos fiéis. Todavia, de modo algum se excluem as hóstias pequenas, quando
assim o exija o número dos comungantes ou outras razões de ordem pastoral. No
entanto, o gesto da ‘fração do pão’ – assim era designada a Eucaristia na época
apostólica – manifesta de modo mais expressivo a força e o valor de sinal da
unidade de todos em um só pão e de sinal da caridade, pelo facto de um só pão
ser repartido entre os irmãos.”.
Os n.os 322-324 tratam
da conservação do pão e do vinho e do caso excecional de por distração não se
ter consagrado vinho. Nestes termos, o
n.º 322 preceitua:
“O
vinho para celebrar a Eucaristia deve ser de uvas, fruto da videira (cf Lc 22,18), natural e puro,
quer dizer, sem qualquer mistura de substâncias estranhas”.
O n.º 323
acautela:
“Tenha-se
grande cuidado em que o pão e o vinho destinados à Eucaristia se conservem em
perfeito estado, isto é, que nem o vinho se azede nem o pão se estrague ou
endureça tanto que se torne difícil parti-lo”.
E o n.º
324 esclarece:
“Se
depois da consagração ou no momento da Comunhão o sacerdote advertir que, no
cálice, em vez de vinho estava água, deite esta num recipiente, ponha vinho e
água no cálice e consagre-o, proferindo só as palavras da narração referentes à
consagração do cálice, sem ter de consagrar novamente o pão”.
Todas estas normas do CIC e da IGMR foram já explicadas na
Instrução Redemptionis Sacramentum da
CCDDS (25 de março de
2004):
a) “O
pão que se utiliza no santo Sacrifício da Eucaristia deve ser ázimo, unicamente
feito de trigo, confecionado recentemente, para que não haja nenhum perigo de
que se estrague por ultrapassar o prazo de validade. Por conseguinte, não pode
constituir matéria válida, para a realização do Sacrifício e do Sacramento
eucarístico, o pão elaborado com outras substâncias, embora sejam cereais, nem
mesmo levando a mistura de uma substância diversa do trigo, em tal quantidade
que, de acordo com a classificação comum, não se pode chamar pão de trigo. É um
abuso grave introduzir, na fabricação do pão para a Eucaristia, outras
substâncias como frutas, açúcar ou mel. Pressupõe-se que as hóstias são confecionadas
por pessoas que, não só se distinguem pela sua honestidade, mas que, além
disso, sejam peritas na sua confecção e disponham dos instrumentos adequados” (n.
48).
b) “O
vinho que se utiliza na celebração do santo Sacrifício eucarístico deve ser
natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de
substâncias estranhas… Tenha-se diligente cuidado para que o vinho destinado à
Eucaristia se conserve em perfeito estado de validade e não se avinagre. Está
totalmente proibido utilizar um vinho de que se tem dúvida quanto ao seu
caráter genuíno ou à sua procedência, pois a Igreja exige certeza sobre as condições
necessárias para a validade dos sacramentos. Não se devem admitir sob nenhum
pretexto outras bebidas de qualquer género, pois não constituem matéria válida”
(n. 50).
Também a CDF, na sua carta-circular aos Presidentes das Conferências
Episcopais acerca do uso do pão com pouca quantidade de glúten e do mosto como
matéria eucarística (24
de julho de 2003, Prot. n. 89/78-17498), indicou as normas para as pessoas que, por diversos e
graves motivos, não podem consumir pão normalmente confeccionado ou vinho
normalmente fermentado:
“As
hóstias completamente sem glúten são matéria inválida para a eucaristia. São
matéria válida as hóstias parcialmente desprovidas de glúten, de modo que nelas
esteja presente uma quantidade de glúten suficiente para obter a panificação,
sem acréscimo de substâncias estranhas e sem recorrer a procedimentos tais que
desnaturem o pão” (A. 1-2). “Mosto, isto é, o sumo de uva, quer fresco quer conservado, de modo a
interromper a fermentação mediante métodos que não lhe alterem a natureza (p.
ex., o congelamento), é matéria válida para a eucaristia” (A. 3).
Têm os Ordinários “competência para conceder a licença de
usar pão com baixo teor de glúten ou mosto como matéria da Eucaristia em favor
dum fiel ou dum sacerdote. A licença pode ser outorgada habitualmente, até que
dure a situação que motivou a concessão” (C. 1).
Por outro lado, a mesma CDF decidiu que a matéria eucarística
confecionada com organismos geneticamente modificados pode ser considerada
válida (cf Carta ao
Perfeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, 9 de
Dezembro de 2013, Prot. n. 89/78 – 44897).
Para que sejam observadas as normas gerais, os Ordinários
podem colocar-se de acordo ao nível da Conferência Episcopal, dando indicações
concretas. Considerando a complexidade de situações e circunstâncias, como é o
facto da negligência pelo sagrado, adverte-se para a necessidade prática de
que, por incumbência da Autoridade competente, haja quem garanta efetivamente a
autenticidade da matéria eucarística da parte dos produtores como da sua
conveniente distribuição e venda.
Sugere-se, por exemplo, que a Conferência Episcopal
encarregue uma ou duas Congregações religiosas, ou um outro Ente com capacidade
para verificar a produção, conservação e venda do pão e do vinho para a
Eucaristia num determinado país ou para outros países para os quais se exporta.
Recomenda-se, ainda, que o pão e o vinho destinados à Eucaristia tenham um
tratamento conveniente nos lugares de venda.
***
E o Catecismo da Igreja Católica também estipula como pontos
de doutrina o seguinte:
1353. “Na epiclese, [a Igreja] pede ao Pai que envie o seu Espírito Santo (ou o
poder da sua bênção) sobre o pão e o vinho, para que se tornem,
pelo seu poder, o corpo e o sangue de Jesus Cristo, e para que os que participam
na Eucaristia sejam um só corpo e um só espírito; na narração da
instituição, a força das palavras e da ação de Cristo e o poder do
Espírito Santo tomam sacramentalmente presentes, sob as espécies do pão e do vinho,
o corpo e o sangue do mesmo Cristo, o seu sacrifício oferecido na cruz de uma
vez por todas”.
1412. “Os
sinais essenciais do sacramento eucarístico são o pão de trigo e o vinho da videira,
sobre os quais é invocada a bênção do Espírito Santo, e o sacerdote pronuncia
as palavras da consagração ditas por Jesus durante a última ceia: ‘Isto é o meu
corpo, que será entregue por vós... Este é o cálice do meu sangue...’.”.
1413. “Pela consagração,
opera-se a transubstanciação do pão e
do vinho no corpo e no sangue de Cristo. Sob as espécies consagradas do
pão e do vinho, o próprio Cristo, vivo e glorioso, está presente de modo
verdadeiro, real e substancial, com o seu corpo e o seu sangue, com a sua alma
e a sua divindade.”.
E o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica também comporta ensinamentos
preciosos sobre esta matéria, seguindo o esquema pergunta/resposta:
277. “Como se desenrola a
celebração da Eucaristia? Desenrola-se em dois grandes momentos que
formam um só ato de culto: a liturgia da Palavra, que compreende a proclamação
e escuta da Palavra de Deus; e a liturgia eucarística, que compreende a
apresentação do pão e do vinho, a oração ou anáfora, que contém as
palavras da consagração, e a comunhão.”.
279. “Quais os elementos
essenciais e necessários para realizar a Eucaristia? São o pão de trigo e o vinho da videira.”.
282. “Como é que Jesus está
presente na Eucaristia? Jesus Cristo está presente na Eucaristia
dum modo único e incomparável. De facto, está presente de modo verdadeiro,
real, substancial: com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua
Divindade. Nela está presente em modo sacramental, isto é, sob as
espécies eucarísticas do pão e do vinho, Cristo completo: Deus e homem.”.
283. “Que significa transubstanciação? Transubstanciação significa a conversão de toda a substância
do pão na substância do Corpo de Cristo e de toda a substância do vinho na
substância do seu Sangue. Esta conversão realiza-se na oração eucarística
mediante a eficácia da palavra de Cristo e a ação do Espírito Santo. Todavia as
caraterísticas sensíveis do pão e do vinho, isto é as ‘espécies eucarísticas’,
permanecem inalteradas.”.
284. "A fração do pão divide Cristo? A fração do pão não divide Cristo: Ele está presente todo inteiro em cada
uma das espécies eucarísticas e em cada uma das suas partes.”.
285. “Até quando continua a
presença eucarística de Cristo? Ela continua enquanto
subsistem as espécies eucarísticas.”.
***
Não se discute a doutrina e a necessidade do pão
de trigo e do vinho da videira (com água porque
Jesus assim fez e por significar a união da nossa humanidade com a divindade de
Cristo). Porém é de questionar os teólogos e o Magistério da Igreja sobre o que
faria Cristo face ao caso de celíacos e similares.
2017.07.09 – Louro de
Carvalho
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