quinta-feira, 6 de julho de 2017

Assalto aos PNT de Tancos – transparência vs discrição

Penso que as opções políticas devem ser pautadas pela transparência, que implica rigor, liberdade de discussão, participação, deliberação e tomada de decisão e, depois, ação em conformidade e a publicitação dos parâmetros fundamentais que enquadram a opção e a divulgação das suas linhas-mestras.
No entanto, os procedimentos e a apreciação de factos requerem, muitas vezes, em nome da eficácia, a discrição, o comedimento, a contenção pública – a gestão da informação – para não prejudicar a averiguação dos factos, o apuramento das responsabilidades e ainda o fator de dissuasão inerente à insuficiência de meios – algo que sempre acontece quando se trata de questões de defesa e segurança, em que muita da eficácia passa pela vertente psicológica.
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A apreciação do que se passou em Tancos mostra bem o que nunca deveria ter acontecido a vários níveis. Nunca jamais em tempo algum deveria o complexo dos paióis deixar de ser guardado efetivamente por militares armados, quer postados permanentemente em postos fixos (obviamente com sujeição às regras da rendição de sentinelas), quer através das verificações de alerta e das rondas aleatórias. Os meios eletrónicos podem e devem ser uma preciosa ajuda se estiverem permanentemente em condições de funcionamento, mas nunca resolvem o problema de base, porque não evitam a aproximação e podem ser desativados à distância por alguns profissionais.
Então, é de concluir que toda a facilitação concedida à vigilância de Tancos foi um erro. Onde estavam os detentores do poder político quando discutiram a Lei da Defesa Nacional, as Leis de Programação Militar e os diversos regulamentos? Os debates pautaram-se pelas condições inerentes à transparência acima enunciadas? É que alguns pensam que a transparência consiste apenas na discussão a céu aberto perante a imprensa ou o público, quando ela implica que todos e cada um dos deputados quando discutem e votam saibam o que estão a fazer e que o Governo não deixe de prestar todos os esclarecimentos necessários. Como funciona o Governo? Como funciona a Assembleia da República? E onde têm estado os chefes militares para fazerem ver aos políticos a insuficiência de meios: humanos e materiais? São escolhidos a dedo, pelo que aguentam estoicamente a descredibilização que se faz à tropa e a penúria de recursos, bastando-lhes alguns discursos laudatórios e o aparato dos desfiles e da exibição de equipamentos.
Mas o facilitismo chegou ao ponto de alguma unidades militares, ao menos temporariamente, terem confiado a sua segurança exterior a empresas de segurança. Ora, a defesa do território e a sua segurança não podem ficar entregues a privados, muito menos ser fonte de negócio.
Um território é defendido por pessoas, que devem ali permanecer. E porque a defesa é um ato de soberania, ela deve ser entregue às forças armadas qual braço armado do Estado para defesa do território. De modo semelhante deve concluir-se para a segurança pública. Trata-se de uma função de soberania, pelo que deve ser confiada às forças de segurança: PSP, GNR, Guarda Fiscal (Porque acabou?), Guarda Florestal (Porque acabou?). Percebe-se bem o motivo – de soberania – porque a vigilância da floresta e o combate a incêndios florestais e a catástrofes naturais devem ser coordenados por uma Autoridade Nacional de Proteção Civil. É a defesa pública e a segurança de pessoas e bens que está em causa, pelo que não pode ser fonte de negócio para empresas privadas, mas a que devem ser chamadas em regime supletivo e de prestação de meios de logística mais pesada e complexa as forças armadas. Território sem pessoas e sem pessoas qualificadas não está defendido nem seguro. Veja-se o que se passa na guerra. Pode a artilharia troar pelos ares, os tanques podem levar tudo por diante, pode a engenharia cortar estradas ou fazer pontes. Porém, se a infantaria não progredir no terreno, a ocupação não está garantida.
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Foi roubado material de guerra. O Ministro da Defesa Nacional, em vez de falar e insistir na prontidão da investigação a diversos níveis para averiguação de factos e apuramento de responsabilidades disciplinares, criminais e civis, fez questão de salientar a gravidade do evento e a sua classificação de crime muito profissional. E, noutro momento, veio negar que fosse o maior furto de sempre de material de guerra.
O general Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) veio prontamente colocar a hipótese da informação interna, o que não era necessário, sendo preferível que insistisse nos necessários inquéritos e na promoção responsabilização disciplinar, criminal e civil dos responsáveis junto das competentes instâncias. Mais tarde, exonera cinco comandantes das unidades que fazem rotativamente a vigilância dos PNT, alegadamente para não perturbarem a investigação, vindo depois a esclarecer que foi uma exoneração temporária (então deveria ser suspensão preventiva) e, mais tarde ainda, que mantinha neles total confiança.
Obviamente que, depois daquela postura do Ministro, desta postura do CEME, da publicação dos espécimes de materiais roubados e até de algumas quantificações e da declaração, por parte do exército, de que não se especificavam publicamente as quantidades para não prejudicar a investigação, a opinião pública começou a clamar pela palavra do Presidente da República enquanto comandante supremo das forças armadas. E este, que devia ser chamado à palavra apenas na reta final de crise de difícil contorno, veio exigir a total investigação do furto de armas em Tancos “doa a quem doer e não deixando ninguém imune” e a prevenção do futuro.
Depois, o Presidente da República e o Ministro da Defesa Nacional vieram a reunir-se mais tarde na base de Tancos com o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) e o chefe do Estado-Maior do Exército. O encontro entre Rebelo de Sousa, Azeredo Lopes e os generais Pina Monteiro e Rovisco Duarte teve lugar num contexto de tensão crescente, quer nos corredores políticos, quer nos meios militares, tendo em conta as notícias de protestos em preparação para esta semana.
Desta reunião política resultou um aliviamento da tensão político-militar e a declaração da confiança nas forças armadas e, em especial, no Exército – o que deu lugar a uma reunião do Conselho Superior do Exército e a desmobilização da manifestação convocada de oficiais com funções de comando para Belém onde simbolicamente entregariam ao Presidente as espadas em solidariedade com os comandantes exonerados.
Apesar da prometida não especificação de quantidades, o Exército veio confirmar a violação dos perímetros de segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois paiolins, após a imprensa espanhola, em especial o El Espanhol, ter tipificado os materiais roubados e as respetivas quantidades (como era óbvio, o caso foi reportado aos parceiros internacionais) e ter sido lançado a suspeita sobre a capacidade de Portugal guardar estes materiais, que diz vir a recuperá-los (?!).
Por outro lado, O Chefe de Estado apelou a que se investigassem eventuais ligações entre o mais recente caso de roubo de armas e outros que afirmou terem ocorrido “nos últimos dois anos em países-membros da NATO, um deles há poucos meses”. E sustentou que, “se no percurso da investigação, que ainda não está no fim, for necessário tomar medidas cautelares”, estas devem ser tomadas. Marcelo não esclareceu, todavia, se aludia às exonerações dos comandantes da Unidade de Apoio da Brigada de Reação Rápida, do Regimento de Infantaria 15, do Regimento de Paraquedistas, do Regimento de Engenharia 1 e da Unidade de Apoio de Material do Exército, anunciadas pelo CEME. Porém, clarificou que a finalidade de tais “medidas cautelares” é “criar condições para que se investigue o que há para investigar, sem haver o melindre de expor os responsáveis por estruturas que estão ligadas ao que aconteceu”.
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O assalto ocorrido em Tancos poderá estar ligado a uma rede de crime organizado e tráfico de armas e não ao jihadismo e terrorismo. A informação foi avançada pelo El Mundo que citava fonte do Ministério do Interior espanhol, com base em informação dada pela Ministra da Administração Interna portuguesa ao homólogo espanhol. De facto, a Ministra reuniu-se em Sevilha com os responsáveis das mesmas pastas em Espanha, França e Marrocos, na sequência do G4. De França, no entanto, participou na reunião o embaixador de França em Espanha, Ives Saint-Geours. A Ministra disse ao homólogo espanhol que as autoridades portuguesas estão a “fazer tudo” para investigar o furto de material de guerra em Tancos, investigação que está a cargo da PJ, tutelada pelo Ministério da Justiça, pelo que “não dispunha, nem podia dispor de informações detalhadas sobre investigações em curso”, referindo que a notícia do El Mundo “não corresponde à verdade”.
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Assunção Cristas, após ser recebida, a seu pedido, em Belém pelo Presidente da República, pede a Costa que demita os ministros da Defesa e da Administração Interna, invocando a existência duma crise de autoridade, de comando e de confiança. Com efeito,
“Estes ministros não souberam estar à altura das suas responsabilidades, as demissões são inevitáveis e temos de o dizer sem hesitações e sem rodeios: Senhor Primeiro-Ministro, volte e demita-os”.
Não creio que a demissão imediata seja solução. Primeiro, têm de responder, esclarecendo o Parlamento sobre a sua visão do que se passou em Tancos, Pedrogão Grande e arredores, munidos de toda a informação disponível. Depois, se for apurada falha grosseira na sua atuação, devem ser demitidos ou apresentar o pedido de demissão, com pedido de desculpas ao país.
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Fora da investigação já foram ditas coisas a mais: supressão dos postos fixos de sentinela em 2002; não funcionamento do sistema eletrónico há dois anos; vigilância de comando repartido por 5 unidades militares; militares com as armas descarregadas; de futuro, três munições no carregador, sendo de salva a 1.ª. Senhores, poupem-nos aos pormenores. Não precisávamos de saber tudo isto. E para que me serve a munição de salva? Para receber como ilustre o IN? Para que servem militares desarmados ou desmuniciados a defender o território? Rezam o terço?
E a Procuradoria-Geral da República confirma que, no roubo de material de guerra em Tancos, “estão em causa, entre outras, suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional”. Que adianta a confirmação pública de tantas hipóteses de suspeitas? Verificar-se-ão todas? Não é abundância a mais para público ver?
E o Ministério Público decidiu, pela natureza e gravidade dos crimes e devido aos diferentes bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras, que a investigação prossiga no âmbito de inquérito com objeto mais vasto no DCIAP. Vamos ver se terá êxito! Eficácia! Eficácia!

2017.07.05 – Louro de Carvalho

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