Penso que as opções políticas devem ser pautadas
pela transparência, que implica rigor, liberdade de discussão, participação,
deliberação e tomada de decisão e, depois, ação em conformidade e a publicitação
dos parâmetros fundamentais que enquadram a opção e a divulgação das suas
linhas-mestras.
No entanto, os procedimentos e a apreciação de
factos requerem, muitas vezes, em nome da eficácia, a discrição, o comedimento,
a contenção pública – a gestão da informação – para não prejudicar a
averiguação dos factos, o apuramento das responsabilidades e ainda o fator de
dissuasão inerente à insuficiência de meios – algo que sempre acontece quando
se trata de questões de defesa e segurança, em que muita da eficácia passa pela
vertente psicológica.
***
A apreciação do que se passou em Tancos mostra
bem o que nunca deveria ter acontecido a vários níveis. Nunca jamais em tempo
algum deveria o complexo dos paióis deixar de ser guardado efetivamente por militares
armados, quer postados permanentemente em postos fixos (obviamente com sujeição às regras da rendição de
sentinelas), quer através das verificações de alerta e das rondas aleatórias. Os
meios eletrónicos podem e devem ser uma preciosa ajuda se estiverem permanentemente
em condições de funcionamento, mas nunca resolvem o problema de base, porque
não evitam a aproximação e podem ser desativados à distância por alguns
profissionais.
Então, é de concluir que toda a facilitação
concedida à vigilância de Tancos foi um erro. Onde estavam os detentores do
poder político quando discutiram a Lei da Defesa Nacional, as Leis de
Programação Militar e os diversos regulamentos? Os debates pautaram-se pelas
condições inerentes à transparência acima enunciadas? É que alguns pensam que a
transparência consiste apenas na discussão a céu aberto perante a imprensa ou o
público, quando ela implica que todos e cada um dos deputados quando discutem e
votam saibam o que estão a fazer e que o Governo não deixe de prestar todos os
esclarecimentos necessários. Como funciona o Governo? Como funciona a
Assembleia da República? E onde têm estado os chefes militares para fazerem ver
aos políticos a insuficiência de meios: humanos e materiais? São escolhidos a
dedo, pelo que aguentam estoicamente a descredibilização que se faz à tropa e a
penúria de recursos, bastando-lhes alguns discursos laudatórios e o aparato dos
desfiles e da exibição de equipamentos.
Mas o facilitismo chegou ao ponto de alguma
unidades militares, ao menos temporariamente, terem confiado a sua segurança
exterior a empresas de segurança. Ora, a defesa do território e a sua segurança
não podem ficar entregues a privados, muito menos ser fonte de negócio.
Um território é defendido por pessoas, que devem
ali permanecer. E porque a defesa é um ato de soberania, ela deve ser entregue
às forças armadas qual braço armado do Estado para defesa do território. De
modo semelhante deve concluir-se para a segurança pública. Trata-se de uma
função de soberania, pelo que deve ser confiada às forças de segurança: PSP,
GNR, Guarda Fiscal (Porque
acabou?), Guarda Florestal (Porque acabou?). Percebe-se bem o
motivo – de soberania – porque a vigilância da floresta e o combate a incêndios
florestais e a catástrofes naturais devem ser coordenados por uma Autoridade
Nacional de Proteção Civil. É a defesa pública e a segurança de pessoas e bens
que está em causa, pelo que não pode ser fonte de negócio para empresas
privadas, mas a que devem ser chamadas em regime supletivo e de prestação de
meios de logística mais pesada e complexa as forças armadas. Território sem
pessoas e sem pessoas qualificadas não está defendido nem seguro. Veja-se o que
se passa na guerra. Pode a artilharia troar pelos ares, os tanques podem levar
tudo por diante, pode a engenharia cortar estradas ou fazer pontes. Porém, se a
infantaria não progredir no terreno, a ocupação não está garantida.
***
Foi roubado material de guerra. O Ministro da
Defesa Nacional, em vez de falar e insistir na prontidão da investigação a
diversos níveis para averiguação de factos e apuramento de responsabilidades
disciplinares, criminais e civis, fez questão de salientar a gravidade do
evento e a sua classificação de crime muito profissional. E, noutro momento,
veio negar que fosse o maior furto de sempre de material de guerra.
O general Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) veio prontamente colocar a hipótese da
informação interna, o que não era necessário, sendo preferível que insistisse
nos necessários inquéritos e na promoção responsabilização disciplinar,
criminal e civil dos responsáveis junto das competentes instâncias. Mais tarde,
exonera cinco comandantes das unidades que fazem rotativamente a vigilância dos
PNT, alegadamente para não perturbarem a investigação, vindo depois a
esclarecer que foi uma exoneração temporária (então deveria ser suspensão preventiva) e, mais tarde
ainda, que mantinha neles total confiança.
Obviamente que, depois daquela postura do
Ministro, desta postura do CEME, da publicação dos espécimes de materiais
roubados e até de algumas quantificações e da declaração, por parte do
exército, de que não se especificavam publicamente as quantidades para não
prejudicar a investigação, a opinião pública começou a clamar pela palavra do
Presidente da República enquanto comandante supremo das forças armadas. E este,
que devia ser chamado à palavra apenas na reta final de crise de difícil
contorno, veio exigir a total investigação do furto de armas em Tancos “doa a
quem doer e não deixando ninguém imune” e a prevenção do
futuro.
Depois, o
Presidente da República e o Ministro da Defesa Nacional vieram a reunir-se mais
tarde na base de Tancos com o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) e o chefe do Estado-Maior do Exército. O encontro
entre Rebelo de Sousa, Azeredo Lopes e os generais Pina Monteiro e Rovisco
Duarte teve lugar num contexto de tensão crescente, quer nos corredores
políticos, quer nos meios militares, tendo em conta as notícias de protestos em
preparação para esta semana.
Desta
reunião política resultou um aliviamento da tensão político-militar e a
declaração da confiança nas forças armadas e, em especial, no Exército – o que
deu lugar a uma reunião do Conselho Superior do Exército e a desmobilização da
manifestação convocada de oficiais com funções de comando para Belém onde
simbolicamente entregariam ao Presidente as espadas em solidariedade com os
comandantes exonerados.
Apesar da
prometida não especificação de quantidades, o Exército veio confirmar a
violação dos perímetros de segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o
arrombamento de dois paiolins, após a imprensa espanhola, em
especial o El Espanhol, ter
tipificado os materiais roubados e as respetivas quantidades (como era
óbvio, o caso foi reportado aos parceiros internacionais) e ter sido lançado a suspeita sobre a capacidade de
Portugal guardar estes materiais, que diz vir a recuperá-los (?!).
Por outro
lado, O Chefe de Estado apelou a que se investigassem eventuais ligações entre
o mais recente caso de roubo de armas e outros que afirmou terem ocorrido “nos
últimos dois anos em países-membros da NATO, um deles há poucos meses”. E
sustentou que, “se no percurso da investigação, que ainda não está no fim, for
necessário tomar medidas cautelares”, estas devem ser tomadas. Marcelo não
esclareceu, todavia, se aludia às exonerações dos comandantes da Unidade de
Apoio da Brigada de Reação Rápida, do Regimento de Infantaria 15, do Regimento
de Paraquedistas, do Regimento de Engenharia 1 e da Unidade de Apoio de
Material do Exército, anunciadas pelo CEME. Porém, clarificou que a finalidade
de tais “medidas cautelares” é “criar condições para que se investigue o que há
para investigar, sem haver o melindre de expor os responsáveis por estruturas
que estão ligadas ao que aconteceu”.
***
O
assalto ocorrido em Tancos poderá estar ligado a uma rede de crime organizado e
tráfico de armas e não ao jihadismo e terrorismo. A informação foi avançada
pelo El Mundo que citava
fonte do Ministério do Interior espanhol, com base em informação dada pela Ministra
da Administração Interna portuguesa ao homólogo espanhol. De facto, a Ministra
reuniu-se em Sevilha com os responsáveis das mesmas pastas em Espanha, França e
Marrocos, na sequência do G4. De França, no entanto, participou na reunião o
embaixador de França em Espanha, Ives Saint-Geours. A Ministra disse ao homólogo
espanhol que as autoridades portuguesas estão a “fazer tudo” para investigar o
furto de material de guerra em Tancos, investigação que está a cargo da PJ, tutelada
pelo Ministério da Justiça, pelo que “não dispunha, nem podia dispor de
informações detalhadas sobre investigações em curso”, referindo que a notícia
do El Mundo “não corresponde à
verdade”.
***
Assunção
Cristas, após ser
recebida, a seu pedido, em Belém pelo Presidente da República, pede a Costa que demita os ministros da Defesa e
da Administração Interna, invocando a existência duma crise de autoridade, de
comando e de confiança. Com efeito,
“Estes ministros não
souberam estar à altura das suas responsabilidades, as demissões são
inevitáveis e temos de o dizer sem hesitações e sem rodeios: Senhor Primeiro-Ministro,
volte e demita-os”.
Não
creio que a demissão imediata seja solução. Primeiro, têm de responder,
esclarecendo o Parlamento sobre a sua visão do que se passou em Tancos,
Pedrogão Grande e arredores, munidos de toda a informação disponível. Depois,
se for apurada falha grosseira na sua atuação, devem ser demitidos ou
apresentar o pedido de demissão, com pedido de desculpas ao país.
***
Fora
da investigação já foram ditas coisas a mais: supressão dos postos fixos de
sentinela em 2002; não funcionamento do sistema eletrónico há dois anos; vigilância
de comando repartido por 5 unidades militares; militares com as armas
descarregadas; de futuro, três munições no carregador, sendo de salva a 1.ª.
Senhores, poupem-nos aos pormenores. Não precisávamos de saber tudo isto. E
para que me serve a munição de salva? Para receber como ilustre o IN? Para que
servem militares desarmados ou desmuniciados a defender o território? Rezam o
terço?
E a Procuradoria-Geral
da República confirma que, no roubo de material de guerra em Tancos, “estão em
causa, entre outras, suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa,
tráfico de armas internacional e terrorismo internacional”. Que adianta a
confirmação pública de tantas hipóteses de suspeitas? Verificar-se-ão todas?
Não é abundância a mais para público ver?
E o Ministério
Público decidiu, pela natureza e gravidade dos crimes e devido aos diferentes
bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras, que a investigação prossiga
no âmbito de inquérito com objeto mais vasto no DCIAP. Vamos ver se terá êxito!
Eficácia! Eficácia!
2017.07.05 – Louro de Carvalho
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