sábado, 15 de julho de 2017

Uma nova exoneração ou uma vítima dos PNT para salvar políticos

Não contente com a sua postura parlamentar (melhor, para lamentar) de se sentir humilhado e envergonhado com o comportamento dos militares que estão sob o seu alto comando e de esfacelar a imagem do Exército para salvar de facto as responsabilidades do poder político, nomeadamente da alta figura que tutela a instituição castrense, o CEME (Chefe do Estado-Maior do Exército) comunicou ao Primeiro-Ministro, no passado dia 11, a maior decisão que podia tomar no rescaldo dos acontecimentos de Tancos: desativar os paióis nacionais de Tancos.
Citando o Expresso, o DN on line de hoje, citado por muitos outros órgãos de informação, refere que o Exército se prepara para desativar os paióis de Tancos, alvo de um suposto assalto a 28 de junho passado. Trata-se duma intenção expressa na reunião que os chefes militares tiveram com o Chefe do Governo no predito dia 11, no Palácio de São Bento.
Mais: o general CEME, Rovisco Duarte, informou António Costa, naquele encontro, de que o Exército, para desativar os paióis, estava à procura de alternativas. A grande razão para tal medida parece ter origem no facto da exposição do local, ou melhor, terá sido a razão que mais pesou para aquela decisão.
Confrontado com esta informação, o Exército disse ao Expresso que “está a colaborar com as autoridades no esclarecimento do incidente e com a tutela na busca de soluções que permitam melhorar a situação no futuro”. Nada de novo contém esta informação, pois tudo isto já foi dito e redito, a não ser que se pretenda seguir a técnica da repetição insistente para convencer os cidadãos da putativa verdade.
Também já sabíamos o que agora vem repetido pelo Exército: “granadas de mão, granadas anticarro e explosivos estavam entre o material de guerra furtado dos Paióis Nacionais de Tancos, Vila Nova da Barquinha, Santarém, a 28 de junho”. Foi já passada para Comunicação Social a informação de que a PGR (Procuradoria-Geral da República) abrira um inquérito sobre o caso, por suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional; e que, no Exército decorrem averiguações internas, sendo que o Ministro da Defesa Nacional, que afirmou desconhecer problemas de insegurança naquela base militar, determinara uma inspeção extraordinária às condições de segurança dos paióis.
Depois, além das declarações contraditórias do CEMGFA (Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas) sobre o soco no estômago dado nas forças armadas, o exíguo valor do material furtado, a expiração do seu prazo de validade, a ponto de já estar para abate, e a desvalorização da sua periculosidade, António Costa, após o encontro com o chefes militares, afirmou que todos lhe deram garantias de que foram tomadas as medidas que asseguram ao país a segurança das instalações e a plena operacionalidade das forças militares.
Ora, na predita reunião, que durou duas horas e 20 minutos com o CEMGFA, general Pina Monteiro, com os chefes dos três ramos militares, Exército (Rovisco Duarte), Armada (Silva Ribeiro) e Força Aérea (Manuel Teixeira Rolo), e com o Ministro da Defesa, Azeredo Lopes, estava em cima da mesa a segurança em instalações militares.
Se é assim, se “foram tomadas as medidas que asseguram ao país a segurança das instalações e a plena operacionalidade das forças militares”, para que vai ser tomada a medida de desativar os paióis de Tancos?
Antigamente, quando os militares duma determinada divisão, repartição ou unidade territorial exibiam comportamento militares perigosos, eram distribuídos por quartéis diferentes ou deslocados da sua unidade militar para que, divididos e colocados fora da sua zona de conforto, não conseguissem mobilizar-se a si e a outros para uma eventual sublevação. Terão os materiais furtados sido sujeitos de comportamento militar censurável? A ser verdade, em vez de dividir o material existente por diversas unidades militares ou de o deslocar para dentro de uma unidade militar específica, deveria tentar saber-se por anda o material furtado e tentar recuperá-lo.
E, se o problema é a exposição do local onde estão situados os paióis, então a solução passará pela sua guarda no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, onde há câmara antissísmica e câmara antimíssil e, sobretudo, como dizia Raul Solnado, teríamos a certeza de que ninguém ali iria procurar esses materiais.
Agora, exonerar os paióis para poupar o Ministro e, por ele, o poder político, não lembrava ao careca, na expressão do ex-comentador Marcelo Rebelo de Sousa. Ou teremos de classificar os paióis de Tancos como a principal vítima do suposto assalto?
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Ora, como já sabíamos e Felipe Pathé Duarte confirma, Tancos é resultado de 20 anos de desinvestimento em segurança e defesa.
Aos 36 anos, o especialista divide o tempo entre várias frentes de combate: comentários na televisão; aulas no Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna e na Universidade Autónoma, onde tem projetos de investigação na área da segurança mediterrânica; e consultadoria na VisionWare (especializada em cibersecurity, ciência forense, auditorias de segurança e informação, que oferece serviços de security officer). Por isso, obriga-se a estar atento ao que acontece no mundo, mas que requer tempo para investigar, processar e avaliar a informação. Porém, o que mais o preocupa é a falta de noção nas estruturas políticas. E assume:
“Portugal é seguro, sim. Mas há uma ameaça real, ainda que possa não ser premente. E neste país há uma falta total de cultura de intelligence. Os políticos não têm noção da importância de ter uma cultura de intelligence no combate ao terrorismo, mesmo do ponto de vista da deteção da potencial ameaça, e isso tem como efeito não serem dadas às forças de segurança as ferramentas necessárias para trabalhar.”.
Exemplifica com a possibilidade de intercepção de comunicações, constitucionalmente proibida, mas fundamental para detetar ameaças. E não aceita a razão por que não se cria um colégio de juízes que assegure um serviço eficaz de fiscalização, permita capacitar a intelligence e promova a cultura de contraterrorismo, que passa por “uma definição estrutural de uma unidade com capacidade operacional”. Não passando o sistema de segurança interna de uma plataforma de boas intenções, à falta de estruturas tem valido o facto de a comunidade muçulmana aqui ser reduzida e estar relativamente bem integrada, o que facilita a monitorização e o controlo, além do irónico “sistema NSF: Nossa Senhora de Fátima”, evocado por Maria e Aníbal Cavaco Silva.
Justifica a grande dificuldade em definir como prioritária a área da segurança, por este campo não dar votos, não ser favorável politicamente, sendo recorrente o desinvestimento nesta área. Com efeito, segundo o perito, “ainda temos um complexo da PIDE que é completamente estúpido”. E tem uma certeza:
“O caso de Tancos é resultado desta desvalorização progressiva do papel da segurança e da defesa. Durante 20 anos, desinvestimos nas infraestruturas e nos recursos humanos, criámos uma ideia de que segurança e defesa são questões secundárias. Assumimos, à partida, que a estabilidade e a paz eram adquiridas e não criámos condições para a sua manutenção – e podemos vir a sofrer muito com isso. Os paióis de Tancos são um exemplo, o resultado a muito longo prazo de um descurar permanente das componentes de segurança e defesa, na Europa e em particular em Portugal.”.
Ademais, Felipe Pathé Duarte acredita que o desinteresse pela segurança “resulta também da ilusão da paz perpétua kantiana e da possibilidade apreendida de proteção de uma espécie de entidade supranacional – a ideia de que, no final, alguém vai resolver tudo”.
Ora, juntando a tudo isto a crises financeiras que induzem também algum desinvestimento, criaram-se “as condições para a tempestade perfeita”. Por isso, “é vital focar atenções nas Forças Armadas e nos serviços de segurança”, elementos “estratégicos e pilares da democracia e do Estado”. Todavia, faz a seguinte verificação:
“Por decisões políticas e economicistas não se avançou, tratamos mal as forças de segurança, e isto facilita a corrupção. Veja-se os contratos nas Forças Armadas: um miúdo de 20 anos forma-se nos Comandos, faz umas missões e, seis anos depois, é mandado à sua vida. Não é difícil entender como alguns, com formações altamente especializadas e abandonados, acabam por ligar-se a redes de crime organizado.”.
Após um significativo período de tempo no estrangeiro para formação académica e trabalho especializado, o perito regressou a Portugal, trazendo uma cabeça muito mais aberta, uma visão diferente e a sensação de que não chegava o que existia aqui. “Frustrado, zangado com a situação política e social em plena crise e sem perspetivas”, sentiu-se num contexto “um bocado asfixiante”, chegando a pensar deixar o país. Mas a vida mudou as suas intenções e dissipou os seus temores: acabou o doutoramento e começou a dar aulas. E, perdendo pouco a pouco a vontade de sair, mesmo porque Portugal lhe oferece o que não poderia ter em mais nenhum lugar, acaba por confessar:
 “Gosto de viver em Lisboa, vive-se bem aqui, e num saltinho consigo pôr-me no campo, com o qual tenho uma relação umbilical. Tenho um lado rústico muito desenvolvido.”.
E assume esta postura como verdade e lamenta não dispor do tempo de que gostaria para recarregar baterias em Pinhel (Coimbra) ou Marvão (Alentejo), onde se refugia em casas antigas de familiares. Dizendo-se “um produto do IP2”, brinca, falando com paixão das cores, estações e cheiros que o fazem regressar à infância e o ajudam a renovar-se de tempos a tempos.
(cf DN, de 8 de julho de 2017 e de 15 de julho; Expresso, de 15 de julho)
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Não vale tudo para justificar a supremacia do poder político. Tancos não pode ser a vítima do suposto assalto e as instalações do material de guerra não podem ser objeto de exoneração. Pode ser ingénuo, inseguro e perigoso ter paióis cercados por mata, sobretudo se for de árvores resinosas em detrimento das folhosas, estarem os mesmo guardados por uma ou duas redes de arame, mesmo que farpado. Foi temerário acabar com os postos fixos de sentinela permanente e rondas de verificação, ter reduzido os elementos de ronda aleatória de 30 para 11, manter o sistema eletrónico de vigilância desativado (que poderia constituir um bom elemento auxiliar de segurança, mas só isso). Todavia, a solução não passa pela desativação, a não ser que de Tancos saiam as diversas unidades militares que ali recebem instrução militar e fazem o respetivo treino, nem ali acorram outras unidades militares para operações. Passa antes, pelo reinvestimento militar, decretado pelo poder político e sugerido pelas entidades castrenses, em recursos humanos, segurança física sólida material e humana, vigilância e pessoal e eletrónica, ação permanente e ação aleatória .
E, por amor de Deus, a frase de Soares de que “razões políticas não se explicam” (dita para exonerar de CEME Garcia dos Santos em 1982) está obsoleta e não pode aplicar-se a Tancos.
Sejamos sérios e ouçamos quem sabe!

2017.07.15 – Louro de Carvalho

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