Não contente
com a sua postura parlamentar (melhor, para lamentar) de se sentir humilhado e envergonhado com o comportamento dos militares
que estão sob o seu alto comando e de esfacelar a imagem do Exército para salvar
de facto as responsabilidades do poder político, nomeadamente da alta figura
que tutela a instituição castrense, o CEME (Chefe do Estado-Maior do Exército) comunicou ao Primeiro-Ministro, no passado dia 11, a
maior decisão que podia tomar no rescaldo dos acontecimentos de Tancos: desativar
os paióis nacionais de Tancos.
Citando o Expresso, o DN on line de hoje, citado por muitos outros órgãos de informação, refere
que o Exército se prepara para desativar os paióis de Tancos, alvo de um suposto
assalto a 28 de junho passado. Trata-se duma intenção expressa na reunião que
os chefes militares tiveram com o Chefe do Governo no predito dia 11, no
Palácio de São Bento.
Mais: o
general CEME, Rovisco Duarte, informou António Costa, naquele encontro, de que
o Exército, para desativar os paióis, estava à procura de alternativas. A
grande razão para tal medida parece ter origem no facto da exposição do local,
ou melhor, terá sido a razão que mais pesou para aquela decisão.
Confrontado
com esta informação, o Exército disse ao Expresso
que “está a colaborar com as autoridades no esclarecimento do incidente e com a
tutela na busca de soluções que permitam melhorar a situação no futuro”. Nada de
novo contém esta informação, pois tudo isto já foi dito e redito, a não ser que
se pretenda seguir a técnica da repetição insistente para convencer os cidadãos
da putativa verdade.
Também já sabíamos
o que agora vem repetido pelo Exército: “granadas
de mão, granadas anticarro e explosivos estavam entre o material de guerra
furtado dos Paióis Nacionais de Tancos, Vila Nova da Barquinha, Santarém, a 28
de junho”. Foi já passada para Comunicação Social a informação de que a PGR
(Procuradoria-Geral
da República) abrira um
inquérito sobre o caso, por suspeitas da prática dos crimes de associação
criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional; e que, no
Exército decorrem averiguações internas, sendo que o Ministro da Defesa
Nacional, que afirmou desconhecer problemas de insegurança naquela base
militar, determinara uma inspeção extraordinária às condições de segurança dos
paióis.
Depois, além
das declarações contraditórias do CEMGFA (Chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas) sobre o soco
no estômago dado nas forças armadas, o exíguo valor do material furtado, a
expiração do seu prazo de validade, a ponto de já estar para abate, e a
desvalorização da sua periculosidade, António Costa, após o encontro com o
chefes militares, afirmou que todos lhe deram garantias de que foram tomadas as
medidas que asseguram ao país a segurança das instalações e a plena
operacionalidade das forças militares.
Ora, na
predita reunião, que durou duas horas e 20 minutos com o CEMGFA, general Pina
Monteiro, com os chefes dos três ramos militares, Exército (Rovisco
Duarte), Armada (Silva
Ribeiro) e Força Aérea (Manuel
Teixeira Rolo), e com o Ministro
da Defesa, Azeredo Lopes, estava em cima da mesa a segurança em instalações
militares.
Se é assim,
se “foram tomadas as medidas que asseguram ao país a segurança das instalações
e a plena operacionalidade das forças militares”, para que vai ser tomada a
medida de desativar os paióis de Tancos?
Antigamente,
quando os militares duma determinada divisão, repartição ou unidade territorial
exibiam comportamento militares perigosos, eram distribuídos por quartéis
diferentes ou deslocados da sua unidade militar para que, divididos e colocados
fora da sua zona de conforto, não conseguissem mobilizar-se a si e a outros para
uma eventual sublevação. Terão os materiais furtados sido sujeitos de comportamento
militar censurável? A ser verdade, em vez de dividir o material existente por
diversas unidades militares ou de o deslocar para dentro de uma unidade militar
específica, deveria tentar saber-se por anda o material furtado e tentar
recuperá-lo.
E, se o problema
é a exposição do local onde estão situados os paióis, então a solução passará
pela sua guarda no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, onde há câmara antissísmica
e câmara antimíssil e, sobretudo, como dizia Raul Solnado, teríamos a certeza
de que ninguém ali iria procurar esses materiais.
Agora,
exonerar os paióis para poupar o Ministro e, por ele, o poder político, não
lembrava ao careca, na expressão do ex-comentador Marcelo Rebelo de Sousa. Ou teremos
de classificar os paióis de Tancos como a principal vítima do suposto assalto?
Ora, como já
sabíamos e Felipe Pathé Duarte confirma, Tancos é resultado de 20 anos de
desinvestimento em segurança e defesa.
Aos 36 anos, o especialista divide o tempo entre várias
frentes de combate: comentários na televisão; aulas no Instituto Superior de
Ciências Policiais e de Segurança Interna e na Universidade Autónoma, onde tem
projetos de investigação na área da segurança mediterrânica; e consultadoria na
VisionWare (especializada em cibersecurity,
ciência forense, auditorias de segurança e informação, que oferece serviços de
security officer). Por isso, obriga-se a estar atento ao que acontece no
mundo, mas que requer tempo para investigar, processar e avaliar a informação. Porém, o que mais o preocupa é a falta de noção nas
estruturas políticas. E assume:
“Portugal é
seguro, sim. Mas há uma ameaça real, ainda que possa não ser premente. E neste
país há uma falta total de cultura de intelligence.
Os políticos não têm noção da importância de ter uma cultura de intelligence no combate ao terrorismo,
mesmo do ponto de vista da deteção da potencial ameaça, e isso tem como efeito
não serem dadas às forças de segurança as ferramentas necessárias para
trabalhar.”.
Exemplifica com
a possibilidade de intercepção de comunicações, constitucionalmente proibida, mas
fundamental para detetar ameaças. E não aceita a razão por que não se cria um
colégio de juízes que assegure um serviço eficaz de fiscalização, permita
capacitar a intelligence e promova a
cultura de contraterrorismo, que passa por “uma definição estrutural de uma
unidade com capacidade operacional”. Não passando o sistema de segurança
interna de uma plataforma de boas intenções, à falta de estruturas tem valido o
facto de a comunidade muçulmana aqui ser reduzida e estar relativamente bem
integrada, o que facilita a monitorização e o controlo, além do irónico “sistema
NSF: Nossa Senhora de Fátima”, evocado por Maria e Aníbal Cavaco Silva.
Justifica a
grande dificuldade em definir como prioritária a área da segurança, por este campo
não dar votos, não ser favorável politicamente, sendo recorrente o
desinvestimento nesta área. Com efeito, segundo o perito, “ainda temos um
complexo da PIDE que é completamente estúpido”. E tem uma certeza:
“O caso de
Tancos é resultado desta desvalorização progressiva do papel da segurança e da
defesa. Durante 20 anos, desinvestimos nas infraestruturas e nos recursos
humanos, criámos uma ideia de que segurança e defesa são questões secundárias.
Assumimos, à partida, que a estabilidade e a paz eram adquiridas e não criámos
condições para a sua manutenção – e podemos vir a sofrer muito com isso. Os
paióis de Tancos são um exemplo, o resultado a muito longo prazo de um descurar
permanente das componentes de segurança e defesa, na Europa e em particular em
Portugal.”.
Ademais, Felipe
Pathé Duarte acredita que o desinteresse pela segurança “resulta também da
ilusão da paz perpétua kantiana e da possibilidade apreendida de proteção de
uma espécie de entidade supranacional – a ideia de que, no final, alguém vai
resolver tudo”.
Ora,
juntando a tudo isto a crises financeiras que induzem também algum
desinvestimento, criaram-se “as condições para a tempestade perfeita”. Por isso,
“é vital focar atenções nas Forças Armadas e nos serviços de segurança”,
elementos “estratégicos e pilares da democracia e do Estado”. Todavia, faz a seguinte
verificação:
“Por
decisões políticas e economicistas não se avançou, tratamos mal as forças de
segurança, e isto facilita a corrupção. Veja-se os contratos nas Forças
Armadas: um miúdo de 20 anos forma-se nos Comandos, faz umas missões e, seis
anos depois, é mandado à sua vida. Não é difícil entender como alguns, com
formações altamente especializadas e abandonados, acabam por ligar-se a redes
de crime organizado.”.
Após um
significativo período de tempo no estrangeiro para formação académica e
trabalho especializado, o perito regressou a Portugal, trazendo uma cabeça
muito mais aberta, uma visão diferente e a sensação de que não chegava o que existia
aqui. “Frustrado, zangado com a situação política e social em plena crise e sem
perspetivas”, sentiu-se num contexto “um bocado asfixiante”, chegando a pensar
deixar o país. Mas a vida mudou as suas intenções e dissipou os seus temores: acabou
o doutoramento e começou a dar aulas. E, perdendo pouco a pouco a vontade de
sair, mesmo porque Portugal lhe oferece o que não poderia ter em mais nenhum
lugar, acaba por confessar:
“Gosto de viver em Lisboa, vive-se bem aqui, e
num saltinho consigo pôr-me no campo, com o qual tenho uma relação umbilical.
Tenho um lado rústico muito desenvolvido.”.
E assume
esta postura como verdade e lamenta não dispor do tempo de que gostaria para recarregar
baterias em Pinhel (Coimbra) ou Marvão
(Alentejo), onde se refugia em casas antigas de familiares. Dizendo-se
“um produto do IP2”, brinca, falando com paixão das cores, estações e cheiros
que o fazem regressar à infância e o ajudam a renovar-se de tempos a tempos.
(cf DN, de 8
de julho de 2017 e de 15 de julho; Expresso, de 15 de julho)
***
Não vale
tudo para justificar a supremacia do poder político. Tancos não pode ser a
vítima do suposto assalto e as instalações do material de guerra não podem ser
objeto de exoneração. Pode ser ingénuo, inseguro e perigoso ter paióis cercados
por mata, sobretudo se for de árvores resinosas em detrimento das folhosas,
estarem os mesmo guardados por uma ou duas redes de arame, mesmo que farpado. Foi
temerário acabar com os postos fixos de sentinela permanente e rondas de
verificação, ter reduzido os elementos de ronda aleatória de 30 para 11, manter
o sistema eletrónico de vigilância desativado (que poderia constituir um bom
elemento auxiliar de segurança, mas só isso). Todavia, a solução não passa pela desativação, a não ser que de Tancos
saiam as diversas unidades militares que ali recebem instrução militar e fazem
o respetivo treino, nem ali acorram outras unidades militares para operações. Passa
antes, pelo reinvestimento militar, decretado pelo poder político e sugerido
pelas entidades castrenses, em recursos humanos, segurança física sólida
material e humana, vigilância e pessoal e eletrónica, ação permanente e ação
aleatória .
E, por amor
de Deus, a frase de Soares de que “razões políticas não se explicam” (dita para
exonerar de CEME Garcia dos Santos em 1982) está
obsoleta e não pode aplicar-se a Tancos.
Sejamos sérios
e ouçamos quem sabe!
2017.07.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário