Esta
parece ter sido a palavra de ordem que, pelas entrelinhas dos factos
recentemente ocorridos, se infere ter provindo de vários dos quadrantes
políticos e logísticos, talvez no pressuposto de que o Governo estava em perigo
mercê da suposta incapacidade do Ministro da tutela dos militares em superar a
noção de que a responsabilidade política se confina à alocação de recursos – o
que indubitavelmente tem sido o pecado obstinado dos sucessivos governos depois
da adesão de Portugal na CEE/UE.
***
Depois
de o Ministro dizer que o crime de Tancos foi muito profissional, o general
CEME (Chefe do Estado-maior do Exército)
confessou no Parlamento sentir-se humilhado e envergonhado com o comportamento
dos militares, sendo que a estes cabia toda a responsabilidade pelo sucedido. E
a gora o general CEMGFA (Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas)
vem a terreiro desvalorizar o assalto aos PNT de Tancos, dizendo que “parte do
material de guerra roubado tinha esgotado prazo de validade”.
Com efeito, o CEMGFA diz que o material de guerra roubado em Tancos tem um valor
de cerca de 34 mil euros, mas parte dele “não tem condições para ser usado com
eficácia” e já estava para abate, especificando que “os lança-granadas foguete
furtados estavam selecionados para serem abatidos” e, “provavelmente, não têm
condições para serem usados com eficácia”.
Ora, se o diz para desdramatizar a magnitude e as consequências do roubo é
Tancos, é inconsequente, porquanto usa o advérbio “provavelmente” (sem certeza) e não justifica como é que, se o material – “o Exército
avaliou tudo em detalhe” – estava para abate, porque é que não tinha sido
abatido e destruído para não sobejarem reminiscências de perigo. E, depois, o
atamancamento e contradição: “esse, que é talvez o material que mais
significado tem em termos de potencial de perigo, não tem afinal a relevância
que se esperava”. Ora, para estropiar ou matar pessoas, não se requer que o
material esteja em condições de utilização. Mata ou fere poucos, mas mata e
fere. Ou será que uma faca enferrujada não fere e mata pessoas?
Por outro lado, o CEMGFA Artur Pina Monteiro dizia estas coisas não em
conversa de café ou de caserna, mas em São Bento no final duma reunião com o
Primeiro-Ministro Costa, na qual estiveram também presentes os chefes dos três
ramos das Forças Armadas (Armada, Força Aérea e Exército) e o Ministro da Defesa Nacional. E Pina Monteiro
disse que o roubo em Tancos, avaliado em apenas 34 mil euros, “representou um
soco no estômago”, para as Forças Armadas, mas salientou que, a seguir, a
instituição militar “levantou a cabeça”. Deixaram lá o material para enganar o
inimigo?! Parece-me que se trata do apólogo da raposa e das uvas ao contrário:
a raposa, porque não chegava às uvas, acusou-as de estarem verdes; o CEMGFA,
perante o roubo de material de guerra, diz que estava para abate por ter
expirado o prazo de validade!
Não obstante, Pina Monteiro infere que, face ao que sucedeu em Tancos, há
lições a tirar, há medidas que vão ser tomadas a curto e médio prazo, sem, no
entanto, as especificar por motivos conexos com o necessário sigilo em matéria
de segurança. Nestes termos declarou:
“Não vamos facilitar quem possa ter intenções
semelhantes àquelas que se verificaram [em Tancos]. Posso garantir que, da
avaliação que é feita pelos chefes dos ramos e por mim próprio, não caímos.
Estamos direitos e prontos para continuar a garantir a confiança dos
portugueses nas suas Forças Armadas.”.
Segundo o CEMGFA, durante a aludida reunião, os chefes dos diferentes ramos
das Forças Armadas fizeram agora ante o Primeiro-Ministro uma avaliação “muito
mais detalhada sobre aquilo que aconteceu em Tancos, designadamente sobre o
significado do material roubado e das condições que existem nas Forças Armadas quanto
às instalações militares”. Neste ponto, Pina Monteiro procurou passar uma
mensagem contrária ao eventual empolamento referente ao valor do material
levado das instalações militares de Tancos. E aos jornalistas, deixou mais um
recado, sustentando a tese de que a segurança nacional não é exclusiva dos
militares, dizendo:
“Os militares têm o exclusivo da segurança militar,
mas a segurança nacional não pode ser exclusiva dos militares, porque só se
consegue se todos partilhamos essa responsabilidade. A começar na mentalidade
de segurança dos cidadãos e de quem, naturalmente, utiliza as câmaras para de
alguma forma pôr em causa a segurança que todos nós queremos.”.
Obrigado, senhor General, por me ter feito ascender à categorial de oficial
de segurança!
***
Entretanto, o
militar de abril Vasco Lourenço, além de outras, coloca a hipótese de o episódio
do caso espoletado após o furto de material bélico dos paióis, a 28 de junho,
poder ter surgido como arma de arremesso contra o Governo. A este propósito, afirmou
na SIC Notícias, já depois de Costa
haver reiterado a confiança no Ministro da Defesa e nas chefias militares:
“Suspeito muito de que isto é tudo encenado. O assalto pode ter sido
inventado para provocar toda esta turbulência, que tem sido uma coisa
extraordinariamente grande de ataque ao Governo.”.
E disse
mais:
“Tudo continua a ser muito mal contado. É preciso averiguar bem porque
estiveram 20 horas sem fazer ronda. Naturalmente, será para justificar a
denúncia da falta de material. Na minha opinião, o material já não estava lá no
dia em que foi denunciado.”.
Sustentando
que tudo tem de ser devidamente averiguado, deixou como alternativa para o
desaparecimento da extensa lista de material de guerra de Tancos a hipótese de
o material “ter sido furtado ao longo do tempo e já não estar lá de há muito”,
ou “ter sido utilizado na instrução”, sem que tais gastos fossem inventariados.
Mas, conhecendo a res militaris, não
tem dúvidas em apontar responsabilidades, em qualquer dos dois cenários, aos
militares.
De contornos
mais gravosos se reveste a hipótese que esticou à saciedade – um ataque
político ao Governo e à solução da geringonça, dizendo:
“Promoveram um facto político para
juntar à tragédia dos incêndios e fazer um ataque cerrado a este Governo.
Sabemos que a solução que vigora em Portugal representa a esperança para muitos
países na Europa e está sob fogo cerrado: é preciso abatê-la de qualquer
maneira. E, depois, assistimos à hipocrisia dos responsáveis por nos terem
levado aonde nos levaram, a gritarem: ‘aqui d’el rei é preciso demitir
ministros’.”.
***
E o político Vasco Lourenço fala ao DN sobre o caso de Tancos e suas
consequências no Exército. Entende a demissão de dois tenentes-generais no
Exército “fundamentalmente como tentativa de cavalgar, senão liderar, o
movimento que se gerou, promovido por uns poucos militares na reserva e na
reforma com posições radicais de direita”. De facto, é visível o descontentamento
das Forças Armadas com o poder político, que as tem vindo a destruir, a descaraterizar
e a reduzir “à ínfima espécie”. Assim, aproveitaram “um incidente onde a
condução das suas consequências pelo principal responsável do Exército não terá
sido a melhor para uma atuação no campo político”. Depois, admite que “quem
está a confundir as coisas, fazendo aproveitamento político do furto em Tancos,
não é o CEME, mas os generais demissionários”. Na verdade, a sua demissão não
passa do aproveitamento dos factos para continuar a ação que eles vêm a
desenvolver há muito na contestação ao CEME, desde a escolha deste para o cargo
em detrimento de outros, nomeadamente dos dois ora demissionários.
Na opinião deste capitão de abril os “agora demissionários
nunca aceitaram a nomeação” para CEME do camarada de curso e ter-lhe-ão “feito
a vida negra”. Quanto ao movimento da entrega de espadas ao Presidente da
República por parte de alguns oficiais superiores, confessa não dar valor a
esse movimento “que eles estarão a tentar cavalgar ou mesmo dirigir” (até por o tenente-general José Calçada
ter apresentado o livro do organizador do protesto em Belém), aduzindo que “a sua expressão no
Exército é pequena” e confia “que continue a ser”. Assegura, no entanto,
manter-se “atento, confiante em que os militares se não deixem embalar pelo
canto das sereias”.
Sobre o procedimento dos responsáveis pela segurança dos
paióis e as exonerações temporárias dos comandantes das respetivas unidades
encarregadas da vigilância sem processo e prova de ilicitude disciplinar e
criminal, declara:
“Se há
negligência, falta de organização, os responsáveis pela segurança têm de
assumir a responsabilidade e demitir-se. Não sei se os 5 eram os
responsáveis... concluo que sim, porque foram exonerados. Mas, se não o fazem e
a entidade acima deles verifica que o deviam ter feito, essa tem de o fazer.
Temos um princípio de que a última responsabilidade é do comandante.”.
Às questões “porque não se terá demitido o CEME e se é crível
que os generais e o Estado-Maior não têm responsabilidades”, o entrevistado
explica:
“O CEME é o último responsável e dá beneplácito às regras. Mas
não se pode demitir sem responsabilizar quem foi responsável pelas coisas. Só
admito que tenha demitido os comandantes porque já estava na posse de elementos
que lhe davam a certeza de que eles eram responsáveis pelo sucedido.”.
No entanto, embora os procedimentos sejam da responsabilidade
dos militares, o capitão de abril é claro na atribuição da responsabilidade
política, quando sustenta inequivocamente:
“Não é o problema da segurança do paiol que tenho de criticar,
mas o desinvestimento que cria a situação global, que afeta – E de que maneira!
– o moral das tropas, dos profissionais. A vontade, que é fundamental para os
militares cumprirem a missão, está extraordinariamente por baixo e tudo isso
cria este ambiente, cria a rotina e situações que não se percebem. Não digo que
isto é consequência do desinvestimento, mas ele está na base da situação que
existe... neste momento o que é que temos em termos de FA, do Exército? Forças
que vão cumprir missões lá fora e cá dentro não há nada...”.
À objeção de que agora se reforçou a segurança dos paióis,
mas sem aumento de efetivos, reage:
“São
prioridades... se definirmos que há ameaça, há que colocar ali meios capazes,
mesmo que prejudiquem outras missões. Daí perguntar como ter cinco unidades
responsáveis pela segurança de uma mesma instalação militar...não acuso o poder
político de ter responsabilidade direta no caso, mas indireta, pela situação
que gerou. O ministro tem lá culpa que fizessem o furto... mas é capaz de ter
responsabilidade na destruição da condição militar, em que continuou a obra de
Aguiar Hífen Branco.”.
Sobre a ação do Governo na área da Defesa e, em especial
deste Ministro, o crítico político-militar não tem papas na língua chamando ao
Ministro “o Aguiar Hífen Branco do PS”, que “segue a mesma política de
destruição das FA”. E aduz exemplos do setor social:
“Furtaram a Cooperativa Militar aos militares e o objetivo
está claro: deitar a mão aos bens do Instituto de Ação Social das FA, que na
maior parte são dos militares e não da instituição, destruíram o hospital… Como
militar pago duas vezes o serviço de saúde, porque pago os impostos para o SNS
e depois a quotização para o IASFA.”.
Em relação ao Presidente da República, diz que este “terá
posto de lado as críticas que lhe fiz” e criaram-se entre os dois “ótimas
relações” pelo que se mostra “altamente satisfeito com a maneira” como vem Marcelo
desempenhando o cargo. E, se, no caso de Tancos, o Presidente diz ter chegado
ao limite dos seus poderes de intervenção, Lourenço acha “que está a funcionar
bem e tem vindo a mostrar preocupação com o estado a que as FA chegaram”.
***
Parece-me que os detentores de cargos políticos relativos à
Defesa têm andado num rodopio indescritível. A Comissão Parlamentar de Defesa
ouviu o Ministro e o CEME. O Chefe do Estado reuniu com o primeiro presidente
eleito no pós-25 de abril e militar que liderou as operações do 25 de novembro
– um almoço, no Palácio de Belém, que ocorreu no meio da polémica criada pela
decisão do CEME de exonerar os comandantes das cinco unidades responsáveis pela
segurança dos paióis de Tancos, quando o responsável direto operacional terá
sido apenas um. Foi convocada para São Bento uma reunião pelo Primeiro-Ministro
– a quem incumbe a direção da política geral do país e, em especial, a de
Defesa – com o Ministro da Defesa (que a executa no atinente à Defesa) e os 4 chefes militares, para
análise da segurança das instalações militares. O Presidente Marcelo jantou com
esses quatro chefes militares, que, no dia seguinte, foram a São Bento para a
predita reunião com o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa, já referida, e
no fim da qual o CEMGFA prestou as declarações acima comentadas.
Mais: o Presidente da República, em vez de aceder ao pedido de
audiência da parte do tenente-general Antunes Calçada, exonerou-o do cargo de
secretário do CSDN (Conselho
Superior de Defesa Nacional) – designado para este órgão por escolha pessoal do Presidente – não
tendo usado da capacidade de diálogo e de proximidade, que lhe é peculiar, para
o receber.
Os chefes militares não ficaram melhor na fotografia deste
rodopio. Rovisco Duarte exonerou temporariamente os 5 comandantes das unidades
encarregadas da vigilância dos PNT. Em protesto contra esta decisão, tomada 3
dias após a descoberta do falado furto de material militar, demitiram-se dois
tenentes-generais do Exército, Antunes Calçada e Faria Menezes.
O primeiro destes apresentou, no dia 7, o livro do militar
que convocou uma manifestação de oficiais para deporem as espadas junto ao
Palácio de Belém a meio da passada semana, em protesto contra o poder político.
A ação foi desconvocada e o CEME proibiu o lançamento do romance na AM (Academia Militar), sendo a cerimónia transferida para
a SHIP (Sociedade
Histórica da Independência de Portugal). Porque proibiu o CEME a cerimónia na AM e qual a reação do
comandante da AM? Terá este sido ouvido? Não terá sido também por acinte
pessoal?
O pedido de demissão e de passagem à reserva dos preditos tenentes-generais,
oficialmente por divergências insanáveis com o CEME, evitou objetivamente que
viessem a ser ultrapassados na carreira já em setembro por um general com menor
antiguidade. Essa seria a consequência direta da sua não escolha para o cargo
de VCEME (vice-chefe do
Estado-Maior do Exército),
cujo titular cessará funções a 19 de setembro por atingir o limite máximo de 10
anos como oficial general. A sucessão do tenente-general Rodrigues da Costa
fora abordada há dias pelo CEME com os restantes três generais de três
estrelas: Antunes Calçada (comandante do Pessoal), Faria Menezes (comandante
operacional) – ambos do
curso do general CEME Rovisco Duarte – e Fernando Serafino (Logística), o mais moderno deles. Tal conversa
terá ocorrido na reunião do CSE (Comando Superior do Exército) do dia 3, que antecedeu a dos comandos superiores do
ramo – sobre o furto dos paióis de Tancos e a decisão do CEME de afastar os
comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança do local. Segundo
fonte militar, os generais ora demissionários saíram daquele CSE e “entraram com
cara de caso” na reunião dos comandos superiores do ramo, enquanto Fernando
Serafino “vinha a falar animadamente com o CEME”.
É de notar que a decisão do CEME de demitir os 5 oficiais (um dos quais propôs, no cargo
anterior, a redução do efetivo de segurança dos paióis de 30, nível de pelotão,
para 11 militares, nível de secção) foi decidida e anunciada 3 dias após a descoberta do corte
na vedação dos paióis; e que o major-general na reserva Carlos Branco
qualificou as demissões dos dois generais como “um ajuste de contas [com o CEME], sob o pretexto do seu compromisso
com elevados valores éticos” e tendo conspirado, traído e sabotado de forma
constante e consciente a ação de comando do CEME.
***
Vieram à tona as tricas castrenses e salva-se o poder
político à custa do CEME e do EMGFA!
2017.07.12 – Louro de Carvalho
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