As
ideias bem cimentadas e consolidadas são a força que move as pessoas e as
norteia na ação e na influência aos outros. É, por isso, que se constituem os
partidos que disputam as eleições junto do eleitorado para alcançar o poder, se
fazem os seminários, simpósios e congressos, se criam as academias, se põem a
funcionar escolas, se faz apostolado, missionação e até proselitismo. Por isso,
se estabeleceu como direito fundamental a liberdade de pensamento, expressão,
associação e reunião e se criam e mantêm órgãos de comunicação social.
Critica-se
o fundamentalismo e os ataques aos órgãos de comunicação social, a censura
prévia e o dirigismo.
Não obstante,
de forma encoberta ou de forma deslavada, os paladinos do pensamento único e do
uniformismo andam por aí.
Quem
não se lembra do desastre que foi a tentativa de exportar para o Norte de
África e para o Médio Oriente o figurino de democracia ocidental? E o que deu a
veleidade de conceder (!) a independência às colónias somente quando aqueles
povos estivessem bem preparados?
Depois,
há muitos casos em que aqueles ou aquelas que se manifestarem contra a corrente
são objeto de procedimento disciplinar ou são vistos de soslaio pela opinião
pública.
Podiam
mencionar-se muitos casos. Vou, porém, ater-me necessariamente apenas a alguns.
***
A 14 de julho, podia ler-se num dos sites do Vaticano um artigo de Lola González sob o título “Uma mulher africana dá a cara contra as imposições antinatalistas do
Ocidente”. Veja-se o texto em: https://infovaticana.com/2017/07/14/una-mujer-africana-planta-cara-las-imposiciones-abortistas-occidente/.
A
ativista nigeriana pelo direito à vida, Obianuju
Ekeocha, denuncia o desrespeito dos governos ocidentais pela democracia
africana ao quererem impor o aborto legal contra a vontade da maioria dos
africanos. Ora, segundo a articulista, os inquéritos de opinião mostram
abundantemente que os africanos – tanto as mulheres como os homens – odeiam o
aborto. E sublinha a ativista, em declarações ao Catholic News Service, que “ignorar a vontade do povo é cuspir
no tipo de democracia que se supõe que temos nos países africanos”.
A fundadora
da Culture of Life Africa assegura
que as nações ricas que injetam dinheiro na promoção e financiamento de abortos
em África se comportam como os antigos senhores coloniais, já que, segundo
refere, nunca no seu trabalho encontrou ninguém que suspirasse pela ajuda pelo
aborto. E segue acusando muitos dos países ocidentais da síndrome de supremacia
cultural em nome da qual tratam de impor a prática do aborto.
Também a
ideia de promover a anticonceção para combater a pobreza em África não passa de
uma “solução ocidental” que ignora o que pretendem os africanos. Em resposta à
asserção da entrevistadora da BBC que lhe referia que centenas de milhões de mulheres
não têm acesso à anticonceção e que deveriam tê-lo, Ekeocha contrapôs: “Bom, estás a dizer ‘deveriam’, mas quem és tu
para decidir? Não há uma petição popular.”.
E, quando a
entrevistadora insistia dizendo ter nascido e sido criada em África, aonde vai
várias vezes por ano, para sustentar a garantia de que a anticonceção é um
direito humano fundamental e necessário para superar a pobreza, a ativista contrapôs
e interpelou-a: “Essa é uma espécie de
solução ocidental, não? Porque não escutas a gente primeiro?”. E advertiu
que os promotores da anticonceção em África não acautelam os seus efeitos secundários.
Esta nigeriana
conta como tem de atender e acompanhar as raparigas a quem proporcionaram
métodos anticoncetivos, como o DIU (dispositivo intrauterino), sem a correta informação. E denuncia:
“Estas mulheres estavam a chorar e alguém duma organização ocidental veio,
pôs-lhes um DIU dizendo que isso era o que necessitavam para sair de a pobreza”.
Ora, para
Ekeocha, “a salvação da pobreza chegou com a educação, não com a
anticonceção”.
Em relação
ao aborto, a fundadora de Culture of Life Africa defende:
“Não creio que nenhum país ocidental tenha o direito de pagar os abortos num
país africano, especialmente quando a maioria das pessoas não quer o aborto – o
que é uma forma de colonização ideológica”.
Entretanto, enquanto Mientras
Ekeocha defendia nos meios de comunicação o direito à vida e denunciava a colonização
ideológica em África, Melinda Gates, num congresso internacional sobre planificação
familiar apoiava o controlo da natalidade como forma de poder para as
mulheres. Semanas antes, Gates prometera arrecadar quase 5.000 milhões
de dólares para financiar a anticonceção em 69 países, muitos deles africanos.
Ora, em carta aberta a Melinda Gates, Ekeocha refere
ter crescido numa cidade remota em África, numa sociedade que ama e
dá as boas-vindas às novas vidas. E diz:
“No meio de todas as nossas aflições e dificuldades africanas, no meio de
todos os problemas socioeconómicos e instabilidades políticas, os nossos
bebés são sempre um firme símbolo de esperança, uma promessa de vida, uma
razão para lutar pelo legado dum futuro brilhante”.
Para ela, os
milhares de milhões de dólares que Gates pretende arrecadar “compram miséria” para
a sua terra. Por isso, reclama:
“Por favor Melinda, escute o grito do coração duma mulher africana e
canalize misericordiosamente os seus fundos para pagar aquilo de que que
realmente necessitamos: bons sistemas sanitários – especialmente atenção pré-natal
pediátrica –, programas de alimentação para crianças pequenas, oportunidades de
educação superior ou fortalecimento das ONG que trabalham para proteger as
mulheres do tráfico sexual, da prostituição, do matrimónio forçado ou do trabalho
infantil”.
***
Recentemente, o panorama português também regista
sérias tentativas de não aceitação de pensamento e expressão que atentem contra
o pensamento único ou contra o comummente estabelecido, que se quer impor de
certa maneira.
Recordo o caso da psicóloga que fez declarações
públicas sobre os casos de homossexualidade, dizendo basicamente que, se
tivesse um filho homossexual, que o aceitava, mas como se dum doente se tratasse
a quem se deve acompanhamento e carinho. Ia caindo o Carmo e a Trindade e a
Ordem dos Psicólogos, além de ter de se debruçar sobre o caso em razão das presumíveis
queixas à Ordem, teve vedetas a verberar a senhora psicóloga pela alegada inexatidão
científica do que propalara publicamente.
Ora, do meu ponto de vista – não vindo ao caso as
questões de juízo moral decorrente das religiões do Livro – pergunto-me em que critérios
de cientificidade se baseavam os profissionais da ciência para dantes rotularem
de doença ou anomalia a homossexualidade. Mas também me questiono em que critérios
de cientificidade se baseiam os neocientistas da praça para vincarem com toda a
autoridade absoluta que não se trata de doença nem de anomalia. Ora, respeito,
tolerância e aceitação são exatamente aceitação, tolerância e respeito – o que
não obriga à confissão da mesma fé científica, sobretudo quando é comum
dizer-se que a ciência não tem categorias absolutas!
É óbvio que admito que o Estado produza leis que
protejam as pessoas e grupos que não se têm enquadrado convencionalmente nos parâmetros
tradicionais. Porém, o alcance deste tipo de legislação (como por exemplo, a referente a barrigas
de aluguer, adoção e coadoção por pessoas do mesmo sexo, casamento de pessoas
do mesmo sexo) é sobretudo
a possibilidade do exercício do direito a ser e a viver diferente. Não implica
a adesão inabalável a tais desideratos, mas necessariamente ao respeito,
tolerância e aceitação, não coibindo ninguém de pronunciar juízos morais sobre
ações e situações e nunca sobre as pessoas. Assim, embora o adultério não seja
objeto de cominação por parte da lei, tal não impede o juízo moral sobre ele, a
que se sujeita quem entende que se deve sujeitar.
Juízo semelhante fiz em relação ao candidato socialdemocrata
à Câmara de Loures, que, para mim, além da inabilidade política, errou na
generalização comportamental dos ciganos, na circunscrição aos ciganos dos
erros apontados, ignorando outros cidadãos e no exagero e na má explicação da
sua defesa da prisão perpétua em alguns casos. De resto, defesas e ataques
assumidos foram-no obviamente por desígnios políticos de pragmática, que não de
ideologia.
***
Os casos presentes ultimamente à Ordem dos Médicos, nomeadamente
os atinentes a Manuel Pinto Coelho e a Gentil Martins, também merecem atenção.
Manuel Pinto Coelho, já com dois processos disciplinares
a decorrer, foi objeto de mais um processo disciplinar por causa de algumas das suas ideias polémicas, como a ingestão
diária de água do mar diluída, a exposição solar sem proteção ou a suspensão
das estatinas na maioria dos casos de colesterol. Alegadamente, vieram a terreiro
queixas de sociedades científicas e de especialistas nacionais (Somos ricos em ciência). Não seria mais
positivo optar pela discussão científica e necessário acompanhamento dos
doentes – e penalizar o clínico por eventuais infrações à informação e liberdade
dos clientes – do que optar pela queixa pública e procedimento disciplinar?
Em relação a Gentil Martins, sabe-se que a queixa
formal enviada à Ordem dos Médicos, devido às declarações polémicas do
cirurgião sobre a homossexualidade, foi reencaminhada para o Conselho Disciplinar
do Sul, segundo o Expresso, que cita fonte oficial da OM. Este
conselho funciona, dentro da OM, como um tribunal e de forma independente. O
organismo espera agora a decisão daquele Conselho Disciplinar para depois se
pronunciar.
O cirurgião sustentou, na entrevista à revista
do Expresso, que a homossexualidade constitui “uma anomalia”, “um
desvio da personalidade”, comparável ao sadomasoquismo ou à automutilação. O
médico garantiu que não faz aceção de pessoas no tratamento de doentes e, quando
tem de tratar estas pessoas o faz “como a qualquer doente”, mas realçou que não
aceita promover esta vertente. Além da já apontada discutibilidade científica
da questão, devo sublinhar que o médico está no seu direito de pensar, desde
que aja no estrito patamar da tolerância, respeito e aceitação das pessoas.
Por conseguinte, de modo similar vejo a sua postura contra a
adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo, contra barrigas de aluguer e,
sobretudo, contra o aborto. Porém, era desnecessário fazer um juízo sobre
Cristiano Ronaldo e sua mãe, embora aceite que na mente estivesse apenas o ato
da “compra” dos três filhos.
Concluído: Respeito e liberdade são tão difíceis de conciliar?
É obrigatório o unanimismo?
2017.07.22 –
Louro de Carvalho
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