terça-feira, 4 de julho de 2017

Sobre a reforma da ADSE – o que aí vem

A ADSE foi criada, em 1963, para apoio, na doença, aos servidores civis do Estado e logicamente com a denominação de “Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado”. Em 1980, foi aprovada a sua transformação na Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas, à qual foi conferido o estatuto de Organismo Central de Proteção Social na Administração Pública, dando-lhe o estatuto de coordenador de todos os benefícios oferecidos à data na área dos cuidados de saúde e encargos de família, mantendo a sigla “ADSE”. E, em 2017, foi aprovada a transformação da Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas em Instituto de Proteção e Assistência na Doença, IP, abreviadamente designado por ADSE, IP.
A ADSE, IP é agora um instituto público de regime especial e de gestão participada, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. Funciona como uma espécie de seguro de saúde, comparticipando as despesas médicas e permitindo que os seus beneficiários recorram aos médicos com convenção ou ao regime livre. Os beneficiários podem também recorrer aos hospitais públicos, mas estes encargos são suportados pelo orçamento do SNS (Serviço Nacional de Saúde). 
Do meu ponto de vista, é pena que a troika e Tribunal de Contas tenham implicado com o facto de a ADSE, aliás como as seguradoras, participar nas despesas do SNS pelo atendimento aos seus beneficiários. Podem dizer que a supressão das comparticipações dos subsistemas o SNS o desentupiu. Todavia, elas eram um fator de financiamento do SNS, que poderia ganhar escala para a contratação de profissionais de saúde e com melhor estatuto remuneratório. Dá-me a impressão de que os negócios privados com a saúde falaram mais alto!
Tendo sido criada para apoio na doença aos servidores civis do Estado e com ela coexistindo outros subsistemas públicos como o da assistência na doença aos militares do exército, da armada e da força aérea (agora assistência na doença aos militares), da GNR, da PSP, etc., abriu-se a trabalhadores não servidores do Estado, como os docentes do ensino particular e cooperativo, e foi-se fechando aos trabalhadores do Estado em regime de precariedade. De inscrição, em princípio obrigatória (prevendo exceções), passou ao regime inscrição facultativa, podendo os beneficiários desvincular-se do subsistema. Agora, com a sua reestruturação e reforma, prevê-se o alargamento do universo dos seus beneficiários e também a recuperação dos desinscritos.
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O regime de benefícios da ADSE, subsistema de saúde dos funcionários públicos, está a mudar. E as alterações não se ficam pela transformação em instituto público de gestão participada: há que encontrar forma de tornar sustentável um regime que vem atendendo uma classe cada vez mais envelhecida. Por isso, as portas do sistema serão abertas a novos beneficiários, à procura de contribuições de pessoas mais jovens e mais saudáveis.
Embora nada esteja decidido em definitivo, existe já um projeto de decreto-lei, com base em proposta da ADSE, que começa a delinear o que está para vir. De acordo com um documento apresentado aos membros já nomeados do Conselho Geral e de Supervisão, para o qual falta eleger os representantes dos beneficiários, a ADSE incluirá várias novas categorias de beneficiários. Alguns pormenores do documento preparado pela ADSE foram já divulgados na imprensa e verificam a derrapagem desta abertura para setembro. Segundo o Público, como previsto, acederão a este subsistema os trabalhadores das empresas públicas, dos reguladores, das fundações e das associações públicas, incluindo os contratos individuais de trabalho e os contratos a prazo, desde que a relação laboral perdure há mais de um ano e sem interrupções. Mas o acesso não será imediato: a entidade empregadora deve celebrar um acordo com a ADSE a definir os procedimentos a seguir na inscrição, comunicação de dados, processamento do desconto, assim como “todas as condições de atribuição dos benefícios”.
Para José Abraão, dirigente da FESAP (Federação de Sindicatos para a Administração Pública), a possibilidade de estes trabalhadores se inscreverem deveria resultar diretamente da lei e não depender da boa vontade da entidade empregadora, lembrando que o diploma põe em causa as expectativas dos trabalhadores dos hospitais EPE.
No caso dos titulares de cargos políticos, membros dos gabinetes e aos titulares de subvenções mensais vitalícias, que passam a ser também beneficiários titulares, a inscrição dependerá apenas da vontade da pessoa. Por outro lado, passarão a ser abrangidos os cônjuges (ou vivendo em união de facto) de funcionários públicos beneficiários, que serão considerados “associados” (uma nova categoria), assim como os seus filhos entre os 26 e os 35 anos  – sendo que os filhos de menos de 26 anos que estejam a estudar estão abrangidos pelo regime atual. Para os cônjuges reformados haverá, no entanto, um limite de idade, que será fixado, em princípio, nos 65 anos.
O documento, de acordo com o Jornal de Negócios, pretende alargar ainda o acesso à ADSE aos políticos (titulares de órgãos de soberania, titulares de cargos públicos e os gestores públicos), membros de gabinetes ministeriais e titulares de subvenções mensais vitalícias, sem qualquer limite de idade, bem como aos trabalhadores de outras entidades com as quais a ADSE celebre acordos específicos para a atribuição de benefícios. A partir da entrada em vigor do normativo legal que estipule quem pode pertencer ao subsistema, os beneficiários têm 12 meses para solicitar a inscrição dos cônjuges ou unidos de facto. Ainda não se sabe quanto é que estes terão de pagar para aceder ao subsistema, mas sabe-se que as taxas poderão variar entre os 2,5% e os 2,8%. Quanto aos filhos, poderão beneficiar entre os 26 e os 30 anos se não trabalharem, viverem com os pais e pagarem uma contribuição mensal.
Os beneficiários das empresas públicas deverão pagar uma contribuição de 3,5% do vencimento para aceder ao sistema, a mesmo valor percentual que os atuais beneficiários. Atualmente, quem usufrui de pensão inferior ao salário mínimo nacional não precisa de descontar para a ADSE. No entanto, o documento acima referenciado, como escreve o Jornal de Negócios, prevê que as futuras pensões estejam sujeitas à taxa de 3,5% independentemente do seu valor. Os beneficiários aposentados ou reformados que já estejam inscritos na ADSE mantêm, no entanto, a isenção que tiverem atualmente, independentemente do que venha a ser decidido para futuro.
A aprovação do novo regime depende da eleição dos membros em falta do Conselho Geral e de Supervisão. Para este Conselho, onde têm assento representantes dos sindicatos, das associações de reformados e dos beneficiários, falta eleger os membros que representam os beneficiários do subsistema. E esta eleição resvalou para o dia 12 de setembro. Porém, embora o órgão não esteja ainda em pleno funcionamento, a direção da ADSE, liderada por Carlos Liberato Baptista, optou por lançar já a discussão sobre o novo regime de benefícios, com o compromisso de só o aprovar quando o Conselho estiver completo e se tiver pronunciado sobre ele. Com efeito, compete a este órgão dar parecer sobre as principais decisões que se prendem com o subsistema.
Quando a abertura aos novos beneficiários for para a frente, o acesso ao subsistema não será imediato. Os novos inscritos, segundo o Público, com base no projeto apresentado ao Conselho Geral e de Supervisão, ficam sujeitos a um período de carência de 90 dias.
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Em janeiro, a ADSE esperava que a abertura das inscrições pudesse avançar em março. Mas, após sucessivos atrasos, já não se arrisca a previsão duma data. De facto, o processo estaria fechado no final de junho, mas revelou-se mais complexo e acabou por ser adiado para não coincidir com o mês de agosto. O Governo, entretanto, passou a ter até ao final de junho o prazo para elaborar a proposta a esclarecer em que condições serão alargadas as inscrições na ADSE.
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Os novos beneficiários e associados acima referenciados não constam no diploma que está em vigor e que a novo diploma prevê revogar. As dúvidas sobre se, em alguns destes casos, há ou não direito a inscrição na ADSE colocam-se em particular quando as pessoas não são, originalmente, funcionários públicos. Há membros de gabinetes que têm dúvidas sobre o direito ao subsistema. E, de acordo com fonte consultada pelo Jornal de Negócios, a questão tem sido mais intensamente discutida no caso dos titulares de subvenções mensais vitalícias, que têm vindo a reclamar este direito. Nestes casos, não haverá limite de idade, até porque a taxa a pagar será semelhante à dos funcionários públicos: 3,5%.
No texto do projeto de diploma legal entregue aos membros já nomeados do Conselho Geral e de Supervisão, propõe-se que a inscrição de cônjuges de titulares, bem como dos seus unidos de facto só seja possível se a pessoa que se vai inscrever não tenha mais do que 65 anos, apesar de, em janeiro, o Presidente da ADSE ter admitido que poderiam ser considerados os 60, os 65 anos ou os 66 anos. Este limite de 65 anos, que ainda será debatido nos próximos meses, divide os sindicatos e associações de reformados e aposentados. José Abraão, da FESAP, considera que o limite etário deveria ser mais baixo, já que os custos do subsistema mais do que duplicam entre os 40 e os 60 anos, aduzindo que, “por uma questão de sustentabilidade da ADSE, os custos médios dos beneficiários recomendam que a idade seja mais baixa”. Ao invés, Rosário Gama, da APRE, considera o limite “discriminatório”, “um preconceito contra a idade, um idaísmo”.
Para acomodar o alargamento a mais familiares, a proposta cria uma nova categoria de beneficiários, os “associados”, com o escopo de, num prazo de 12 meses a partir da entrada em vigor da lei, os titulares poderem solicitar a inscrição de cônjuges ou de unidos de facto que vivam na mesma casa há dois anos, desde que a Junta de Freguesia o comprove.
Mais de um ano depois do primeiro anúncio sobre o alargamento, o preço de inscrição de cônjuges continua em aberto. Na proposta são apresentados vários cenários, com taxas que variam entre os 2% e os 2,7% ou 2,8% sobre o vencimento do titular, que nalguns cenários, admitem valores mínimos e que noutros dependem da idade.  
A aprovação do novo regime de benefícios da ADSE, anunciado há mais de um ano, ainda está dependente da eleição dos quatro representantes diretos dos beneficiários para o Conselho Geral e de Supervisão. Nos termos do calendário apresentado pela ADSE aos sindicatos e associações de reformados, está previsto o arranque da campanha eleitoral para o final de agosto para que as eleições se possam realizar a 12 de setembro. Só depois ficará formalmente composto, com todos os membros, o órgão que tem a responsabilidade de dar pareceres sobre os diplomas estruturantes da ADSE. Rosário Gama discorda do calendário, por coincidir com o período em que os eleitores vão férias, enquanto José Abraão concorda com as datas, por defender que a eleição deve ocorrer logo que possível. Sendo as candidaturas apresentadas entre 27 de julho e 9 de agosto, as listas são constituídas por 4 membros efetivos e 4 suplentes (beneficiários da ADSE) e subscritas por um mínimo de 100 beneficiários titulares.
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No projeto de decreto-lei refere-se:
“O início do gozo dos benefícios reporta-se à data de início da entrega do desconto, relativamente aos beneficiários titulares e associados, e à data da aceitação da inscrição na ADSE, nos restantes casos, podendo, no entanto, estar ainda sujeito ao estabelecimento de um período de carência”.
Trata-se de significativa diferença face ao regime atual, onde se prevê que “o início da fruição dos benefícios concedidos pela ADSE reporta-se à data de início do desconto legal obrigatório sobre o vencimento relativamente aos beneficiários titulares no ativo e à data de apresentação na ADSE do pedido de inscrição nos restantes casos”. E, no caso dos recém-nascidos, nos primeiros 3 meses basta apresentar o cartão do pai ou da mãe, desde que sejam beneficiários.
Entre os documentos enviados aos sindicatos está a nova tabela do regime convencionado a aplicar aos novos beneficiários onde, em nota de rodapé, fica claro que este plano de benefícios tem um período de carência de 90 dias para as novas adesões, contados desde a data de adesão.
Hoje, a ADSE cobre à volta do milhão e 200 mil beneficiários entre titulares (trabalhadores e aposentados que descontam todos os meses parte do salário para o sistema) e familiares, que não fazem qualquer desconto. A intenção de alargar o universo da ADSE foi assumida politicamente no relatório do OE para 2016, apontando as estimativas para a entrada de 400 mil novos beneficiários. E a ADSE conta ganhar novos beneficiários junto dos que renunciaram à ADSE e que terão 120 dias (contados desde a entrada em vigor do novo regime) para pedir a reinscrição. Esta possibilidade destina-se aos beneficiários titulares que, entre 2012 e 2105, quando os descontos subiram de 1,5% para 3,5%, desistiram da ADSE. Para o futuro mantém-se a regra de irreversibilidade em caso de desistência. É na categoria de “associados” que são integrados os cônjuges ou unidos de facto que trabalham no setor privado, desde não tenham mais de 65 anos na data do pedido de inscrição, e os filhos até 35 desde que coabitem com os titulares. Tanto uns como outros estão atualmente fora do sistema. Também os ascendentes que coabitem com os beneficiários titulares e sem rendimentos próprios iguais ou superiores a 50% do salário mínimo (ou 80%, caso se trate de casal) se integram esta categoria, quando atualmente fazem parte dos beneficiários familiares. Tanto ascendentes como filhos entre 26 e 35 anos passarão a descontar 3,5% sobre o valor do salário mínimo (557 euros), já o desconto dos cônjuges está em aberto. No projeto de diploma, colocam-se em cima da mesa várias taxas, que se agravam à medida que a idade avança e que, no máximo, corresponderão a 2,7%.
Para os sindicatos, a proposta deve ser melhorada. José Abraão alerta que o diploma permite a um casal de funcionários públicos descontar mais (3,5% cada um) do que o casal em que um é funcionário público e o outro “associado” (3,5% o primeiro e 2,7% o segundo). E sustenta que devia ser estudada a possibilidade de os cônjuges pagarem 3,5%, para que os filhos fiquem isentos.
A ver vamos!

2017.07.04 – Louro de Carvalho

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