quarta-feira, 26 de julho de 2017

As funções da agulha

Certamente que a agulha, qualquer que seja a sua especificidade, não deve servir para picar os colegas de estudo em colégio ou seminário e sussurrar: “hás de ser santo, mas hás de sê-lo à minha custa”. Mas não há dúvida de que muitos passam a vida da dar umas alfinetadas ou umas agulhadas nos semelhantes, o que tem de ser ultrapassado, visto não ser recomendável.
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Para prosseguirmos com a reflexão, é conveniente apurar os sentidos da palavra “agulha” e afins e ver as diferentes modalidades e aplicações do vocábulo.
No sermo eruditus do latim, agulha dizia-se “acus”; e era, além dos nomes de árvores, uma das poucas palavras da 4.ª declinação (tema em -u) que pertenciam ao género feminino [ao todo eram; acus, colus, manus, domus (com formas da 2.ª e da 4.ª declinação), porticus, idus (usada só no plural), penus, tribus e quinquatrus (usada só no plural), socrus (sogra), nurus (nora) e anus (velha)]. E era uma das poucas palavras da 4.ª declinação que faziam o dativo e o ablativo do plural em -ubus em vez de -ibus. As outras eram: arcus, lacus, partus, pecu, quercus, specus, tribus, questus, portus e veru (as últimas três faziam em -ibus ou em -ubus). Era utilizado o diminutivo “acula’, a significar ‘agulhinha’. No sermo vulgaris, entretanto, usava-se emgeral ‘acula’ a designar a agulha de média dimensão e ‘acucula’ no diminutivo. E é de ‘acucula’ por síncope do segundo ‘u’, seguida da palatalização do grupo ‘cl’, que veio a nossa ‘agulha’. Ora, sendo pequenina, fica ‘agulhinha’ e se for um objeto terminado em ponta como agulha usado, por exemplo, pelos bombeiros, é a ‘agulheta’.
E o latim possuía um conjunto de termos cognatos de ‘acus’: ‘acuere’ (tornar agudo, aguçado, pontudo), ‘aculeatus’ (que tem agulhas ou aguilhões; pontiagudo, subtil, pontudo), ‘aculeo’ (aguilhão), ‘aculeus’ (aguilhão), ‘acumen’ (ponta, penetração, acutilância, finura), ‘acuminare’ (agudizar, tornar pontiagudo, aguçado), ‘acuminatus’ (afiado, aguçado), ‘acus’ (nome masculino da 2.ª declinação, tema em -o, a significar peixe agulha), ‘acus’ (da 3.ª declinação, tema em consoante, a significar ‘limpeza do grão do cereal, restolho – que contém as praganas, uma espécie de agulhas), ‘acutare’ (aguçar, afiar), ‘acutatus’ (aguçado, afiado), ‘acute’ e ‘acutum’ (advérbio, a significar ‘subtilmente’; ‘de forma aguda, penetrante, fina), ‘acutela’ (aguçadela, ação de aguçar), ‘acutilis’ e ‘acutus’ (terminado em ponta ou agulha), ‘acutatus’ (aguçado), ‘acutiangulum’ (acutiângulo, ângulo agudo), ‘acutiator’ (o que aguça, amolador), ‘acuties’ (da 5.ª declinação, tema em -e, a significar acuidade, agudeza), ‘acutule’ (um tanto agudamente, subtilmente, de forma picante), ‘acutulus’ (picante, cortante, um tanto agudo, um tanto subtil), ‘acutus’ (agudo, pontiagudo, vivo, penetrante, picante, violento, subtil, engenhoso, destro) e ‘acutus, us’ (nome a significar ‘ação de aguçar’). – (cf F. Gaffiot, Dictionnaire Latin-Français, Hachette, 1934; F. Torrinha, Dicionário Latino-Português, Maranus, 1945).
Muitas destas palavras passaram quase diretamente para o português e com semântica muito semelhante, tanto no sentido literal como no figurado.
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Assim e como consta dos dicionários, ‘agulha’ é, em português, um nome feminino aplicado em diversas aceções: 1 pequena haste de metal, pontiaguda e furada numa das extremidades, para costura e para suturação; 2 haste cilíndrica (de metal, marfim, etc.) com uma extremidade arredondada ou em forma de gancho, para fazer trabalhos de malha; 3 (sentido figurado) ofício de costureira ou de alfaiate; 4 tubo metálico fino e oco, com uma extremidade pontiaguda, utilizado geralmente para injeções, punções e extração de líquidos; 5 extremidade pontiaguda; 6 haste pontiaguda componente ou acessória de vários instrumentos ou aparelhos; 7 lâmina magnética da bússola; 8 ponteiro de relógio; 9 sistema de carris de ferro móveis, que serve para desviar um comboio de uma linha para outra; 10 travessa que serve para mover a vara do lagar, pedra pequena e semiaguçada para, num muro, preencher buraco ou travar as demais; 11 modo de jazida da rocha vulcânica que se consolidou no interior da chaminé do vulcão que lhe deu origem e mais tarde se deslocou para o exterior; 12 em ictiologia, peixe-agulha, peixe-espada ou espadarte; 13 em botânica, folha acicular persistente de certas coníferas como o pinheiro; 14 em geografia, pico ou cume pontiagudo duma montanha; 15 (sentido figurado) sabor picante de certas uvas e vinhos; 16 em zoologia, ponto de junção das espáduas em certos animais; 17 em náutica, ‘agulha de marear’ – bússola própria para orientação marítima; ‘agulha magnética’ – ponteiro magnético, disposto sobre um eixo vertical em torno do qual gira livremente, que serve para indicar o norte magnético (um pouco desviado do norte geográfico e astronómico). Depois, temos a expressão “procurar uma agulha num palheiro”, que significa: procurar uma coisa quase impossível de encontrar.
No âmbito dos termos cognatos, são de registar os seguintes, que dão uma panorâmica suficiente das diversas aceções de aplicação do vocábulo ‘agulha’: ‘agulhada’ (ferimento com agulha, porção de linha que se enfia de cada vez na agulha); ‘agulha-de-pastor’ (planta da família das umbelíferas também conhecida por erva-agulheira ou erva marisqueira; na Madeira, linha de pesca com anzol); ‘agulhadoiro’ e ‘agulhadouro’ (furo na vara do lagar onde se enfia a agulha da mesma); ‘agulhagem” (mudança da agulha nos carris da via férrea; conjunto de carris móveis usados nessa operação); ‘agulhão’ (pequena bússola de bordo; em ictiologia, peixe-agulha grande); ‘agulhar” (picar, ferir com agulha; meter a agulha do lagar no agulhadouro ou a pedra no sítio próprio do muro; em sentido figurado, incitar, afligir, torturar); ‘agulheiro’ (almofada ou estojo onde se guardam as agulhas; fabricante de agulhas; abertura estreita e profunda; ralo nos tanque e chafarizes; buraco nas paredes onde se enfiam os paus dos andaimes ou os barrotes; encarregado do serviço de agulhas no caminho de ferro; abertura da parte superior dos fornos cerâmicos por onde se lança o combustível); ‘agulhento’ (adjetivo a designar vinho que tem agulha); ‘agulheta’ (remate metálico – sem ponta e de fundo relativamente largo – de cordões e atacadores; agulha grossa para enfiar cordões e fitas; tubo metálico que remata as mangueiras para dirigir o jato de água; em linguagem militar, agulhetas de ajudante campo são as insígnias militares em forma de cordões com pontas metálicas); e ‘agulheteiro’ (fabricante de agulhas ou de agulhetas). – (cf Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2011; e Dicionário Prático Ilustrado, Lello e Irmão, Editores, 1989).
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Agulha (do latim acucula) é ferramenta utilizada para perfurar superfícies. Por ser capaz de penetrar facilmente na maioria dos tecidos, é usada em costura, o ato de unir peças ou entrelaçar fios a fim de criar uma peça de roupa ou um remendo nalgum tecido. Para cada material que se pretenda costurar, existe o tipo de agulha mais adequado. Assim, a agulha usada em cirurgia e enfermagem tem uma configuração diferente da usada em costura manual.
Antigamente, a agulha não era plástica ou metálica, mas improvisada em madeira ou osso.
Para costurar à mão, a agulha a utilizar é uma pequena haste fina de aço, afilada de um lado e com um orifício (fundo, cu, buraco), pelo qual se introduz a linha (e, para a empurrar, o dedo costuma ser protegido pelo dedal) e, para costurar tecidos muito grossos e resistentes, havia a então chamada agulha da lã, grande e de buraco largo; para costurar à máquina, temos uma haste metálica afilada e com orifício na mesma extremidade, sendo que, na outra extremidade existe uma base que pode ser fixada na barra de agulha da máquina doméstica ou industrial. A agulha, conforme o tipo de máquina, pode ter haste reta ou curva, além de outros recursos técnicos para adequação ao que será costurado, por exemplo, ponta de bola para tecidos delicados ou de malha. Para tecimento, existem as agulhas de tricô, hastes metálicas revestidas por capa plástica, usadas aos pares para tecer manualmente tecidos de malha. O diâmetro da agulha é determinante ao tamanho da cabeça da malha. Para tecimento de croché, existe a agulha de croché, que é uma haste metálica ou plástica com gancho e é usada sozinha no tecimento de tecidos de croché, um tipo de malha que só pode ser feita manualmente. E, para tecimento industrial utiliza-se a agulha de lingueta, com a extremidade curva em gancho (também chamada cabeça) e a parte móvel chamada lingueta. São usadas em número variável de acordo com a largura do tecido de malha a confecionar. E, ainda, para tecimento industrial temos a agulha de mola, que tem extremidade curva em gancho (cabeça), mas a cabeça é fechada por uma placa que não é parte integrante da agulha. São usadas em número variável conforme a largura do tecido de malha a ser tecido. Há agulhas próprias para o ponto macramé e para o ponto de Esmirna.
A título de exemplo, refira-se o modo de confecionar o tapete de lã em tela de Esmirna:
Deve usar-se a agulha própria de tapeçaria para dar os nós de Esmirna, uma tela própria (de algodão forte de rede larga, ou em material sintético, com buracos quadrados de cerca de 1 cm) e a lã de Esmirna.
Preparados os materiais necessários, estendem-se sobre uma mesa e começa-se por se embainhar com uma agulha e uma linha os lados por onde se cortou a tela, dobrando-os primeiro duas vezes, para a tela não desfiar. Pronto o tapete, rematam-se as orlas com fio de lã de uma cor a condizer, para fazer um remate de rolinho.
Para elaborar o nó de Esmirna, a agulha deve ser inserida na tela com a mão direita por baixo do fio horizontal da tela (de cada quadrado) e puxa-se novamente para cima. Segura-se, entretanto, o fio de lã com a mão esquerda, dobrando-o ao meio, e empurra-se para baixo. Em seguida, apanham-se com o gancho da agulha as duas pontas do fio e metem-se por dentro da argola de fio, puxando para dar o nó.
Para uso médico, há a agulha hipodérmica, uma haste metálica ou plástica com um orifício que vai de uma extremidade a outra, para passagem de fluido. A espessura (calibre) é consoante a viscosidade do fluido e o calibre da veia ou artéria que se quer alcançar. Existem outras duas formas de uso além da intravenosa, que são a subcutânea e a intramuscular.
Há ainda o exercício da acupunctura e o lançamento das agulhas para adivinhação, como por exemplo, para saber o sexo do nascituro.
E as agulhas de pinheiro servem, além das funções respiratória e clorofina (fotossíntese) da árvore, para infusões (chás), bons para certas maleitas, para vinagres, bons substitutos do vinagre balsâmico, para arder no fogo (em magustos) e para compostagem (eufemismo contemporâneo para dizer ação de fazer estrume ou esterco ou adubo orgânico para os solos aráveis). Não é ovo, mas a galinha pô-lo!
Em suma, hastezinha de aço temperado e polido, aguçada numa das extremidades e perfurada na outra, por onde passa a linha para coser, ou fina e oca ou, ainda, maciça – ou uma hastezinha de aço ou outro material para diversos usos – a agulha é utilizada, como se viu: em costura (manual e mecânica); malha; tapeçaria; tecimento (manual e industrial); sapataria (passa a agulha com as cerdas pelos buracos abertos pela sovela); suturação, injeção, punção e extração de líquidos, em cirurgia e enfermagem; adornos (sobretudo em contexto militar); atividade diária em contexto utilitário; zoologia (sobretudo ictiologia); orientação; orografia; botânica; ferrovia; construção civil; fogo; adubação; condimentação; medicina caseira; acupunctura; adivinhação; e, ainda, para tiradas satíricas em termos familiares, profissionais, sociais e políticos. Até serviu a pregação de Cristo:
“É mais fácil passar um camelo pelo fundo duma agulha que um rico entrar no Reino de Deus” (Mc 10,25; Mt 19,24; Lc 18,25).
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Enfim, para quantas coisas serve a agulha!

2017.07.25 – Louro de Carvalho

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